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5.2 O CORPO ADOLESCENTE: USOS E SIGNIFICADOS

5.2.1 Imagem, estética e culto ao corpo

Ao considerarmos as relações entre corpo, cultura e sociedade nos relatos dos garotos entrevistados, a questão da valorização da imagem e da estética, assim como do verdadeiro culto ao corpo, presente no mundo contemporâneo, notadamente na sociedade brasileira, pôde ser observada nos relatos dos garotos entrevistados. O

culto ao corpo pode ser compreendido, de acordo com Castro (2007), como todo tipo de prática e cuidado corporal cujo objetivo principal seja o de se aproximar o máximo possível, de um padrão de beleza estabelecido socialmente.

As falas de Alexandre e Agenor, em seus 18 e 16 anos respectivamente, apresentadas abaixo, podem ilustrar a questão:

- O que você acha que mais preocupa os rapazes, hoje em dia, em relação ao corpo?

- Sei lá, físico… Tem um monte de cara aí que quer ser aqueles “iron

man”, bombadão [muito musculoso], sair no frio sem camisa… Eu não

ligo pra essas coisas não, mas eu também faço um físico em casa, né, não deixo de fazer, né, ficar gordo também não.

(Alexandre, 18 anos, autônomo, EM incompleto)

Porque sempre… tem os meninos que quer se achar fortão, e tal... aí,

eles tenta fazer mais ainda, tipo, academia, né, pra ganhar músculo, pra ficar mais forte.

(Agenor, 16 anos, autônomo, 1º. EM, matutino)

Os discursos de Alexandre e Agenor apontam para uma preocupação com questões estéticas, generalizada entre os rapazes, especialmente quanto à aparência, ou imagem física do corpo, expressa no valor do ganho de massa muscular em detrimento do acúmulo de gordura corporal.

Em nossa sociedade, segundo Goldenberg e Ramos (2002), a inimiga número um da boa forma é a gordura, tomada quase que por uma doença, especialmente para aqueles que buscam ostentar um corpo com a musculatura definida, de acordo com o ideal da cultura da malhação. Segundo esse ideal, não basta apenas não ser gordo (a), também é necessário construir um corpo firme, musculoso e que obedeça a determinadas características. Para os autores, dentro da chamada cultura da malhação, que classifica, hierarquiza e julga as pessoas a partir da forma física, a gordura e a flacidez podem ser tomadas como símbolo da indisciplina, do desleixo, da preguiça, da falta de certa virtude, ou seja, da falta de investimento do indivíduo em si mesmo.

Vale considerar que, no caso da juventude, esse ideal de corpo é bastante valorizado pelos homens, conforme pudemos observar nos relatos dos garotos antes mencionados. O que podemos depreender de seus discursos é o fato de que nesse

momento da vida tal valorização representa a autoafirmação da identidade, da masculinidade, do reconhecimento dos pares – notadamente das garotas.

Assim, o corpo passa a se configurar como uma das fortes estratégias de conquista, pois, conforme discutido por Macedo (1997), é muito difícil uma sociedade em qualquer época e local em que não exista a preocupação com a beleza, tal como ocorre no reino animal, em que as fêmeas buscam selecionar seus parceiros a partir de aspectos de sua aparência. O autor discute o fato que, em nossa sociedade, podemos observar os ideais de beleza variando de acordo com as épocas e as culturas, porém tais qualidades consideradas atraentes, em geral, guardam fortes relações com sinais de saúde, fertilidade e resistência a doenças.

Contudo, as preocupações estéticas que surgem nas falas dos garotos em relação ao próprio corpo são referidas, não somente ao que poderíamos considerar como configuração da silhueta, mas em relação à aparência física em geral, em que partes do corpo podem ser destacadas, como no relato de Jorge, abaixo, exemplificando como a configuração do corpo se apresenta igualmente como importante estratégia de sedução e de conquista:

-O que que você mais gosta seu corpo?

- No meu corpo? Ah, eu gosto da minha bunda. (risos) As mina pira! [as meninas gostam]

- […] E o que você mudaria, se pudesse?

- Que que eu mudaria, meu físico. Ficar forte, assim, não fortão, fortão,

mas pelo menos, assim, mais ou menos…

(Jorge, 17 anos, estagiário, 3º. EM, noturno)

E ainda, outra parte do corpo que se mostra bastante valorizada em termos de aparência em geral nos discursos dos garotos trata-se do rosto, onde se destaca a preocupação com a questão do cabelo, como moldura do rosto e a questão da pele, livre das espinhas denunciantes da puberdade, conforme exemplificam os relatos de Alexandre, Lucas e Marcelo:

- Ah, eu nunca quero ficar gordo e eu não gosto de espinha, ó que coisa feia. [mostra uma no rosto]

- E que cuidados você tem com isso, com essas duas coisas?

- Ah, eu puxo um peso, né. E teve uma vez que eu comprei… aquela

pomada… [nome da pomada] Eu passei no meu rosto, meu rosto ficou

assim ó. Cheio! Daí, foi um cuidado que eu tentei, fazer… e não

funcionou […] só piorou, daí eu parei de passar.

- O que eu tenho preocupação, deixa eu ver, minhas espinhas... (risos).

Ah, tipo, preocupação, ah, normal, de jovem, assim, sei lá… você fala

em geral, né. […] Ah, tenho preocupação com meu cabelo… com minha

aparência mesmo, assim...

- Sei, você acha... você se acha vaidoso?

- É… ah, eu dei uma relaxada agora, pelo amor de Deus. Mas estraguei

tudo de uma vez só. Adolescência é foda. Eu era tão bonitinho… (risos)

(Lucas, 17 anos, 2º. EM, Integral)

Eu faço limpeza facial, né (risos). Todos os dias. Eu sou muito vaidoso.

[…] cuidados em geral, ah, tenho cuidado com meu rosto, com cabelo.

corpo, passo sempre hidratante, sempre tô passando coisa, é, depilar…

(Marcelo, 19 anos, 2º. EM, supletivo à distância)

Se os relatos anteriormente apresentados revelam uma preocupação estética mais voltada para a questão da silhueta propriamente dita, nos demais discursos, acima apresentados, a menção a outras preocupações estéticas mais gerais como a questão da pele e cabelo aponta, igualmente, para a constatação de que a tão apregoada vaidade feminina vem ganhando lugar no universo masculino, e, igualmente, entre homens jovens. Como observou Macedo (1997), de adolescentes a homens maduros, os cosméticos vêm conquistando um amplo mercado consumidor, sendo que diversos estudos tem tomado esse homem contemporâneo por objeto, no sentido de traçar os contornos da chamada “nova identidade masculina”.

Como podemos observar, tanto Lucas, como Marcelo, relatam cuidados estéticos mais tradicionalmente reconhecidos como práticas femininas, o que parece indicar uma mudança no comportamento masculino. Observa-se ainda, o significado que o corpo passa a assumir nas relações notadamente de gênero, pela valorização que as próprias mulheres atribuem a esse tipo de prática pelos homens, consolidando, ao que parece, o que na atualidade se denomina como uma cultura do “metrossexual”. O termo derivado do inglês metrosexual, a partir da contração de heterossexual com metropolitano, conforme refere Garcia (2004), é usado para definir esse novo/outro homem, segundo Oliveira Jr. e Cancela (2012), preocupa-se, sobretudo com a aparência, investe em tratamentos estéticos, consome de carros a hidratantes corporais, visando se tornar cada vez mais desejável.

Desse modo, o que podemos depreender, do conjunto de narrativas dos garotos entrevistados, é o fato de que o corpo, antes que físico, apresenta-se como

importante representação de corpo social, de forma que a sequência da narrativa de Lucas pode ilustrar de maneira exemplar tal observação:

- Você acha que você cuida, do seu corpo?

- Ah, às vezes até demais! …Ah, sei lá, eu, eu tenho complexo […] Tipo,

segunda-feira eu já vou no médico pra ver baguio [bagulho] de espinha... sei lá, eu passo mais tempo no salão que minha mãe, às vezes. Por causa de cabelo. Passava né, agora não passo mais... agora eu tenho cabelo curto. Antes eu tinha cabelo grande e tal [...] chapinha eu nunca cheguei a fazer, porque eu não sabia, também, minhas irmãs

não ia fazer ni mim, aí era mais progressiva mesmo, relaxamento… Aí

gastava dinheiro só em salão, entendeu... (Lucas, 17 anos, 2º. EM, Integral)