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1.2 ADOLESCÊNCIAS, SEXUALIDADE, CORPO E SAÚDE

1.2.2 Corpo, sexualidade, gênero e adolescências

Silva (2010) discute que a sexualidade é uma das dimensões do humano e que além do aparato biológico existem as relações afetivas, trocas sensoriais, sensações prazerosas, que constituem um jogo de descobertas em si mesmo e no outro por meio dos corpos. Sexualidade não é apenas sexo, mas uma construção que se dá a partir de crenças, regras sociais e ideologias, presentes numa dada cultura, num determinado momento e que dizem como os corpos devem se relacionar, estabelecendo limites para tanto. As possibilidades da sexualidade e das formas de se expressar desejos e prazeres, de acordo com Louro (2010), também são socialmente estabelecidas.

Para Weeks (2010), a sexualidade tem papel crucial na constituição do bio- poder proposto por Foucault, sendo que o sexo configura um meio de regulação tanto dos corpos individuais, quanto do comportamento da espécie, enquanto população, ou corpo político, conforme discutido no item anterior. Nesse sentido, Foucault (2010) considera, em sua obra História da Sexualidade, que a sexualidade não deve ser concebida como dada pela natureza, mas como dispositivo histórico, de forma

que o autor analisa diferentes discursos que contribuiriam para produzir a verdade do sexo, desse modo exercendo o que chama de aspecto positivo do poder, enquanto produtivo. Assim, é possível compreender que a intensa produção de discursos sobre a sexualidade, ao invés de reprimi-la, a normatiza através das práticas discursivas.

Acerca da ideia de que nossos corpos se constituem numa referência para ancorar nossa identidade por ser, aparentemente, inequívoco e evidente, Louro (2010) propõe a reflexão a partir da compreensão de que os corpos são significados pela cultura e por ela são continuamente alterados:

O corpo se altera com a passagem do tempo, com a doença, com mudanças de hábitos alimentares e de vida, com possibilidades distintas de prazer ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica. Em tempos de epidemia de Aids, por exemplo, a preocupação com exercício do ‘sexo seguro’ vem sugerindo novos modos de encontrar prazer corporal, alterando práticas sexuais ou produzindo outras formas de relacionamento entre os sujeitos. (LOURO, 2010, p. 14).

Então, se os corpos ganham sentido socialmente, a inscrição do feminino ou do masculino nos corpos de homens e mulheres apenas pode se dar “no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com marcas dessa cultura” (LOURO, 2010, p. 11). Historicamente o corpo da mulher tem carregado significados que o associam naturalmente à reprodução e à maternidade, sendo que muitos significados costumam ser atribuídos ao que se considera ser mulher. De acordo com Silva (2010), as feministas passaram a questionar as desigualdades presentes nas relações sociais entre homens e mulheres baseadas em aspectos que, até então, eram considerados naturais e próprios da mulher, com embasamento em aspectos biomédicos.

A partir do movimento feminista, portanto, foram descortinadas as desigualdades entre os sexos e as opressões sofridas pela mulher ao longo da história, bem como foi possível questionar o patriarcado e colocar em discussão a questão conhecida como gênero, explorada por diversas autoras como Scott (1995), que definiu gênero como um “elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre sexos” e “uma forma primária de dar significado às relações de poder” (pg. 86). Ou, como Haraway (2004), para quem gênero é um conceito desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em que homens e mulheres são socialmente constituídos e posicionados em relações de hierarquia e antagonismo.

Nesse contexto, o advento da pílula anticoncepcional tornou-se um marco, pois passou a delegar à mulher o poder de decisão sobre sua função reprodutiva, visto que o fenômeno ocorre especificamente em seu corpo. Inicialmente não havia o enfoque na liberação das relações sexuais, mas, sim, na possibilidade de optar por não ter filhos e, assim, libertar as mulheres da esfera doméstica, possibilitando a apropriação da esfera pública e da conquista de direitos. Tal fato possibilitou, conforme Franchetto e cols. (1981), um novo olhar sobre o corpo feminino haja vista que sobre este é que se dá a relação social que conjuga sexualidade e reprodução, cujas questões da contracepção e do aborto propõem-se a separar.

Para Dias e Teixeira (2010), a liberdade trazida pela revolução sexual não foi devidamente acompanhada por uma discussão acerca de valores relacionados ao corpo, à sexualidade, aos papéis sexuais e de gênero presentes em nossa sociedade, de modo que mensagens contraditórias são oferecidas aos jovens, nesse contexto. Assim, por trás de uma aparente liberdade se pode observar uma moralidade rígida e punitiva, ou seja, por um lado a família reprime a sexualidade do adolescente e, por outro, o grupo de pares exerce pressão quanto a experimentar e expressar essa sexualidade. A mídia também representa forte contribuição para a sexualização dos jovens, notadamente através do uso da imagem da mulher como símbolo sexual, fortalecendo a desigualdade de gênero.

Domingues e Alvarenga (1997) discutem que o corpo representa importante elo entre os adolescentes, sendo que o padrão de beleza imposto pela mídia – da mulher magra, alta e do homem forte e musculoso – influencia na autoestima do adolescente, bem como nas relações afetivas entre amigos, namorados, paqueras, entre outros, em termos de relações de gênero, interferindo também em seus comportamentos, principalmente no que diz respeito à sexualidade. Tal questão pode apresentar implicações, ainda, na busca e acesso a informações e serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva, oferecidos, conforme pode ser observado em publicações oficiais como as do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010a).

1.2.3 Adolescências e a relação entre sexualidade e corpo como questões de