• Nenhum resultado encontrado

RUM E JORNALISMO EM TERRITÓRIO CARIBENHO

A ida de Thompson para San Juan foi o início de uma trajetória no jornalismo internacional que teria continuidade nos anos seguintes com o seu trabalho de correspondente latino-americano pelo National Observer. Porém, essa primeira experiência de Thompson fora de solo norte-americano se tornou mais conhecida devido à publicação de seu livro Rum, Diário de um Jornalista Bêbado, que ficou engavetada até 1998, segundo relata o próprio Thompson (2011a). O sucesso da obra fez com que o romance virasse filme estrelado por seu amigo Johnny Depp. Entretanto, a relação de Hunter Thompson com o cinema será abordada novamente mais adiante. Vale ressaltar que há diversas diferenças entre a biografia de Thompson e a trajetória do personagem Paul Kemp, que protagoniza o romance.

Hunter chegou a Porto Rico na primeira semana de 1960 e começou a trabalhar no jornal, que não era a versão caribenha de Sports Illustred, conforme haviam lhe dito, mas sim, Sportivo, com as condições precárias descritas no romance. “Levou apenas poucas semanas para Hunter concluir que havia cometido um monstruoso erro” (MCKEEN, 2008, p. 56). Ele chegou a mandar matérias do Caribe para o Courier-Journal, de Louisville, e para o New York Herald-Tribune. “Ele vendeu e revendeu essencialmente a mesma história de turismo para os editores da seção de viagem em jornais medíocres ao redor dos Estados Unidos” (MCKEER, 2008, p. 56).

No início do romance, escrito baseado nessa experiência de viagem internacional, ele já mescla dados biográficos verdadeiros com os do personagem, e mantém o mesmo tom crítico referente ao jornalismo e a sociedade americana que apareciam em suas cartas. Esse parágrafo de abertura do romance, por exemplo, é totalmente biográfico: “Meu apartamento em Nova York ficava na Perry Street, a uma distância de cinco minutos a pé do White Horse. Eu costumava beber por lá, mas nunca consegui ser aceito porque não usava gravata. As pessoas importantes não queriam saber de mim” (THOMPSON, 2011a, p. 17).

Imagem 13: White Horse fotografado em 2014. O bar fica próximo da Perry Street, e além de ter sido frequentado por Thompson também recebeu a maioria dos autores beats.

Fonte: Arquivo pessoal.

A ordem cronológica dos acontecimentos no romance também segue o roteiro de Thompson na vida real, pois o jornalista chegou a San Juan em janeiro de 1960, e na narrativa, Kemper apresenta a seguinte descrição: “Era uma noite gelada no meio de janeiro, mas eu usava só um casaco leve” (THOMPSON, 2011a, P. 17). Vale ressaltar que essa contextualização é apenas a indicação de que Hunter adotou como técnica o uso de

alguns acontecimentos biográficos para fazer o romance ficcional. E, principalmente, que ele se valeu do romance e da ficção para fazer uso da sua fala franca. Conforme já abordado, a fala franca e, mais ainda, a parresía pode ser feita de diversas formas narrativas que não necessariamente a descrição objetiva de coisas, fatos e acontecimentos. O que mais importa nesse trabalho de Thompson é, pois, a fala franca e o uso de uma narrativa ficcional para passar ao público os seus sentimentos e críticas. Reconhece-se, no entanto, que o romance de Thompson sobre a passagem dele por Porto Rico não chega a ser uma forma pura de parresía, já que aparentemente não se encontra vestígios de que ele tenha assumido situações de risco por essa publicação. Mas antes de aprofundar essa questão, vale a pena voltar um pouco mais para a sua passagem por solo caribenho.

Poucos dias após chegar a Porto Rico, no dia 14 de janeiro de 1960, ele escreveu para a sua mãe, Virgínia, falando qual era o seu plano:

O plano original para mim era trabalhar três meses por esse salário baixo e ridículo, e então – se eu “sair fora” – eu receberia um aumento considerável e um

status de “escritor permanente”. Hoje de noite eu disse que eu provavelmente

não iria esperar muito. Então as coisas estão indo bem de acordo com as circunstâncias (THOMPSON, 1998, p. 203).

Na mesma carta, Hunter também pede para a sua mãe comprar algumas roupas e enviá-las, como presente de aniversário, pois ele se espantou com os preços de Porto Rico. Já para Sandy, para evitar preocupa-la, ele escreveu: “A vida aqui é excelente – ou será tão logo chegue segunda-feira, quando eles me pagarão” (THOMPSON, 1998, p. 206).

Estando no Caribe, Hunter também estreitou os seus laços com o seu amigo Bob Bone, que trabalhava no San Juan Star. Aliás, foi em uma visita ao amigo que ele finalmente conheceu pessoalmente William Kenneky, o editor na qual ele havia trocado farpas através de cartas. O encontro foi surpreendemente amigável e os dois passaram a se falar e a trocar correspondências frequentemente.

As condições de trabalho é o dado biográfico que apresenta a maior diferença entre o personagem do romance de Thompson e a sua própria trajetória em San Juan. Enquanto o personagem trabalhava no Daily News, que era um jornal fictício com as características do Star, Thompson estava trabalhando na Sportivo, que Kennedy se refere como sendo uma revista de boliche (WENNER; SEYMOUR, 2007). Já a semelhança entre o autor e o seu personagem é que ambos trabalharam praticamente sem receber pelas matérias que faziam. Além disso, ambos utilizam muitas drogas e bebida alcoólica. Pode-se dizer que Thompson usou a sua capacidade de observação para contextualizar o cenário caótico em que o

personagem Kemper trabalhava em San Juan. Sobremaneira, era o mesmo na qual ele estava inserido naquele momento.

Enquanto descia a ladeira rumo ao prédio do News, avistei a multidão. Alguns dos manifestantes carregavam cartazes imensos, enquanto os outros se recostavam em carros estacionados. Começavam a gritar sempre que alguém saía ou entrava do prédio. Tentei ignorá-los, mas um homem se aproximou berrando em espanhol e sacudindo o punho fechado em frente ao meu rosto. Corri para o elevador e tentei prendê-lo na porta, mas ele recuou de supetão enquanto ela se fechava (THOMPSON, 2011a, p. 39).

Outro depoimento que apresenta diferenças entre a trajetória de Thompson e de seu personagem fictício é o de Sandy Thompson. Enquanto Paul Kemp vive um romance com uma personagem que ele conhece no avião enquanto viaja de Nova York para San Juan, Sandy conta que foi para Porto Rico, onde ela ficou três meses com ele.

Paul Semonin foi outro que seguiu Thompson em Porto Rico. Ele conta, em depoimento, que ambos moraram juntos em uma pequena aldeia um pouco afastada de San Juan. Baseado nisso, Thompson escreveu um artigo intitulado “Um Louisvillinense no país do vodu”. Desde esse período, Thompson apresentava diversas das características do jornalismo gonzo, como a quebra total da normatividade jornalística, inventando falas que eram atribuídas ao entrevistado:

Hunter fez algumas entrevistas comigo, mas depois quando ele mostrou para mim o rascunho do artigo, todas as aspas simples que faziam referências a mim tinham sido

totalmente fabricadas. Eu disse, “Hunter, não foi isso que eu falei”. Mas ele enviou o texto que foi publicado. “País vodu” é algo que vai agarrar qualquer leitor e puxá-lo

para dentro da história, e Hunter era um mestre nisso. É esse o propósito de seus exageros e de seu serviço de bufonaria - fantástico, desvendando as coisas para o leitor (WENNER; SEYMOUR, 2007, p. 48).

Apesar dos exageros, Kennedy ressalta que o episódio em que Thompson e alguns amigos se envolveram em uma briga em um restaurante porto-riquenho, narrado no romance, realmente aconteceu: “Eu nunca soube exatamente o que houve, mas algum tipo de luta irrompeu e o proprietário chamou a polícia e Hunter e os outros foram para a cadeia” (WENNER; SEYMOUR, 2007, p. 48). No romance, Kemper e os amigos estão sentados em um bar, que era frequentado pelo grupo de jornalistas americanos, e havia uma placa que dizia que o estabelecimento ficava aberto até a meia noite. Ao pedir mais comida e bebida antes do horário indicado e obter uma resposta negativa, Kemper e os amigos ficaram enfurecidos. “„Queremos carne!‟, gritou Yamon. „E mais rum‟. Um baixinho gordo, vestindo uma camisa branca de mangas curtas apareceu correndo de

dentro da cozinha” (THOMPSON, 2011a, p. 106). Conforme a narração, o baixinho disse que eles eram bons clientes e que não queria confusão. Então, como ficaram sem comida, eles tentaram sair sem pagar a bebida. Após alguma confusão e trocas de agressões físicas e verbais, o gerente do local chamou a polícia. A partir de então, há uma perseguição de carro pelas estradas de San Juan, que só parou quando o carro com a turma dos jornalistas saiu da pista, obrigando-os a parar o automóvel.

Quase ao mesmo tempo, avistei o carro da polícia se aproximando. Quatro policiais saltaram de um fusquinha azul, sacudindo seus cassetetes. Os porto-riquenhos começaram a comemorar e saíram apressados dos carros. Fiquei tentado a correr, mas fomos cercados quase instantaneamente (THOMPSON, 2011a, p. 108).

E, assim, Kemper e os amigos foram para a cadeia. Na biografia escrita sobre Thompson é revelado que o jornalista e os demais foram salvos por Kennedy, que em relato conta que utilizou da sua influência para persuadir as autoridades a liberá-los: “Eu fiz uma ligação e dei algum dinheiro para algumas autoridades e coloquei eles para fora no meio da noite” (MCKEEN, 2008, p. 58). Mesmo que a narração apresentada no romance não venha a ser exatamente tal qual ocorreu com Thompson, fica clara a tendência de conflito entre o jornalista e as autoridades – não só norte-americanas, mas de qualquer lugar do mundo.

Outra semelhança entre o personagem e o jornalista, é a dificuldade em receber os pagamentos. Em uma carta enviada à sua amiga Ann Schoelkopf, ele pede ajuda, pois estão com o salário atrasado. “Jesus, eu quero COMIDA! Rum não é o suficiente. Isso resume a minha história „Rum não é o suficiente‟ [...] Eu não tenho tabaco. Apenas salames. De 35 centavos o saquinho. E NENHUMA PORRA DUMA COMIDA” (THOMPSON, 1998, p. 210).

Após mais algumas confusões, surgiu a oportunidade de Hunter e Sandy fazerem uma viagem até Bermudas, e de lá eles tentariam ir para a Europa em um navio clandestino. Porém, em Bermudas, o jornalista escreveu um artigo para um jornal local e publicou uma foto de ambos. No outro dia o consulado entrou em contato para saber quem era o casal da foto e, assim, eles foram pegos por estarem de maneira ilegal no país. Com isso, não puderam seguir viajem, e tiveram que pedir auxílio para o seu amigo MacGarr, que relata: “Hunter me escreveu esta carta realmente terrível de Bermudas sobre como ele e Sandy estavam roubando couves fora dos jardins levando uma espécie de vida das cavernas” (SEYMOUR; WENNER, 2007, p. 53). O amigo, então, enviou o dinheiro para

Thompson, ressaltando que estava viajando com a esposa e precisaria do dinheiro em breve para pagar as passagens da volta. Porém, quando chegou a data marcada para o pagamento, Hunter não enviou o dinheiro e, dias depois, MacGarr recebeu um telegrama de Sandy dizendo apenas “ele se foi”. Diante do impasse, Sandy teve que procurar a mãe de MacGarr para que ela lhe desse o dinheiro para cobrir as despesas. Enquanto isso, no final do romance, Kemper e os outros funcionários do jornal, revoltados com a postura e as mentiras do dono da empresa jornalística, acabam linchando o sujeito. Provavelmente essa fosse a vontade de Thompson, e ele acabou utilizando a ficção para, de certa forma, fazer isso.

Na volta para os Estados Unidos, Thompson voltou primeiro para Nova York, onde morou por pouco tempo em uma rua que tinha o seu próprio nome: Thompson Street. Além de pedir emprego para os jornais americanos, ele começou a escrever o livro que viria a ser publicado quase 40 anos depois, com o título em inglês de Rum Diary, que seria traduzido para o português como Rum, Diário de um Jornalista Bêbado. Porém, nesse período “ninguém pagava nada para ele ser um novelista” (MCKEEN, 2008, p. 59). Em carta ao New York Times, datada de 11 de setembro de 1960, ele escreveu: “Como um jornalista competente, se necessário, eu cavouco fatos. Eu também cavouco dinheiro, Jack Daniel‟s, e alguns trabalhos de ruptura” (THOMPSON, 1998, p. 229). Diante das recusas por emprego, ele passou a escrever também matérias para vender aos jornais americanos, adotando o ritmo de muitos aspirantes a escritor: “como muitos jornalistas da sua geração, ele tinha de dia um emprego no jornalismo para pagar as contas até que estivesse capacitado a viver apenas da sua escrita” (MCKEEN, 2008, p. 59).

Imagem 14: Após a experiência em Porto Rico, Thompson voltou para Nova York, onde morou nesse prédio na Thompson Street.

Thompson e seu amigo Semonin também viajaram bastante nesse período, na busca das experiências de Kerouac, indo a lugares onde o autor beat e outros, como Ginbersg, estiveram. Foi assim que ele foi até São Francisco buscar emprego, com nove dólares no bolso, pedindo para que Sandy lhe enviasse dinheiro. Foi nessa época que surgiu pela primeira vez a ideia de suicídio ao jornalista, que o acompanharia até o fim. “Hunter gastou um mês procurando emprego como escritor, mas São Francisco era tão rico em talentos quanto Nova York e ele não tinha muitas alternativas além de se matar (especularmente, claro, em um plano de se atirar da Golden Gate Bridge)” (MCKEEN, 2008, p. 61).

Em São Francisco, Hunter descreveu para Sandy a situação na qual estava vivendo: “Não importa o que aconteça tudo estará bem. Eu não ligo e eu não tenho planos. Eu irei tão longe quanto as caronas me levarem, dormindo na praia ou num colchão de ar, se necessário, para sobrar dinheiro para a comida” (MCKEEN, 2008, p. 61). Em outra carta, escrita ao amigo Eugene McGarr, ele relata que estava procurando emprego em todas as áreas, pois o dinheiro dele, mais uma vez, estava acabando.

Eu tenho mais energia do que você pensa [...] Nas últimas duas semanas eu tenho procurado empregos como: repórter, redator de rádio, redator de TV, copywriter, publicitário, ascensorista de elevador, atendente de posto de gasolina, vendedor de enciclopédia, vendedor de escova de dentes, tripulante de iate, mecânico de iate, carpinteiro, carteiro, vendedor de livro, lavador de roupas, artista de layout, vendedor de carros usados, marinheiro (ordinário), crítico de filme, fotógrafo, garçom, modelo

masculino, telefonista, vendedor de anúncios, pedreiro, e todas as variedades do “eu

farei dinheiro”

Desnecessário dizer, eu estou ainda desempregado (THOMPSON, 2011a, p. 108).

Thompson buscava na Califórnia, especialmente em Big Sur, as mesmas experiências que os escritores da qual ele admirava tiveram. Um desses autores foi Henry Miller, que o encantava através de livros como Trópico de Câncer. “O erotismo feito de forma profunda na obra era notório, mas estilisticamente isso era a combinação de ficção e fato que Hunter adotaria na sua própria escrita” (MCKEEN, 2008, p. 61). Thompson também se inspirava em outros autores que haviam morado lá, como Jack London e Robert Louis Stevenson. Dessa maneira, Thompson mudou-se para lá, levando Sandy com ele, afinal, o jornalista pensava que apenas o fato de viver nas montanhas aumentaria o status do seu currículo literário. Em seus pedidos de emprego, Thompson já demonstrava que, pela leitura e pela experiência, ele poderia fazer mais do que os seus colegas do jornalismo tradicional. Em carta ao editor do San Francisco Examiner, ele comentou:

Eu não aprendi tudo o que há para saber sobre jornalismo, mas eu tenho trabalhado por tempo suficiente para saber que eu tenho mais talento, originalidade e criatividade que os que estão no mercado de hoje em dia. Se eu não pensasse isso, eu não seria presunçoso o suficiente para pedir um emprego a você (THOMPSON, 1998, p. 235).

Na mesma carta, ele comentou que via o jornalismo norte-americano se autodestruindo. Provavelmente ele imaginava que ficaria sem uma resposta positiva – e de fato isso aconteceu – porém, ele preferia falar o que pensava a submeter suas ideias a um chefe em potencial que sequer conhecia. Ou seja, nesse momento Thompson segue reforçando a ligação entre modo de vida e discurso que vai definir a condição de parresía, no caso específico mencionado abaixo, da parresía socrática.

A parresía socrática como liberdade de dizer o que ele quer é marcada, autenticada, pelo som da vida do próprio Sócrates. [...] A trajetória é: da harmonia entre vida e discurso de Sócrates à prática de um discurso verdadeiro, de um discurso livre, de um discurso franco. A fala franca se articula a partir do estilo de vida (FOUCAULT, 2011, p. 129).

No exemplo de Thompson, o jornalista também não se conformava com as condições da sociedade da sua época, principalmente quando pensava que as pessoas não toleravam quem optasse pela fala franca. Assim, ele pediu emprego para Abe Mellinkoff, do San Francisco Chronicle, no mesmo tom das outras cartas. Sem obter resposta, ele escreveu um texto criticando mais uma vez a sociedade americana, principalmente a cidade de São Francisco, que ele descreveu como “a cidade das colinas, do nevoeiro e da água, dos banqueiros e das mamatas – todos republicanos” (THOMPSON, 1998, p. 237).

Ao mesmo tempo em que desabafava nas cartas aos editores, a situação financeira de Thompson e da namorada seguia complicada. Mesmo sem dinheiro, Thompson e Sandy conseguiram um bom lugar para ficar pagando 15 dólares por mês. Foi então que começou um ritmo de vida do casal, que duraria praticamente até eles se divorciarem: ele trabalhava do final da tarde até a madrugada, dormindo sempre até tarde, enquanto ela cuidava do resto. Aliás, a ex-esposa do jornalista salienta que ele levava muito a sério o ofício e o trabalho de escritor. “E ele trabalhava e ele trabalhava e ele trabalhava. Ele absolutamente trabalhava toda noite e todo o dia” (MCKEER, 2008, p. 63). Em contrapartida, a função de Sandy, pouco a pouco, passava a ser cada vez mais cuidar para manter as coisas ao redor do marido em ordem enquanto ele trabalhava e dormia: “Hunter escrevia a noite toda, dormia muito de dia, e quando ele acordava, o trabalho de Sandy era cuidar dele”

(MCKEER, 2008, p. 65). O ritmo do casal fazia com que algumas pessoas achassem ofensiva a forma de relacionamento, afinal, também havia brigas desde esse período.

Quando ele dormia durante o dia, o trabalho dela era manter o mundo afastado. Quando ele acordava, geralmente de meio dia, ela fazia o café da manhã e ele sentava e olhava o oceano, bebia café, lia os jornais, e frequentemente lia o que havia escrito durante a noite. Ele às vezes pedia para Sandy ler em voz alta o que tinha escrito, mas não esperava críticas, apenas elogios (MCKEEN, 2008, p. 65).

Sinteticamente, Thompson achava que estava escrevendo uma grande obra da literatura mundial, mas as pessoas e os editores não ligavam e não davam bola para o seu trabalho.

Também foi em Big Sur que Thompson desenvolveu ainda mais a paixão pelas armas. “Como a maioria dos garotos crescidos em Louisville, ele tinha um pequeno riffle. Mas ele nunca havia caçado até ter conhecido Hudson” (MCKEER, 2008, p. 63). Jo Hudson era o vizinho que se tornaria amigo de Hunter. Para ter mais segurança e companhia, nessa época ele teve o seu primeiro doberman, um cão chamado Agar. Dessa maneira, ele levava uma vida primitiva em Big Sur: caçando, escrevendo, comendo, sem contato com o resto do mundo, inclusive, sem telefone.

Durante o período em que o casal morou em Big Sur, Sandy conta que abortou dois filhos, com medo de que Hunter a deixasse, caso ela viesse a ter um bebê. Para fazer tal procedimento, ela e Hunter foram até Tijuana, no México. Esse foi um período em que, conforme Sandy, eles seguiam passando por enormes dificuldades financeiras.

Como não conseguia retorno econômico com a sua ficção, e ele estava buscando dinheiro rápido para pagar as contas, Thompson se sentiu obrigado a voltar para o jornalismo. “Se o mundo das publicações estava ignorando a sua ficção, ele pensou que poderia construir um histórico em revistas trabalhando para elas” (MCKEEN, 2008, p. 66). Nesse ponto é possível levantar a seguinte questão: ao optar voltar para o jornalismo tradicional, Hunter Thompson não seria uma anti-parresiasta? Afinal, como foi visto, o parresiasta morre (inclusive de fome) em nome da sua verdade. No entanto, vale ressaltar mais uma vez que não se defende aqui que Thompson tenha sido um parresiasta puro da Grécia Antiga, mas sim, faz-se uma investigação para abordar a sua atuação no jornalismo como produtor de um possível jornalismo parresiasta. E, curiosamente, foi por ter que parcialmente abrir mão de suas convicções, que ele acabou tendo que voltar para o jornalismo, quando o que ele queria na verdade era a literatura. Apesar disso, ele não