• Nenhum resultado encontrado

Diante de tantas obras que tratam sobre temas relacionados à teoria e prática do jornalismo, é necessário dizer que, assim como alguns nomes são citados no presente subcapítulo, muitos outros poderiam ocupar o mesmo espaço. Muitas vezes, quando se critica um texto acadêmico, como uma tese de doutorado, é feito o seguinte apontamento: faltou utilizar as ideias do autor X, Y e/ou Z. Tal questão muitas vezes é feita no sentido de criticar a falta de conhecimento do autor sobre o tema. Portanto, como esse trecho não visa aprofundar um tema que foi tantas vezes abordado por incontáveis pesquisadores, alguns autores foram selecionados para refletir brevemente sobre o jornalismo e as suas possíveis relações com a parresía. No entanto, chamo a atenção ao fato de que, para utilizar todos os autores (mesmo os principais, que são muitos) que tratam de temas relacionados à função e ao papel do jornalista e do Jornalismo, essa tese seria um texto sem fim. Além disso, saliento que um capítulo inteiro de minha dissertação (RITTER, 2010) foi utilizado para debater a formação do campo jornalístico e a cultura profissional, bem como outras dezenas de páginas foram utilizadas para discutir a ideia de jornalismo literário, discussões que não considero pertinente de serem aprofundadas nesse momento.

Feitas essas considerações, começo por recorrer a um dos primeiros a refletir sobre o jornalismo teoricamente: Groth (2011). Em seus apontamentos sobre a proposta de ciência para estudar os jornais, o autor apontou dois pontos fundamentais para se pensar o Jornalismo. Primeiro: o jornalismo vai estar ligado ao ato de escrever periodicamente. “Os jornalistas, nesse sentido, são os „escritores do dia‟ e os „coordenadores da escrita do dia‟, que estão vinculados ao dia e o servem” (GROTH, 2011, p. 325). Segundo: ele apresenta e debate os diversos fatores que tornam questionáveis o princípio idealizado de objetividade e isenção jornalísticas. Dentre os quais, desde o surgimento do Jornalismo, estão as pressões empresariais, o ponto de vista do jornalista, a seleção de uma notícia e não de outra, os fatores políticos, econômicos e sociais, dentre outros. Essas considerações, discutidas entre profissionais e pesquisadores até hoje, tornam complexa a relação entre o discurso jornalístico e a parresía, afinal, seria possível se escrever parresiasticamente todos os dias? E se o jornalismo é a descrição da realidade, e não a fala franca, não haveria uma separação entre os dois conceitos? Claro. Mas, recorrendo mais uma vez ao autor alemão: “Nem todos os relatos, nem todas as notas curtas, podem ser colocados em uma mesma gaveta por causa disso” (GROTH, 2011, p. 366). Chaparro (2007), anos depois, citou vários exemplos de como, mesmo aparentemente buscando uma linguagem objetiva,

jornais e jornalistas acabam ficando longe da realidade em textos que ocupam espaço significativo na imprensa brasileira. Em um exemplo envolvendo o jornal de maior circulação do Brasil, a Folha de São Paulo, ele comenta sobre dois textos jornalísticos publicados pelo mesmo jornal: “Ao leitor, na mesma página, foram inseridas duas verdades definitivas, radicalmente diferentes” (CHAPARRO, 2007, p. 76).

Já se forem observados autores norte-americanos que refletem sobre a profissão, serão encontradas facilmente reflexões apontando a atuação do jornalista como um caçador de fragmentos que ilustram a realidade dos fatos. “A credibilidade também está relacionada com tudo o que o jornalista diz, faz ou escreve. Em sua forma mais simples, isso exige apenas o relato acurado e factual de um acontecimento” (HOHENBERG, 1981, p. 9). Jospeh Pulitzer (1847-1911) – fundador do curso de Jornalismo da Universidade de Columbia, e que dá o seu sobrenome ao prêmio mais importante do jornalismo ocidental – também propagava ideias nesse sentido. “Não é demais afirmar que a imprensa é a única grande força organizada a portar, como um todo, o estandarte da correção pública” (PULITZER, 2009, p. 55). Trechos como esse reforçam a imagem idealizada do jornalista como aquele que diz a verdade, e tais discursos são propagados em diversos idiomas, em tempos variados, por autores famosos e anônimos. Os britânicos Rudin e Ibbotson, definem que: “o jornalismo consiste, basicamente, em contextualizar acontecimentos, ideias, informações e controvérsias. Seleciona-se e apresenta-se” (RUDIN, IBBOTSON, 2008, p. 5).

Para abordar o campo jornalístico, Traquina (2005a) vai apontar a existência de dois polos: o polo ideológico e o econômico do campo jornalístico. “No „tipo ideal‟ esboçado, os membros desta comunidade interpretativa são pessoas comprometidas com os valores da profissão em que agem de forma desinteressada” (TRAQUINA, 2005a, p. 129). Admite-se, aqui, que possivelmente a tese defendida ao longo desse estudo pode estar incluída nesse polo ideológico que, apesar de se pensar em um tipo idealizado de jornalismo, não chega a ser utópico, pois já foi praticado por alguns integrantes da tribo jornalística (TRAQUINA, 2005b). Já um dos principais teóricos brasileiros sobre o tema, Luiz Beltrão vai classificar o jornalismo comprometido com a verdade como “puro jornalismo” (BELTRÃO, 1992, p. 35).

No contexto brasileiro, o manual de redação da Folha de S. Paulo, orienta aos seus profissionais: “Toda reportagem deve ser iniciada com a informação que mais interessa [...]; deve ainda contextualizar os fatos e expô-los objetiva e criticamente, com exatidão, clareza, concisão, didatismo e uso correto da língua” (MANUAL DE REDAÇÃO, 2010, p.

28). Porém, há outros autores que caminham em sentido contrário. Um deles escreveu em um livro-manual para iniciantes: “O jornalismo é a arte de captar códigos do éter e transmutá-los em linguagem palatável” (FORTES, 2008, p. 34). O mesmo autor também deixa claro que o jornalismo não passa de uma ciência de decodificação, sem transferir dúvidas para o receptor: “é essa a nossa crença e é por isso que não há bem maior na profissão do que a credibilidade junto ao público” (FORTES, 2008, p. 35). Erbolato (1991), por sua vez, vai salientar que a primeira tarefa de um jornalista é saber o que publicar. Sobre as notícias selecionadas, ele comenta: “Cada uma delas, depois de selecionada, precisa ser medida, dentro do valor exato que possua para a classe de leitores do jornal” (ERBOLATO, 1991, p. 19). Medina (1982), por outro lado, vai apresentar um balanço, salientando os dois lados da questão. De um lado, ela assume que há a cobrança para que o jornalista atue de maneira perfeita, “onipotente, alfabetizado até ao requinte do pleno domínio verbal, capaz de „concluir sobre o mundo‟ com autoridade de cientista social” (MEDINA, 1982, p. 23). De outro, ele deve ser humilde para sair para a rua e obter o maior número possível de versões, “na busca incessante de uma verdade inatingível, na solidariedade aberta a todos que tenham alguma coisa a falar...” (MEDINA, 1982, p. 23).

Discussões sobre esses assuntos (objetividade, isenção, relação com a verdade), tanto com posicionamentos favoráveis, ou contrários à possibilidade de um alto grau de objetividade e isenção, ocuparam o tempo e a mente de diversos autores do jornalismo, desde o clássico Monografia da Imprensa Parisiense, de Balzac (1999), até outros autores, muitos brasileiros, como Lage (2005), Sousa Pinto (2009), Amaral (2001), Cotta (2005), Caversan (2009), como outros diversos. O português Fidalgo (2008), por exemplo, vai entrar na questão da ética profissional ao tratar de tais assuntos, destacando que essas preocupações “ganharam uma extrema acuidade na segunda metade do século XX e as novas condições para o exercício da actividade” (FIDALGO, 2008, p. 165), no entanto, discutir esses elementos a partir de uma teoria sobre a ética não é o objetivo do presente estudo.

Essas temáticas também vão ser discutidas pelas mais diversas teorias do jornalismo, muitas delas sistematizadas e discutidas por autores como Pena (2007), Marques de Melo (2006), Wolf (1994) e Barros Filho (2003). Desde a já batida teoria do espelho, que previa que “as notícias são do jeito que as conhecemos hoje porque a realidade assim as determina” (PENA, 2007, p. 125), até as que têm cadeira cativa no campo, como a do newsmaking, preocupada com o fazer jornalístico, e a do gatekeeper,

com o jornalista selecionando as notícias, preocupam-se de uma forma ou de outra com a relação entre jornalismo e verdade.

Chega-se, então, à questão dos gêneros. Para não repetir o que já foi amplamente discutido em obras aprofundadas sobre o tema, considera-se a contextualização histórica apresentada por Marques de Melo (1994), apresentando modelos de diversas partes do mundo, e a proposta feita por Marques de Melo (2012), que prevê os seguintes protótipos dos gêneros legitimados no século XXI: informativo, opinativo, interpretativo, utilitário e diversional. Conforme mencionado mais adiante, se por um lado muitos podem argumentar que é impossível se fazer uso da parresía no jornalismo diário, principalmente através da notícia – aprofundada por autores como Lage (2006) e Pereira Junior (2006) – é, sim, possível se praticar a parresía em outros tipos de textos jornalísticos, como os que se enquadram no gênero proposto por Marques de Melo (2012) chamados de opinativo e interpretativo. Dizer que a parresía é inaplicável ao jornalismo é reduzir a atuação dos jornalistas à função de escrever notícias curtas e diárias. A classificação de gêneros prevê outros tipos de textos além dos publicados diariamente nos jornais ou no formato contemporâneo do minuto a minuto do mundo online. Dentre as outras possibilidades, destacam-se a grande reportagem, o jornalismo literário, a crônica, dentre outros. Aliás nesses textos mais longos pode ser explorado com mais clareza um dos principais elementos ideológicos do jornalismo, que está diretamente ligado à ideia de parresía: a fala franca. “A melhor preparação para a função jornalística será certamente jogada ao lixo se não for acompanhada de rigorosa honestidade no trabalho jornalístico” (ROSSI, 1984, p. 78).

Apresentada essa breve reflexão sobre o jornalismo, mais no sentido de justificar a aplicação do conceito da parresía ao discurso que pode ser proferido por jornalistas, a seguir é feita a proposta de conceitualização de parresía jornalística. Já para tratar dos dois estilos que considero mais propícios para a prática desse discurso parresiastico no jornalismo, que são a reportagem e o jornalismo literário, as reflexões de conceitualização e teorização ocorrem no momento em que, na contextualização histórica, esses tipos de textos são abordados, pois considero mais produtivo fazer tais considerações ao mesmo tempo em que são apresentados os exemplos históricos.