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Percepção do corpo adolescente, virilidade e masculinidade

5.2 O CORPO ADOLESCENTE: USOS E SIGNIFICADOS

5.2.2 Percepção do corpo adolescente, virilidade e masculinidade

Ao se indagar sobre a maior preocupação dos garotos em relação ao corpo, surge a questão das transformações características da chamada puberdade pelas quais passam o corpo adolescente. Ao lado da questão da imagem, da estética e do culto ao corpo, tais transformações parecem descortinar aos olhos dos garotos um “mundo novo” a ser descoberto a partir da percepção dessas mudanças corporais, referida por alguns de nossos entrevistados, a exemplo de Leandro e Lucas:

- O que você acha que mais preocupa os garotos, em relação ao corpo? -…é que tá mudando sabe, conforme você vai crescendo, vai

mudando… Aí você fica, tipo, pensando, ah… que será que é isso? É

novo no meu corpo, não tinha antes. Aí a preocupação é, sabe, ter alguém, que possa explicar e normalmente, assim, hoje em dia não é todo mundo que é aberto com o pai, né, chegar, ai pai, tem isso no meu corpo, que que é... Então a preocupação mais é essa assim.

(Leandro, 18 anos, estagiário, EM completo)

- Ah,tipo, você não conversa com outro amigo seu pra… comparar

alguma coisa, entende, porque aí, você não sabe o que acontece com seu corpo, porque, muitas crianças tem medo de conversar com o pai, entendeu, nem tanto em relação a desempenho nem nada, mas, as vezes, acontece alguma coisa que eles não sabem direito, algum

problema, sei lá.. É isso, eu acho… falta de informação assim, né, saber

sobre a puberdade mesmo. Eu fui mais de boa, mas eu imagino que sim. (Lucas, 17 anos, 2º. EM, Integral)

O que podemos observar a partir dos discursos de Leandro e Lucas é a ocorrência de transformações profundas vivenciadas no corpo juvenil, mas que a ele não se circunscrevem na medida em que passam a representar todo um novo universo

de inscrição do jovem no mundo. Este mundo, ao qual o jovem se inscreve, é caracteristicamente denominado masculino, em que um dado ideal de homem aparece de maneira naturalizada e como uma identidade a ser perseguida. Trata-se, portanto, de uma inscrição em um mundo adulto, tal como pudemos observar quando da interpretação da concepção do que representa, para o discurso dos entrevistados, ser homem e ser homem adolescente, em que existem expectativas para além do desempenho sexual caracterizado pela heteronormatividade e por responsabilidades em relação à constituição de família e procriação, dentre outras.

O que parece relevante reter, em ambos os discursos, são as mencionadas dificuldades que o adolescente identifica na interlocução com o mundo adulto, o que os faz se sentirem em um período de vida cuja sexualidade, que se descortina, encontra limites em termos de referências que ampliassem o seu próprio autoconhecimento. Nesse sentido é que se coloca a questão apontada pelos garotos acerca da abertura paterna em relação à interlocução com os filhos, bem como em relação à ausência de informação voltada para o jovem a respeito das transformações do corpo juvenil.

Nesse universo de mudanças e de aprendizado pela sociabilidade com os pares, ganha expressão, em alguns discursos, a menção às tradicionais brincadeiras nas quais é posta à prova a questão da própria masculinidade e sua construção, tendo, ao que parece, como referência, a ideia polarizada de sexualidade ativa e passiva, conforme discorre DaMatta (1997), em seu texto, considerado clássico, intitulado “Tem Pente aí?”. O autor reflete sobre a construção da identidade masculina a partir das brincadeiras vivenciadas na sua própria adolescência, apontando para o fato de que, nesse processo, é possível observar como a questão da masculinidade se constrói em relação a uma concepção de feminilidade, partindo-se da ideia do que se pode considerar como desempenho sexual. Assim, o masculino, portador da identidade ativa, caracterizaria o homem enquanto tal, contrapondo-se ao feminino, portador da identidade passiva, caracterizando as mulheres e, igualmente, os “não- homens”, ou seja, os homossexuais.

Menções a tais brincadeiras podem ser observadas nas falas dos garotos entrevistados, conforme exemplificam os relatos de Wagner e Gabriel, em seus 16 e 15 anos, respectivamente.

- O que você acha que mais preocupa os rapazes em relação ao corpo? - Tamanho. (risos). Você fala de tamanho do cara, nossa, ele fica um bicho! [...] Tanto é, que a gente zoa [faz piada com] japonês, e eles ficam bravos!

(Wagner, 16 anos, aprendiz, 1º. EM, noturno)

- Ah! Todo mundo, todos assim, a maioria dos homens se preocupa com o tamanho, só. Tamanho do ‘documento’, entendeu? É! Só! (risos)…

Maioria das conversa, os cara só…

- [...] Mas, que tipo de conversa que rola? Assim…

- Ah, zueira [piada], entendeu… os cara, ah, o seu é pequeneninho e

tal, só que assim, o cara sempre, nunca fala a verdade. Não! O meu é…

[faz sinal de tamanho grande com a mão]... Entendeu? Sempre gosta de aumentar [...] tem uns caras que gosta de falar mais, né. Fala que faz isso e aquilo. Mas cachorro que muito ladra não morde!

(Gabriel, 15 anos, 1º. EM, Manhã)

Nas piadas, ou zoeiras, mencionadas por Wagner e Gabriel, ganha expressão a questão do tamanho do pênis que surge, igualmente, como uma das preocupações comuns para os rapazes, juntamente com a performance da masculinidade, em termos do que se consideraria a assunção do papel ativo nas práticas sexuais heteronormativas, ideia que se aproximaria do que autores como Conell (1995) denomina de masculinidade hegemônica.

Retomando a interpretação de DaMatta (1997) acerca das referidas brincadeiras, o que podemos observar, a partir dos discursos de Wagner e notadamente de Gabriel, é o quanto a ideia de masculinidade encontra, nessas brincadeiras, as possibilidades de se identificar a própria desconstrução da referida masculinidade hegemônica, daí as brincadeiras representarem uma espécie de cobrança dos pares em relação à necessidade da afirmação do que, em tese, representaria ser homem “de verdade”, cuja representação, conforme discorre Nolasco (1997), existe para encobrir as sucessivas ausências de figuras masculinas no cotidiano das crianças, instituindo um ideal de indivíduo que não corresponde às demandas afetivas dos meninos.

Para DaMatta (1997), o pênis costuma ser constantemente testado, experimentado e consumido enquanto ator social, órgão central e explícito da masculinidade e da condição de “ ser homem”. Daí que, em nossa cultura ocidental, a masculinidade seja representada pelo falo, sendo esperado e constantemente cobrado que aqueles que o possuam, devam se comportar com hombridade, como que na

obrigatoriedade de “honrar” tal órgão. Ou seja, não basta, portanto, possuir um corpo de homem, um pênis, mas deve-se mostrar ser masculino o tempo todo, incorrendo em uma eterna vigilância das emoções, gestos e do próprio corpo.

Discorrendo sobre o tema, Goldenberg (2006) identifica o mesmo tipo de preocupação em relação à compleição do ideal de corpo masculino, que exige aos homens serem fortes, potentes e viris, características representadas em sua pesquisa pela altura, força física, tamanho do tórax e do pênis, em contraposição ao corpo feminino que exigiria das mulheres serem delicadas, submissas, o que pode representar a ideia subjacente de atividade e passividade nas relações entre homens e mulheres, na sociedade. Em sua análise, a autora recorre à abordagem de Pierre Bourdieu2, que demonstra o fato de tais performances, masculina e feminina, resultarem de pressões sociais e culturais que implicam, por vezes, a própria naturalização de tais características como representativas do ser homem e ser mulher, na maioria das sociedades.