• Nenhum resultado encontrado

O contexto audiovisual europeu e o cinema produzido em Portugal (2007-2011)

No documento Filmes falados (páginas 167-171)

Uma análise de filmes produzidos em Portugal entre 2007 e

3. O contexto audiovisual europeu e o cinema produzido em Portugal (2007-2011)

Elsaesser (2008) considera que, nos últimos 30 anos, talvez como consequência da queda dos cinemas nacionais, tem-se vindo a discutir o cinema europeu e os media em termos de identidade cultural, levantando o véu sobre as inúmeras lutas em torno das questões da representação, em termos de etnicidade, género e religião. Na opinião do autor, não há ninguém na Europa que não tenha vivido processos de diáspora ou deslocação, em relação a algum marcador de diferença: étnico, regional, religioso, linguístico, etc. O autor refere vários locais da Europa, onde a ideia de uma tábua rasa, de limpeza, da pureza e da exclusão levou a e

continua a originar conflitos sangrentos (Bósnia, Kosovo, Irlanda do Norte, País Basco). Com efeito, o continente europeu foi, historicamente, atravessado por muitos e distintos conflitos étnicos. Neste sentido, para Elsaesser (2008: 15), nós tendemos a esquecer o quão recentes são os estados-nação da Europa, e como muitos deles são o resultado de agrupamentos, à força, ou seja, uma espécie de “colcha de retalhos” de tribos, de clãs, cultural e linguisticamente distintos.

Contudo, o domínio audiovisual europeu parece ter encontrado novas oportunidades e desafios devido ao processo de globalização política, cultural e económica e à migração internacional. Estes processos alteraram a produção, distribuição e exibição dos media (Christensen & Erdogan, 2008). Os autores consideram que existe um esforço da União Europeia no sentido da criação de uma identidade supranacional, através dos media.

Na opinião de Christensen & Erdogan (2008), o cinema europeu foi com frequência descrito e compreendido como a antítese do cinema americano: os blockbusters americanos contra o cinema nacional europeu. Para os autores, de facto, o cinema americano, tornou-se global ao longo do século passado e, a nível comercial, continua a ter um impacto superior ao do cinema europeu. No entanto, o cinema europeu está em ascensão e dicotomias simplistas não permitem capturar as particularidades e complexidades inerentes à esfera audiovisual. Os autores consideram que o filme de arte europeu está vivo e demonstra mais diversidade do que nunca, com novos realizadores emergentes, originários de comunidades de imigrantes europeus e de fronteiras distantes da Europa, que trazem consigo novos modos de olhar o mundo e os outros, distintos daqueles que caracterizam os modos tradicionais de cinema europeu.

No que diz respeito a Portugal, Baptista (2010: 13) refere que depois da independência das colónias portuguesas em África, Portugal foi forçado a reinventar-se como uma nação europeia. Com a europeização da indústria cinematográfica, o cinema português passou por algumas transformações, tendo o modelo artesanal sofrido a influência dos modos de fazer europeus e das suas práticas de financiamento e de produção de filmes (Lemière, 2006). O processo de europeização da indústria cinematográfica permitiu o acesso a programas de financiamento, o que se reflete no aumento da produção fílmica em Portugal. Entre 2004 e 2010, foram produzidos 83 documentários (curtas e

longas-metragens) com o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). Só no ano de 2010 estrearam em Portugal 30 filmes nacionais, dos quais 76,7% longas-metragens de ficção, sendo de realçar a estreia de 9 documentários, 30% do total (ICA, Anuário Estatístico 2010).

O cinema produzido em Portugal está profundamente relacionado com o contexto histórico, político e social vivenciado ao longo das últimas décadas. Enquanto nas décadas de 70 a 80 o cinema português parece discutir essencialmente a questão nacional, espelhando o imaginário do que era ser português nas produções audiovisuais (eg. Trás-os-Montes, 1976, António Reis e Margarida Cardoso; Um Adeus Português, 1985, João Botelho), a partir da década de 90 observamos algumas mudanças, multiplicando-se o número de filmes que começam a discutir as questões da pobreza, da imigração, do passado colonial, entre outras (e.g. No Quarto da Vanda, 1999, Pedro Costa; As Duas Faces da Guerra, 2007, Diana Andringa e Flora Gomes; América, 2010, João Nuno Pinto; Tabu, 2011, Miguel Gomes). Nesta fase, os personagens surgem como indivíduos e não tanto como cidadãos portugueses, como acontecia nas décadas anteriores, envolvendo franjas da população que até aqui estavam ausentes dos filmes produzidos em Portugal (Baptista, 2010).

De acordo com dados recolhidos pelo ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, em 2010 as salas de cinema em Portugal registaram uma afluência de 16,6 milhões de espectadores, o que representa um crescimento de 5,4% face a 2009 e constitui o valor mais alto desde 2005. Mas quantos destes espectadores foram ao cinema para verem filmes portugueses? De acordo com o relatório Cinema nos múltiplos ecrãs (2010), 12,2% dos inquiridos assistiram a filmes de produção nacional nos últimos 12 meses, nas diferentes plataformas (televisão, cinema, dvd, etc). Por plataforma de visionamento, é na televisão que os portugueses veem mais filmes de produção nacional. Apenas 3,2% dos respondentes se deslocaram às salas de cinema para assistir a filmes portugueses.3 Num estudo sobre perceções e expetativas das audiências cinematográficas

3) No que se refere à de bilheteira, em 2010 esta foi de 82,2 milhões de euros, o que representa um crescimento de 11,3% em relação ao ano anterior e o valor mais elevado desde 2004, ano em que o ICA iniciou a recolha de dados das salas através do sistema de controlo informatizado de bilheteiras. Analisando os rácios de espectadores e receitas, 2008 foi o ano com o maior número

portuguesas desenvolvido por Damásio (2007), o autor constata que os fatores que influenciam a decisão de ver um filme português são: o enredo, o elenco e a promoção. Em relação ao enredo, os resultados mostram que as audiências não querem ver as suas próprias vidas e realidades quotidianas retratadas. Além disso, referem que precisam de saber bastante sobre o elenco e sobre o filme para decidirem vê-lo. Daí que uma das razões para a baixa percentagem de pessoas que veem filmes portugueses poderá estar relacionada com o caráter marcadamente de autor dos filmes produzidos em Portugal e o facto de continuarem a retratar a realidade nacional.

Como podemos observar pelo gráfico n.º 1, o número de filmes produzidos em Portugal tem vindo a aumentar, salientando-se o cinema de não-ficção que tem revelado uma evolução significativa, aproximando-se, no que se refere à quantidade de filmes produzidos, do cinema de ficção. As razões subjacentes a esta evolução da produção de cinema de não-ficção em Portugal merecerão uma reflexão aprofundada ao longo do nosso processo de investigação. Contudo, avançamos que poderá ter como justificação o facto dos sistemas de financiamento e das políticas europeias privilegiarem um tipo particular de cinema.

Gráfico n.º 1 - Obras cinematográficas produzidas em Portugal (dados fornecidos pelo ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual)

de espectadores por filme estreado. A variação entre 2004 e 2010 é positiva, ainda que com irregularidades, registando-se em 2009 os piores resultados (Cf. Relatório “Cinema nos Múltiplos Ecrãs”, 2010).

4. Metodologia

Com o objetivo de realizarmos um levantamento das temáticas abordadas nos documentários produzidos em Portugal entre 2007 e 2011, procedemos à análise temática das sinopses dos 166 documentários distribuídos neste período de tempo. Além disso, e partindo da importância atribuída aos documentários de memórias autobiográficas enquanto instrumentos que permitem a reflexão e (des)construção de ideias pré-formadas sobre os acontecimentos do passado, propusemo-nos analisar dois dos documentários produzidos neste período de tempo: Adeus, Até Amanhã de António Escudeiro e Dundo, Memória Colonial, da realizadora Diana Adringa.

Em relação ao método selecionado, a análise temática (Braun & Clarke, 2006) permitiu localizar os temas predominantes na narrativa, ou seja, os temas que são capazes de representar todo o conjunto de dados, formando uma espécie de mapa temático dos documentários. Embora se trate de um método flexível, foi necessário seguir um conjunto de procedimentos que permitiram sintetizar os temas centrais discutidos: familiarização com os dados e recolha das informações verbais; definição de codificações iniciais de acordo com os principais temas discutidos; revisão constante das codificações e reflexão sobre os temas centrais.

5. Temas abordados nos documentários produzidos em

No documento Filmes falados (páginas 167-171)