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A prática da parresía no mundo Antigo era visto como algo moralmente admirável. O sujeito que morria pela verdade dita, como Sócrates, passava a ser admirado pelos demais atenienses que podiam pensar como Sócrates, mas que não tinham coragem para assumir tal pensamento. Assim, muitas vezes filósofos, pensadores e, principalmente, políticos tentavam, através do discurso, passar uma impressão de parresía. Para tal interpretação, duas técnicas de discursos, que são os dois principais adversários da parresía, eram adotadas: a lisonja e a retórica. Há um terceiro adversário, mas que aparece de forma secundária, que cria o cenário que pode ser chamado de anti-parresía: a cólera – mas a cólera do locutor, não daquele que recebe a parresía. Assim, tem-se o seguinte cenário: o do lisonjeador, valendo-se da retórica, para acalmar a cólera do seu superior. É justamente num ponto oposto a essa situação que está aquele que faz uso da parresía. O primeiro oponente da parresía a ser destacado é a lisonja. Foucault ressalta que:

A conclusão é que a parrhesía (o franco-falar, a libertas) é exatamente a antilisonja. É a antilosonja no sentido de que, na parrhesía, há efetivamente alguém que fala e que fala ao outro, mas fala ao outro de modo tal que o outro, diferentemente do que acontece na lisonja, poderá constituir consigo mesmo uma relação que é autônoma, independente, plena e satisfatória. A meta final da parrhesía não é manter aquele a quem se endereça a fala na dependência de quem fala – como é o caso da lisonja. O objetivo da parrhesía é fazer com que, em um dado momento, aquele a quem se endereça a fala se encontre em uma situação tal que não necessite mais do discurso do outro (FOUCAULT, 2010a, p. 340).

Eis um dos principais objetivos da parresía: através de um discurso verdadeiro, da fala franca, do tudo-dizer, fazer com que o outro chegue a uma situação de autonomia. A ideia é que o outro perceba a franqueza do discurso e que possa assimilar tal verdade para que tenha o crescimento no sentido do conhecimento e do cuidado de si, mencionados anteriormente. Porém, aquele que faz uso dessa fala franca corre o risco de ser mal interpretado ou de não ter a aceitação que se espera acerca do tudo-dizer.

Já sobre a questão da parresía enquanto oposição à retórica, Foucault (2010a) justifica que a retórica é uma técnica que não almeja necessariamente à verdade. O principal objetivo da retórica é, pois, persuadir aquele que recebe a mensagem. A retórica visa convencer o outro de que o discurso é verdadeiro. Ou, como define o autor:

A retórica é uma tékhne, e por conseguinte, refere-se à verdade, mas à verdade tal como é conhecida por aquele que fala, não a verdade que está contida no discurso daquele que fala. Assim, diz ele, um bom general deve ser capaz de persuadir suas tropas de que o adversário que vão enfrentar não é sério nem tão temível, quando de fato o é (FOUCAULT, 2010a, p. 342).

No entanto, como o bom general, a qual Foucault se refere, fará isso visando obter sucesso na batalha? Conhecendo a real situação dos dois lados. Apenas assim ele poderá construir o discurso que tornará possível convencer aos outros de que a sua estratégia se vale da verdade, mesmo se tratando de uma mentira. Aristóteles, por sua vez, apresentou a seguinte definição da retórica da Grécia antiga: “Assentemos que a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuação” (ARISTÓTELES, 1998, p. 33). Nas palavras do filósofo, o objetivo final da retórica é persuadir. E o que é a persuasão? A persuasão é “nada menos que a influência sobre a conduta através do discurso” (BERRIO, 1983, p. 7) além de contar com uma “prática argumentativa destinada a atuar na intenção comunicativa dos indivíduos na sociedade seguindo uma racionalidade baseada na lógica da contingência” (BERRIO, 1983, p. 7). Na parresía, por sua vez, só pode haver verdade. “Onde não há verdade não há franco-falar. A parrhesía é a transmissão nua, por assim dizer, da própria verdade” (FOUCAULT, 2010a, p. 342). Eis, basicamente, a diferença e a oposição entre a parresía e a retórica, destacando que, mesmo assim, pode haver uma relação entre ambas: “digamos que a parrhesía fundamentalmente liberada das regras da retórica, que ela a retoma diagonalmente e só a utiliza quando necessário” (FOUCAULT, 2010a, p.342).

A partir disso, surge a seguinte questão: todo o discurso verdadeiro é parresía? Não. Conforme salienta Foucault (2010a), a parresía só ocorrerá quando esse discurso

verdadeiro é proferido em dado momento, nas condições com que o (s) indivíduo (s) possa recebê-lo da maneira que se deseja. Um exemplo simples é a diferença entre adotar um discurso que pretende ser parresiástico, direcionado a uma figura pública em duas situações: uma, quando ela está no exercício de seu poder (por exemplo, um presidente ou ministro que estão cumprindo um mandato); e outra, quando essa pessoa já não está mais ocupando tal cargo. Nesse caso, o momento para o exercício da parresía seria na primeira situação – quando a figura pública detém o poder. E, para tanto, como ressalta Foucualt (2010a), muitas vezes não é o que se diz que torna o discurso parresíastico, mas sim, a forma como se diz. Porém, esse ponto é aprofundado mais adiante, quando é feita a relação entre jornalismo, discurso verdadeiro e ficção.

Voltando à antiguidade, em quais situações a parresía era pratica? São basicamente duas situações principais: quando o sujeito se levantava na assembleia para fazer uso da palavra, e outra na relação entre o príncipe e os seus subordinados. Assim, surge a figura do conselheiro que tem como função justamente fazer o exercício da parresía ao dizer-a- verdade ao príncipe, sem cair nas armadilhas da retórica e da lisonja. A questão, então, passa a ser: como adotar a fala franca com o príncipe? Surge outra característica fundamental para a prática da parresía: o conselheiro deve assumir riscos para falar a verdade. A partir desse exemplo do conselheiro (que fica sujeito às punições por ter dito a verdade), tem-se essas duas características, (a fala franca e a coragem de assumir riscos) que acompanharão toda a trajetória da parresía.