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Adolescências e a relação entre sexualidade e corpo como questões

1.2 ADOLESCÊNCIAS, SEXUALIDADE, CORPO E SAÚDE

1.2.3 Adolescências e a relação entre sexualidade e corpo como questões

Arcar com a responsabilidade pela fecundidade pode parecer uma forma da mulher, especialmente a jovem, assumir o controle sobre seu próprio corpo e sobre seu próprio destino, libertando-se das determinações impostas pela natureza, tal como problematizou Pirotta (2002). Mas se por um lado, a pílula anticoncepcional, possibilitou ressignificar a reprodução conferindo, segundo Barbosa (1997), sua responsabilidade exclusivamente às mulheres, por outro lado, a não participação dos parceiros nessa decisão pode ter minimizado o uso do método masculino de proteção – a camisinha, o que pode ter contribuído para a rápida transformação da Aids em epidemia, nos anos 1980, após a revolução sexual.

Nesse período, partia-se do pressuposto de que as mulheres não seriam capazes de negociar o uso de métodos contraceptivos e, assim, métodos de uso em comum acordo foram desestimulados, em especial o preservativo, diretamente relacionado ao controle do corpo e do comportamento do homem, havendo, inclusive, constatação de sua impopularidade junto à população masculina (BARBOSA, 1997). Assim, a mulher se encontraria em posição de maior vulnerabilidade, reforçado pelo fato de que os homens, cultural e tradicionalmente, são os que possuem múltiplas parceiras. E desse modo, segundo a autora, a negociação sexual estaria ligada ao conceito de empowerment, ou empoderamento feminino, um elemento importante a ser agregado às conquistas femininas.

Contribuindo com essa discussão, Heilborn et. al. (2002) sugerem que a existência de uma assimetria de gênero, encontrada na literatura como característica da cultura brasileira, também dificulta a negociação de práticas protetivas entre parceiros, afirmando-se esta como um dos fatores que predispõem a uma gravidez indesejada e à contaminação por DST/Aids. Ou seja, em função dos valores tradicionais constituintes das relações de gênero, as mulheres se encontrariam em posição desvantajosa para negociar o uso da camisinha. Nesse sentido, Pirotta (2002) discute que diferenças entre homens e mulheres são socialmente construídas e apropriadas pela cultura, resultando no estabelecimento de regulações sociais,

proibições e regras morais, de forma que, no que se refere à vida reprodutiva, é possível que a naturalização das diferenças, acabe por transformar-se em desigualdades. E ainda, a moralidade que permeia a atitude sexual da mulher prevê que esta não deve ser ativa, sendo que posturas preventivas como propor ou mesmo disponibilizar o preservativo para o ato sexual seria entendido como existência de experiências sexuais prévias, algo que nem sempre é visto com bons olhos pelos parceiros, o que também aponta para a falta de empoderamento feminino, sobretudo entre as jovens, neste contexto.

Na percepção de jovens universitárias, segundo Pirotta (2002), a participação do homem nas práticas preventivas e/ou contraceptivas revela-se através de atos como discutir o número ideal de filhos, adquirir ou lembrá-la de tomar a pílula, usar eventualmente um método que dependa de sua intervenção direta, como a camisinha, nos momentos em que a mulher estiver impossibilitada de tomar a pílula. Portanto, a participação masculina é vivenciada apenas como apoio do parceiro, não se configurando em práticas efetivas como ter a camisinha consigo.

Há, ainda, um elemento importante na discussão acerca da negociação no uso de métodos protetivos, que se refere ao status atribuído ao parceiro. Existe uma tendência de prática sexual desprotegida em relacionamentos com vínculo afetivo, estáveis ou com parceiros “conhecidos” e quando há crença na fidelidade conjugal, estabelecendo um nexo significativo entre vínculo afetivo e sexo desprotegido. (SOUZAS e ALVARENGA, 2001, MONTEIRO, 2002, PIROTTA, 2002, GRAVAD, 2008).

A atual configuração da epidemia da AIDS contribuiu para que a adolescência, apesar de considerada uma etapa saudável, assuma uma posição de destaque no campo da saúde, pois, é nessa fase da vida em que o exercício da sexualidade frequentemente se inicia (TAQUETTE et. al., 2011). No entanto, a ideia de irresponsabilidade que acompanha esse grupo confere uma ideia de maior de vulnerabilidade ao exercício dessa sexualidade. São diversas as discussões acerca de características da adolescência que podem potencializar seus riscos quanto a contrair DST/Aids, dentre as quais podemos mencionar, entre as mulheres adolescentes, epitélio uterino mais exposto, violência sexual e de gênero, menor controle sobre

relações sexuais e o uso do preservativo, parceiros mais velhos, entre outros (TAQUETTE et al., 2011).

Entre os adolescentes HSH (homens que fazem sexo com homens) as primeiras experiências sexuais ocorrem em geral, segundo os autores, de forma desprotegida, e o preconceito ainda existente contribui para uma baixa autoestima que os deixa suscetíveis a uma desigualdade de poder em seus relacionamentos afetivo-sexuais, dificultando a negociação por práticas sexuais seguras. Existe, ainda, o problema de menor acesso a serviços, insumos de prevenção e tratamentos, pois, são poucas as unidades de saúde que oferecem atendimento em saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens de forma individualizada, com privacidade e confidencialidade.

Chalem et al. (2007), bem como Dias e Teixeira (2010), discutem que o não uso de métodos contraceptivos entre jovens, em geral, não decorre de desinformação sendo que há entre eles a informação sobre a necessidade do uso, mas não conhecimento suficiente para exercitar um comportamento nesse sentido. Monteiro (2002) complementa tal concepção referindo que o chamado comportamento de risco decorre de visões de mundo resultantes das experiências sociais nas quais o risco é minimizado ou super-reconhecido. Aponta, assim, que as situações de risco não devem ser avaliadas de forma isolada à probabilidade de um acontecimento, mas em função de um contexto político e moral e de atitudes compartilhadas socialmente.

Nesse sentido, Ayres et al. (1999) fornecem uma análise acerca da origem e das contribuições do conceito de vulnerabilidade para o conhecimento e para as intervenções sobre as doenças, em particular a epidemia de HIV/Aids, abordagem essa, para além do conceito de risco. Assim, vulnerabilidade pode ser compreendida, simultaneamente, como construto e construtor de uma percepção ampliada e reflexiva que identifica as razões últimas da epidemia e seus impactos em totalidades dinâmicas formadas por aspectos que vão de suscetibilidades orgânicas à forma de estruturação de programas de saúde, passando por aspectos comportamentais, culturais, econômicos e políticos. Para Ayres (2003), a proposta da vulnerabilidade é interessante e aplicável a qualquer tipo de dano ou enfermidade de interesse para a saúde pública. Desse modo é que propomos pensar a questão da vulnerabilidade em função da expressão que as DST/Aids e a gravidez assumem na adolescência,

entendendo que esta ideia permite articular a visão da epidemiologia com a das ciências humanas e sociais, uma intersecção que se coloca como importante para a Saúde Pública (AYRES, 2002, 2011), o que vai ao encontro do proposto pelo documento oficial “Marco Legal, Saúde um Direito do Adolescente”:

[...] a noção de vulnerabilidade vem confirmar a visão de um homem plural, construído na sua diversidade a partir das suas diferenças, não cabendo mais a ideia de pensar as nossas ações e práticas educativas baseadas numa perspectiva de universalidade do sujeito. (Brasil, 2005, p. 9).

Embora as questões referentes à saúde sexual e à saúde reprodutiva venham sendo abordadas separadamente, de forma a conferir maior visibilidade a cada uma, notadamente por autoras feministas, um problema relevante se coloca, contudo, no campo da saúde pública. Trata-se das relações entre práticas contraceptivas e práticas preventivas para as DST/Aids que representam, na perspectiva da saúde pública, a dupla proteção almejada, ao estabelecer estreita relação entre os âmbitos da saúde sexual e da saúde reprodutiva.

A importância adquirida pela contracepção e prevenção das DST/Aids para o campo da Saúde Pública, como pudemos observar, coloca a questão da adolescência – um momento da vida de garotos e garotas, enquanto sujeitos sociais – como de grande relevância para pesquisas que busquem observar as estreitas relações existentes entre esses fenômenos, considerando sua complexidade e os significados especiais que as questões da sexualidade e corpo adquirem nesse momento da vida.

Nesse sentido, consideramos relevante buscar entender as relações entre adolescências, sexualidade, corpo e saúde reprodutiva e sexual, possibilitando desdobramentos das questões que se encontram em aberto nas investigações do campo da saúde pública.

2 HIPÓTESE E OBJETIVOS

Partindo do pressuposto que a opção pelo uso, ou não uso, de métodos preventivos para DST/Aids, bem como o planejamento reprodutivo, inscrevem-se no contexto de relações de gênero com implicações para a autonomia feminina em relação ao exercício de sua sexualidade e decisão sobre o próprio corpo, a hipótese levantada é a seguinte:

Na adolescência, o uso da camisinha na prevenção das DST/Aids e o uso de métodos contraceptivos estão relacionados às características próprias desta fase de vida, que leva adolescentes, homens e mulheres, a atribuírem novos significados às relações de gênero, corpo e sexualidade.

Assim, este trabalho tem por objetivos:

Caracterizar os sujeitos da pesquisa, suas condições e contextos de vida. Desvelar os significados atribuídos ao uso de métodos contraceptivos e prevenção de DST/Aids, por adolescentes.

Verificar as relações existentes entre práticas contraceptivas, práticas preventivas de DST/Aids, sexualidade e corpo, na perspectiva de adolescentes.

Interpretar significações e ressignificações das relações de gênero, corpo e sexualidade na adolescência e suas implicações para as práticas contraceptivas e preventivas das DST/Aids.

3 PERCURSO METODOLÓGICO