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O SUJEITO ENQUANTO PRÓPRIA VERDADE

Para se conceitualizar o sentido que os gregos davam à parresía, tão importante quanto o risco asumido pelo discurso verdadeiro, é a relação entre aquele que emite o discurso e o modo de vida. Tem-se então o seguinte quadro: aquele que faz uso da parresía adota a fala franca – que se caracteriza pela forma como é expressa, sem lisonja e sem observar as regras da retórica – para alguém em uma posição hierárquica superior, com o objetivo de fazer com que o outro enxergue a verdade que lhe é dita para fazê-lo conhecer e cuidar melhor de si, tudo isso assumindo riscos. Porém, para tanto, deve-se observar o modo de vida daquele que pretende fazer uso da parresía. Foucault apresenta alguns pontos a serem observados para fazer essa verificação:

célebre, reputado, conhecido por não ser um lisonjeador, dirigir-se então a ele. Dirigir-se a ele, ou melhor, antes mesmo de dirigir-se diretamente a ele, tentar verificar, provar, testar de algum modo a não lisonja desse indíviduo. E observar como ele age na vida, observar se frequenta os poderosos, observar a atitude que tem em relação aos poderosos que frequenta ou em cuja dependência se encontra (FOUCAULT, 2010a, p. 356).

Esses dois pontos recém abordados (o risco assumido e o modo de vida) estão fundados justamente na Apologia de Sócrates, de Platão. No texto, também mencionado por Foucault (2010a), Sócrates está sendo julgado pelos atenienses por cometer “crime, investigando indiscretamente as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil e ensinando aos outros” (PLATÃO, 2005, p. 59). E o que faz Sócrates para se defender? Mostra a relação que a sua vida tem com aquilo que ele diz, ao mesmo tempo assumindo o risco máximo, que vem a se confirmar com a sua condenação: a pena de morte. A relação da maneira de falar com o seu modo de vida, aliás, é ressaltada pelo filósofo logo no início do seu discurso de defesa:

Em verdade, nem conviria que eu, nesta idade, me apresentasse diante de vós, senhores, como um jovenzinho que prepara os seus discursos. E todavia, cidadãos atenienses, faço-vos um pedido, uma súplica: se sentirdes que me defendo com os mesmos discursos com os quais costumo falar nas feiras, na praça perto dos bancos, onde muitos de vós me tendes ouvido, em outros lugares, não estranheis por isso, nem provoqueis tumulto (PLATÃO, 2005, p. 57-58).

Nesse trecho pode se perceber esses dois itens, característicos do discurso parresíastico: 1) ao assumir que falará como sempre falou, Sócrates deixa claro que não aceita moldar o seu discurso para agradar ao público ou aos juízes e; 2) ao adotar tal postura ele assume o risco de não ser bem interpretado ou de não ter o seu ponto de vista aceito, assumindo, assim, a possibilidade de ser condenado a pena de morte – condenação esta confirmada ao final do julgamento. Essa fala franca de Sócrates é o que Foucault (2011) vai chamar de parresía socrática.

Nesse ponto é importante se voltar à questão das mudanças de paradigma em torno da fala da verdade. Foucault (2010a) apresenta uma visão interessante. Inicialmente, na Grécia Antiga, conforme ficou explicito nos pontos a serem verificados no discurso e na vida daquele que pretende usar a parresía, a preocupação está mais voltada para alguém que ocupa uma determinada posição na sociedade grega: o filósofo, o conselheiro, etc. Foucault (2010a) usa o exemplo do diretor para ilustrar essa mudança de paradigma. Enquanto na antiguidade a preocupação estava em torno do diretor, no cristianismo é o diretor quem vai checar a veracidade e franqueza dos sujeitos. Ou seja, numa situação, o

dirigido pretende fazer uso da parresía para checar a franqueza do diretor – como Sócrates faz durante o seu discurso, devolvendo as questões para os acusadores, num movimento hierarquico de baixo para cima. Na outra, contemporânea, o diretor, teoricamente usaria a parresía para checar a franqueza e veracidade do que diz o dirigido. Esses são os casos do juíz diante do julgado, do professor diante do aluno, do chefe diante do empregado, etc. Essa é uma mudança interessante, porém, o que acontece no caso do jornalismo é muito mais esse movimento, como o do exemplo de Sócrates, de baixo para cima (o jornalista subordinado e o seu chefe/patrocinador/apoiador/entrevistado), do que no caso contemporâneo – que vai ser confirmado com a noção de parresía dada na religiosidade cristã – de cima para baixo.

Já falando sobre um texto em que o filósofo Sêneca3 aborda a parresía, Foucault (2010a) apresenta outra mudança de paradigma. Enquanto para Filodemo a parresía é uma técnica, para Sêneca ela não é nem uma técnica e nem uma arte. Ela é justamente o seu próprio discurso, que se funde com o seu emissor. Mais uma vez então, a relação entre o discurso e a vida daquele que o profere ganha importância. Isso ocorre quando se diz o que pensa, e se pensa o que se diz, em um cenário em que a linguagem está de acordo com a conduta. “Cumpriu com seus comprometimentos aquele que, quer o vejamos, quer o escutemos, permanece o mesmo” (FOUCAULT, 2010a, p. 361).

O filósofo francês destaca que esse provavelmente é o ponto alto, o mais importante da prática da parresía, conforme fica explícito no seguinte trecho:

E o que autentifica o fato de dizer-te a verdade é que, como sujeito de minha conduta, efetivamente sou, absoluta, integral e totalmente idêntico ao sujeito de enunciação que eu sou ao dizer-te o que te dito. Creio estarmos aqui no cerne da parrhesía (FOUCAULT, 2010a, p. 365).

Portanto, esse é um dos principais pontos que torna qualquer discurso parresiastico: seja ele filosófico, jornalístico ou literário.

Têm-se então, na teoria, pontos bem definidos do que são pré-requisitos para haver parresía. No entanto, por que tão poucas pessoas fazem uso de tal fala franca? Ora, grande parte das pessoas optam por se calar, ou adaptam os seus discursos às normas e às leis por medo. A parresía, portanto, é o anti-medo, é a coragem. E, como destaca Foucault (2010b), muitos não perdem esse medo por preguiça ou covardia. Ele ressalta que esses

3 Lúcio Aneu Séneca, que ficou famoso como Sêneca, nasceu em Corduba, na Espanha, em 4 a.C., e morreu

em Roma no ano de 65. Ficou conhecido pelas suas atuações no campo da advocacia, da filosofia e da literatura do Império Romano.

sentimentos são justificáveis, pois, numa visão kantiana, esse processo se dá em forma de círculo. O sujeito que tem autoridade começou a sua vida submisso à outras atuoridades, “de tal sorte que esses outros, habituados assim ao jugo, não suportam a liberdade e a emancipação que lhes é concedida” (FOUCAULT, 2010b, p. 33). Essa postura de estar submetido às normas, como se fosse um estado natural das coisas, é o que vai imperar, também, no campo jornalístico.

Fica claro, portanto, que esse aprofundamento em torno da palavra parresía vai muito além das traduções simplistas que a tratam simplesmente com o significado de “dizer tudo”, afinal, o dizer tudo pode não significar nada. Portanto, há uma forma de se falar essa verdade, além das condições explicitadas que propiciam a prática da parresía, que aparece justamente após o contexto mencionado de conhecimento e cuidado de si. “Ninguém pode cuidar de si sem se conhecer” (FOUCAULT, 2010b, p. 43). É nesse momento em que, em textos da filosofia grega, aparece o filósofo se erguendo diante do tirano, tornando o dizer-a-verdade bastante perceptível, pois às vezes não basta apenas dizer a verdade ou fazer uso da fala franca. “Podemos dizer que a parresía é mesmo uma maneira de dizer a verdade, mas o que define a parresía não é esse conteúdo da verdade. A parresía é uma certa maneira de dizer a verdade” (FOUCAULT, 2010b, p. 51). E o que seria essa maneira de dizer a verdade? Antes de mais nada, é preciso destacar quais não são as formas de parresía.

Primeiro, a parresía não pertence a uma estratégia de demonstração. Ela pode utilizar elementos de demonstração, mas demonstrar algo não é o seu fim. “Não é a demonstração nem a estrutura racional do discurso que vão definir a parresía(FOUCAULT, 2010b, p. 52). Segundo, a parresía não é uma estratégia de persuasão – também pode usar elementos da retórica, mas a persuasão também não é o seu fim. “Podemos dizer, de modo geral que a parresía não pode simplesmente se definir, no interior do campo da retórica, como um elemento pertencente à retórica” (FOUCAULT, 2010a, p. 53). E a parresía também não é uma maneira de ensinar, ou seja, não é uma pedagogia, afinal, mesmo quando se dirige a um tirano, o objetivo da parresía não é ensinar algo a ele, pois o dizer a verdade pode ocorrer de maneira violenta e abrupta, e proferida de modo cortante, que aquele que recebe a fala parresiastica acaba ficando calado ou sufocado de ira. Essa fala franca pode resultar, inclusive, na condenação do parresiasta pelo tirano – e essa condenação pode ser a morte. E a parresía também não é um anunciado perfomativo. Aliás, o pensador francês classifica a parresía como anti- perfomativa, pois, “a parresía não produz um efeito codificado, ela abre um risco

indeterminado. E esse risco indeterminado é evidentemente função dos elementos da situação” (FOUCAULT, 2010b, p. 60). Ou seja, ela não é uma performance em que o sujeito interepreta. Ela é uma fala franca singular que implica na abertura de um risco. Mesmo que num discurso demonstrativo ou performance a verdade seja dita, se esse discurso é enunciado em condições neutras, não há parresía.

Pode-se dizer, então, que a parresía assume diferentes formas, pois ela pode aparecer, por exemplo, em textos longos de Platão e também em respostas curtas, como as que Dion dá ao seu tio-tirano Dionísio no texto de Plutarco4, Vidas Paralelas. Pois bem, se a parresía não é retórica, não é pedagogia e não é lisonja, o que ela vem a ser? Pois bem, como ressalta Foucault (2010b), a parresía está afastada das estratégias discursivas. E, assim sendo, há diversas maneiras de exercer essa parresía:

[...] pessoas que utilizam a parresía, que se servem de parresía, sob formas muito diferentes – ora lições, aforismos, réplicas, opiniões, juízos. Mas, quais que sejam as formas em que essa verdade é dita, quaisquer que sejam as formas utilizadas por essa parresía quando se recorre a ela, sempre há parresía quando o dizer-a-verdade se diz em condições tais que o fato de dizer a verdade, e o fato de tê-la dito, vai ou pode ou deve acarretar consequências custosas para os que disseram a verdade (FOUCAULT, 2010b, p. 55).

Tem-se, portanto, essa característica que marcará a parresía e que vai aparecer no conceito de jornalismo parresiastico: as consequênicas de se dizer a verdade. Assim, considerando a história contada até aqui sobre a parresía, há duas situações fundamentais da prática da parresía. Na primeira, que parte da ideia do conhecimento e do cuidado de si, o sujeito busca a parresía para poder, inicialmente, cuidar-se de si para, então, cuidar dos outros. É a ideia do político que governa a cidade grega. No entanto, a outra situação é aquela em que o poderoso não cumpre esse papel de cuidar dos outros e de fazer a justiça. E, nesse caso, o cidadão pode e deve fazer uso da parresía para se levantar diante do podersoso, do governante, do tirano.

Outra questão importante para se pensar o conceito de parresía é: qual a premissa básica para a existência de uma prática parresiástica? Bem, a resposta é simples: para a parresía cumprir o seu papel de transformação é preciso haver democracia. E vice-versa. “Para haver democracia, é preciso haver parresía; para haver parresía é preciso haver democracia. Temos aí uma circularidade essencial” (FOUCALT, 2010b, p. 144).

4 Plutarco nasceu em Queroneia, na Beócia, no antigo Impéio Romano, em 46 a.C., vivendo até o ano 120.

Atuou como escritor, historiador, matemático e filósofo em diversas cidades, inclusive Atenas e Roma. Na obra Vidas paralelas, Plutarco faz um trabalho biográfico dos imperadores romanos.

Portanto, a isegoria, o direito estatutário de falar, é uma pré-condição para uma sociedade onde a parresía cumpre o seu papel de transformação – mesmo que, em uma sociedade não-democrática, como as que vivem sob sistema de ditadura, é possível, isoladamente, praticar-se a parresía, que, no fundo, será uma forma de tentar transformar essa sociedade em uma democracia.

Tendo isso definido, há outra sistematização apresentada por Foucault (2010b) sobre as utilizações da parresía. Ele chama essa sistematização de retântulo constitutivo. A forma geométrica ilustrativa é formada por quatro vértices. São eles:

1) O vértice constitucional: onde há democracia em que há igualdade entre os cidadãos;

2) Vétice político: onde há o jogo da ascendência ou da superioridade (uns têm mais poder do que outros);

3) Vértice da verdade: em que a tomada da palavra deve ocorrer para se dizer a verdade;

4) Vértice da coragem: onde há uma rivalidade, em que há dois polos – o que faz o discurso e aquele a quem o discurso é destinado em uma disputa moral.

Imagem 1: Forma geométrica proposta por Foucault (2010b).

Fonte: produção do autor.

Essa sistematização, portanto, reúne alguns os principais pontos da parresía da Antiguidade. No entanto, as características da parresía mudaram com o passar dos séculos. E, assim, ela passa a encontrar lugar em todos os tipos de regimes, e não apenas nos democráticos: “A parresía encontra seu lugar, ou antes, ela tem de abrir lugar em diferentes regimes, sejam regimes democráticos, sejam regimes autocráticos, oligárquicos, monárquicos” (FOUCAULT, 2010b, p. 273). Temos então a noção de que tanto os

soberanos quanto o povo precisam da parresía, porém, quando a parresía ganha espaço em qualquer regime, ela tenta conduzir esse regime para uma democracia.

E como a parresía vai conduzir essa sociedade à uma democracia? Através de um pacto, chamado por Foucault (2010b) de pacto parresiástico. Nesse caso, quando o parresiasta transforma aquele – ou aqueles – a quem o discurso é direcionado, eles também assumem os riscos do ponto de vista defendido pelo parresiasta. O filósofo francês cita o exemplo de Péricles5, que defendeu a Guerra do Peloponeso6 ao povo de Atenas, mas que depois do fracasso foi perseguido pelos atenienses. Nas palavras de Foucault, resumindo a fala de Péricles, o pacto consistia na seguinte ideia: a solidariedade deveria ocorrer tanto em caso de vitória, quanto também em caso de derrota. Ou seja, Péricles pede que, em caso de fracasso: “vocês não me punam individualmente por uma decisão que tomamos juntos, depois de eu os ter persuadido, graças a meu discurso de verdade” (FOUCAULT, 2010b, p. 162).

Nesse pacto o sujeito diz a verdade para o povo, que pode a aceitar se quiser. Porém, se aceitar, eles devem ser solidários nas consequências, quaisquer que sejam, colocando o sujeito que diz a verdade na mesma situação dos demais. Como isso não acontece no exemplo de Péricles, é o próprio Péricles que se revolta contra a população. Por acreditar ter dito a verdade, ele ressalta que não volta atrás em sua opinião e, novamente, enfrenta a opinião da maioria com o seguinte pensamento, bem resumido no seguinte trecho: “Vocês me criticam pelas decisões que foram tomadas e pelos desastres da guerra, pois bem, eu me volto agora para vocês e, sem adulá-los de modo algum, vou fazer a vocês as críticas que tenho a lhes fazer” (FOUCAULT, 2010b, p. 164). E, a partir de então, passa a discorrer sobre a quebra do pacto por parte do povo ateniense. Nesse exemplo, o parresiasta não se levanta contra um poderoso, um tirano, mas sim contra outro tipo de poder: a opinião da maioria, o que hoje é chamado de opinião pública.

Independentemente de quem recebe a parresía, é importante que ela seja considerada para que haja o que Foucault (2011) chama de jogo parresiástico. Nele, o parresiasta assume o risco ao questionar sua relação com o outro, pois falando a verdade ele ameaça a relação de amizade, de subordinado, de poderes políticos, etc. Ele ameaça essa relação e, em alguns casos, a sua própria existência, pois está dizendo a verdade contra um, contra

5 Péricles (495 a.C. – 429 a.C.) foi um general e estadista de Atenas. É considerado um dos principais nomes

no cenário político da Grécia Antiga.

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A guerra do Peloponeso envolveu as duas cidades que eram o centro político do mundo ocidental do século V a.C. – Esparta e Atenas. A história foi registrada por Tucídides e Xenofonte, que viveram a guerra. O motivo da guerra foi justamente o crescimento do poder da Atenas de Péricles, que desperou a reação dos espartanos. A guerra durou entre 431 a.C. até 404 a.C. e foi vencida pelos espartanos.

um grupo ou contra todos – “quer se trate do povo reunido e que delibera sobre as melhores decisões a tomar, quer se trate do príncipe, do tirano ou do rei a que é preciso dar conselhos, quer se trate do amigo que você guia” (FOUCAULT, 2011, p. 13). Para haver transformação, aquele que recebe a parresía deve aceitar a verdade que lhes é dita, por mais desagradável que pareça. “Devem eles próprios jogá-lo e reconhecer que aquele que assume o risco de lhes dizer a verdade deve ser escutado. É assim que se estabelecerá o verdadeiro jogo da parresía” (FOUCAULT, 2011, p. 13). É isso que, basicamente, torna-se necessário para se conceituar a parresía.

A parresía é, portanto, em duas palavras, a coragem da verdade naquele que fala e assume o risco de dizer, a despeito de tudo, toda a verdade que pensa, mas é também a coragem do interlocutor que aceita receber como verdadeira a verdade ferina que ouve (FOUCAULT, 2011, p. 13).

Nesse sentido, torna-se fundamental pensar sobre a concepção de parresía relacionada ao campo jornalístico, pois, a partir do momento que a fala do jornalista é uma fala pública, dependendo da representatividade desse jornalista na sociedade, ele terá o seu discurso ouvido no mínimo por uma parcela significativa daqueles que formam a opinião pública. Claro que, não é sempre que isso ocorre, mas, conforme será visto mais adiante, há diversos exemplos em que o discurso parresiastico do jornalista gera o jogo parresiástico na sociedade – seja por ter ingressado nas esferas de poder político, seja por ter atingido boa parcela da população.

Vale ressaltar ainda as três formas de se falar a verdade da Grécia Antiga, recuperadas por Foucault (2011). Essas formas não estão isoladas, pois podem se relacionar entre elas. A primeira diz respeito a ousadia política. Ou seja, é quando o sujeito, o democrata, o cortesão ou qualquer cidadão, levanta-se para dizer algo diferente ao que pensa a Assembleia ou o Príncipe. “É contra a opinião desse Príncipe ou dessa Assembleia, e é pela verdade que o homem político, se for corajoso, arrisca a vida” (FOUCAULT, 2011, p. 205). A segunda forma é a ironia socrática, que “consiste em fazer as pessoas dizerem e em fazê-las progressivamente reconhecer que o que elas dizem saber, o que elas pensam saber, na verdade não sabem” (FOUCAULT, 2011, p. 205). Essa é uma das mais perigosas formas, pois, muito frequentemente isso desperta a cólera, a irritação e o sentimento de vingança naquele que está sendo interpelado pelo locutor. E a terceira forma é a de enfrentar a cólera causada pelo dizer-a-verdade, “dando a imagem do que, ao mesmo tempo, admitem e valorizam em pensamento e rejeitam e desprezam em sua própria vida”

(FOUCAULT, 2011, p. 205). Tem-se aqui uma fórmula de atitudes que podem ser tomadas pelo parresiasta para causar a transformação que a parresía busca causar no ser, no sentido de ele se conhecer e, consequentemente, de cuidado de si mesmo.

Por fim, voltando à historicidade, a última etapa em que há uma readaptação do sentido da palavra parresía é o sentido dado pela religiosidade cristã. Como essa já é uma adaptação da palavra ao cristianismo mais recente, e não tem pontos a acrescentar na elaboração de um conceito de parresía jornalística, essa abordagem é breve. Foucault (2011) explica que, no cristianismo, a parresía segue sendo um dizer a verdade, mas passa a ser um dizer a verdade em relação com Deus, assumindo um caráter totalmente positivista. “E ao mesmo tempo que se produz essa abertura de coração, essa transparência da alma sob o olhar de Deus, há um momento de certo modo ascendente dessa alma pura que o eleva ao Todo-Poderoso” (FOUCAULT, 2011, p. 286). Ou seja, há um deslocamento no sentido antes dado de fala-franca para um ato de abrir o coração. Não se fala mais francamente, mas sim, abre-se o coração para se aproximar de Deus.

A parresía passa a ser usada não mais no sentido das relações do indivíduo para com os outros ou para consigo mesmo, mas sim, para a sua relação com Deus. E, assim, a necessidade de se ter coragem e de se levantar contra os poderosos, perde força, pois no sentido reliogioso cristão a parresía não precisa mais de um confronto de verdades agressivo. “Não é mais a coragem do homem solitário em face dos outros que se enganam, é a beatitude, é a felicidade do homem elevado a Deus” (FOUCAULT, 2011, p. 288).