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O JORNALISMO GONZO INCUBADO NO BRASIL

Antes de escrever a matéria que seria apontada como o marco inicial do jornalismo gonzo, o já mencionado “Kentucky Derby é decadente e depravado”, e antes mesmo de tratar sobre a gang de motociclistas que resultaria na publicação de Hell‟s Angels, Thompson atuou como correspondente da América Latina para o National Observer, pois o jornal demonstrava interesse em cobrir o que estava acontecendo em solo latino-

americano. Além do fato de Thompson estar procurando emprego, o amigo Bob Bone conta que o jornalista tinha a intensão de ir para a América Latina de qualquer forma, pois ele acreditava que em países como o Brasil e a Colômbia havia muito material potencialmente narrativo e histórias curiosas para serem contadas. Foi a partir desse interesse mútuo em cobrir países latino-americanos que Thompson encontrou no National Observer espaço para amadurecer a prática jornalística que ficaria conhecida como jornalismo gonzo.

Antes de embarcar para a nova aventura, porém, Thompson seguia colocando os seus planos e ideias nas cartas para os amigos. Ele escreveu no dia 2 de fevereiro de 1962 ao amigo McGarr, que estava na Espanha, sobre a sua ida para a América do Sul. Na carta, escrita de Nova York – última parada em solo americano antes de deixar novamente o país – Hunter faz inicialmente uma crítica à cidade: “Essa é uma cidade de merda, McGarr, e há alguma coisa errada com qualquer um que possa viver aqui” (THOMPSON, 1998, p. 314). Então, ele comenta sobre o seu espanhol precário, que era o suficiente para pedir um café da manhã, e desabafou o seu rancor pela falta de reconhecimento e de oportunidades nos Estados Unidos. “Depois de falar com inúmeros editores e agentes, estou pronto para acreditar que nós falamos diferentes línguas e que nada significativamente real possa se passar entre nós” (THOMPSON, 1998, p. 314-315). O que Hunter estava dizendo é que as revistas e jornais americanos não tinham interesse, e em alguns casos coragem, para publicar textos em que o jornalista faz uso da fala franca. A referência a parresía feita aqui é, pois, aquela em que o autor fala realmente tudo o que pensa, inclusive, e principalmente, o que desagrada aos outros. Vale lembrar mais uma vez as situações que possibilitam o uso da parresía:

Para que haja parresía [...] o sujeito [ao dizer] essa verdade que marca como sendo sua opinião, seu pensamento, sua crença, tem de assumir certo risco, risco que diz respeito à própria relação que ele tem com a pessoa a quem se dirige. Para que haja parresía é preciso que, dizendo a verdade, se abra, se instaure e se enfrente o risco de ferir o outro, de irritá-lo, de deixá-lo com raiva e de suscitar de sua parte algumas condutas que podem ir até a mais extrema violência (FOUCAULT, 2011, p. 12).

E como Hunter Thompson passou a fazer uso da parresía no jornalismo? Conforme ressaltado na abordagem sobre a passagem do jornalista por Porto Rico, a viagem de Thompson para a América do Sul ainda não implicaria no surgimento de uma parresía jornalística propriamente dita, mas, como é possível ver nas próximas linhas, algumas características, que vão estar presentes no jornalismo gonzo, começam a aparecer e a serem

exploradas pelo jornalista a partir dessa experiência. Para tanto, ele contou com a parceria do National Observer, que fora criada pelo editor Barney Kilgore, e que apostava em talentos individuais e em reportagens maiores:

Kilgore concebeu a National Observer como uma edição de domingo do Wall Street Journal. De fato ela foi publicada nos domingos nos primeiros meses até problemas de circulação e distribuição convencer a companhia Dow Jones de que era mais viável fazer isso com entregas no jornal na segunda-feira (MCKEEN, 2008, p. 71).

Ainda nos Estados Unidos, Thompson demonstrou que a sua atuação como jornalista e escritor ia além da imagem caricatural de um sujeito maluco que simplesmente caia no mundo e escrevia o que lhe desse na telha sem nenhuma preparação ou técnica. Antes de viajar, ele estudou sobre cada país pela qual passaria. Em carta ao amigo Paul Semonin, por exemplo, ele cita um trecho de um livro chamado Tigrero, falando sobre o uso de armas para caça no estado brasileiro do Mato Grosso. Aliás, ele conta com espanto ao amigo que no Brasil, “se eles encontram uma arma na sua mala você está preso” (THOMPSON, 1998, p. 316).

Nesse período, bem como em toda a sua vida até então, segue presente a falta de dinheiro. Este fato pode ser apontado como um dos motivos de sua revolta com a sociedade, pois ninguém queria pagar para um jornalista dizer o que pensava. Ao invés disso, o dinheiro que os veículos ganhavam com as histórias dos escritores e jornalistas, era destinado majoritariamente para aqueles que se adaptavam ao jogo.

Ainda sem dinheiro em meus bolsos, e a pressão e humilhação disso está atingindo um grau intolerável. Eu estou me sentindo como um gigolô e um garanhão contratado. Um péssimo sentimento que fica. Nenhuma venda [de textos] em três meses. Nada (THOMPSON, 1998, p. 316).

Diante de tal pessimismo, ele complementa que “eu estou ficando cada vez com mais certeza que essa aventura na América do Sul é a minha última chance de fazer alguma coisa boa e má, alguma coisa para enfrentar a selvageria básica” (THOMPSON, 1998, p. 317). Inclusive, em outra carta, escrita para Lionel Olay, datada de 17 de abril de 1962, Hunter revela que tem dinheiro apenas para o primeiro mês de viagem, “depois disso, le déluge20” (THOMPSON, 1998, p. 331). Ainda antes de partir, Thompson deixa claro em uma carta escrita para Joseph Baumgartner, que ficaria cuidando de seu dobermann, a sua

paixão pelos esportes, fazendo referência a Copa do Mundo de 1962, que seria disputada no Chile, dizendo que ele acompanharia os jogos.

Com tudo pronto para a viagem, Thompson entrou em contato com Cliffor Ridley, um dos editores do National Observer, oferecendo os seus serviços. Então, conforme McKeen (2008), foi enviado pelo veículo um contrato para seis matérias pagando mil dólares por matéria, o que era um bom dinheiro para os anos 1960. Já para Wenner e Seymour (2007), Clifford relata que não havia nenhuma garantia no currículo de Thompson de que essa seria uma boa experiência para a empresa jornalística, que estava começando a crescer. Porém, assim que Thompson chegou à América Latina, seus primeiros textos começavam a chamar atenção e suas matérias frequentemente ganhavam a primeira página. O depoimento de Clifford atesta que:

Estávamos bastante flexíveis quanto ao tamanho – se alguma coisa é boa e é grande, nós tínhamos o espaço – mas ele provavelmente ficava na casa das 15 mil palavras, para o que nós pagávamos 150, ou 200 dólares. Com raras exceções, ele não se importava com a edição, embora não adiantaria muito não gostar, pois ele estava a três mil milhas de distância e ele só via as matérias seis semanas ou mais depois que elas saíam (WENNER; SEYMOUR, 2007, p. 61).

Além do tamanho, o jornal deu liberdade para que Thompson incluísse no texto jornalístico suas histórias pessoais: “Ele pode ter embelezado apenas um pouco as histórias [...] mas não houve discussão sobre a qualidade da sua escrita. Ele era extraordinário para nós, e para o jornalismo daquele tempo” (WENNER; SEYMOUR, 2007, p. 61). Entretanto, até conquistar esse respaldo do editor, Thompson passou por diversas histórias inusitadas.

A viagem para a América do Sul começou no dia 24 de abril de 1962. O primeiro destino, no entanto, foi o Caribe. Hunter ficou diversos dias em Aruba, da qual ele apenas tinha ouvido falar. Conforme relato de Bob Bone, ele tinha a informação de que havia pessoas que “contrabandeavam licor e cigarros na Nicarágua ou em algum lugar assim, então ele pegou um voo para Aruba e, de fato, foi em um barco de contrabando para a América do Sul” (WENNER; SEYMOUR, 2007, p. 56). No entanto, a referida viagem só ocorreu no dia 6 de maio de 1962. Um dia antes, Thompson escreveu uma carta a Paul Semonin contando o que estava acontecendo:

Minha situação é a seguinte: estou em Aruba com 30 dólares; amanhã de tarde eu tenho uma carona de graça para a Colômbia a bordo de um pequeno saveiro que também carregará uma quantidade de contrabando de whisky; eu talvez estarei na cadeia em 48 horas – uma cadeia colombiana; se eu chegar a Barranquilla,

meu objetivo, eu terei não mais do que 5 dólares; o que vai acontecer pertence a Deus. É uma situação estranha, quando o melhor que pode acontecer a um homem é ele talvez chegar na América do Sul com 5 dólares (THOMPSON, 1998, p. 334).

Em outra carta ao amigo William Kennedy, Hunter conta que no fim deu tudo certo: ele chegou a Barranquilla com cinco dólares e não foi preso. Em texto publicado no National Observer de 6 de agosto de 1962, intitulado “Um sonho americano leve e solto num covil de contrabandistas”, é possível perceber que Thompson apresentava em sua narrativa diversas das características que marcariam a prática gonzo, como a quebra de normas e a ousadia. Já nesse primeiro texto, também é possível perceber que, aos poucos, Thompson vai passando o estilo pessoal utilizado para descrever o que acontecia na viagem das cartas para as reportagens – essa característica iria evoluir pouco a pouco. Nesse primeiro texto, Thompson conta como entrou de maneira ilegal em um país, ao mesmo tempo em que narra os acontecimentos e descreve o lugar onde está:

Cheguei ao amanhecer, vindo de Aruba a bordo de uma chalupa de pesca. Como não existe porto, desembarquei por um minúsculo barco a remo. Acima de nós, num rochedo íngreme, estava toda a população da aldeia. Olhavam feio, sem demonstrar muita hospitalidade para com o primeiro turista da história de Puerto Estrella (THOMPSON, 2004, p. 116).

Mesmo descrevendo uma situação inusitada, o estilo é mais descritivo e timidamente opinativo. Ele ainda explica brevemente sobre a questão do contrabando e do transporte ilegal:

Geralmente conversam sobre contrabando, porque essa aldeia minúscula, com cabanas de telhado de palha e uma população total de cem índios sul-americanos, é um porto de entrada muito importante. Não para humanos, mas para itens como uísque, tabaco e joias. Não é possível uma pessoa chegar ali por transporte regularizado, porque não existem oficiais de imigração nem alfândega. Não há lei alguma, na verdade, razão pela qual Puerto Estrella é um porto tão importante (THOMPSON, 2004, p. 116).

Nesse primeiro momento, Thompson passa a construir uma reportagem de viagem, que é quando a narrativa “apresenta como fio condutor uma viagem a uma região geográfica específica, o que serve de pretexto para retratar, como em um quadro sociológico, histórico, humano, vários aspectos das realidades possíveis do local” (LIMA, 2004, p. 58). A partir de então Thompson passou a levar para as páginas do National Observer histórias pessoais, como a cena pouco convencional do encontro entre ele e os indígenas que não vestiam nada além de uma gravata e que controlavam um dos principais pontos de contrabando da América do Sul:

Ali estava um homem branco com doze dólares ianques no bolso e mais de quinhentos dólares em equipamento fotográfico pendurado no ombro, carregando uma máquina de escrever, sorrindo, suando, sem esperança de falar a língua local, sem lugar algum para ficar – de alguma forma, eles teriam que lidar comigo (THOMPSON, 2004, P. 116-117).

Ainda na Colômbia, Thompson começou a fazer textos mais analíticos sobre o que ele encontrou em solo latino-americano. No texto “Por que ventos antigringos costumam soprar ao sul da fronteira”, publicado no dia 19 de agosto de 1963, ele tenta explicar os motivos que levavam os nativos a não gostarem dos norte-americanos. Além disso, ele aborda algumas diferenças culturais percebidas em seus passeios e conversas que eram realizadas tanto com latinos, quanto com norte-americanos que viviam na América do Sul. O jornalista sintetiza algumas dessas impressões a partir da declaração de um de seus conterrâneos:

Com isso em mente, um viajante na América Latina leva um choque atrás do outro diante da atitude geralmente adotada por seus compatriotas gringos, e às vezes um choque pior com relação a posições tomadas por si mesmo. Um jovem

americano colocou a coisa desta forma: “Vim pra cá como um verdadeiro liberal

inconsequente. Queria me aproximar dessas pessoas e ajudá-las. Em seis meses, virei um conservador linha-dura. Essas pessoas não sabem do que estou falando, não se ajudam e tudo que querem é meu dinheiro. Agora tudo que eu quero é cair

fora” (THOMPSON, 2004, p. 120).

Mesmo sem ainda explicitar o que pensa, o choque cultural mencionado nesse texto é abordado de forma muito mais direta em suas cartas, como na escrita de Bogotá no dia 26 de maio de 1962 para Paul Semonin: “Isso é pior do que qualquer coisa que Kafka já sonhou” (THOMPSON, 1998, p. 337). Na mesma carta ele conta que até então ninguém havia lhe pedido o seu passaporte e descreve Guajira como uma cidade sem lei, sem costumes, sem imigração e nada além de índios e whiskies, enquanto que Barranquilla é comparada a San Juan.

Enviando textos para o National Observer e já em Bogotá, Thompson escreve para Paul Semonin comentando as diferenças entre o que ele queria escrever e o que a revista pedia. “Eu tenho sido acusado, de fato, de enviar artigos que parecem „cartas e ensaios‟, o que, claro, eles são” (THOMOPSON, 1998, p. 340). Em compensação, ele conta que diversos desses artigos não foram publicados e, assim sendo, também não foram pagos. Antes de deixar a Colômbia, Hunter também passou por Cali, de onde tirou muitas fotos, enviadas para outras revistas.

De solo colombiano, Hunter viajou para Lima, no Peru. Em suas cartas escritas da capital peruana, o jornalista segue se queixando da falta de dinheiro e dos lugares por onde

está passando. Em texto escrito para Bill Williamson, editor do Brazil Herald, ele comenta que o Rio de Janeiro é a sua última esperança: “Se o Rio não é melhor do que os lugares que eu tenho visitado até agora, vou bater em retirada para o norte e escrever que esse continente é uma causa perdida” (THOMPSON, 1998, p. 345). Sobre a passagem pelo Peru, o principal texto de Thompson foi A Democracia Peruana Morreu, mas Poucos Parecem Lamentar seu Falecimento, publicado em 27 de agosto de 1962. Na matéria, o jornalista aborda o golpe militar de 24 de julho do mesmo ano, com a publicação do decreto-lei que passava o controle e os poderes executivos e legislativos para os militares. No texto, Thompson tentou contextualizar historicamente e politicamente a situação do Peru no momento do golpe. O jornalista comenta: “A „morte da democracia‟ não chegou a deixar um vazio no Peru. Pareceu mais a morte do tio velho de alguém [...]” (THOMPSON, 2004, p. 124).

Contando sobre a ditadura peruana, que estava sob o comando de um governo não eleito, que chegou ao poder com o apoio dos americanos, Hunter passa a criticar e a colocar nas suas reportagens o desgosto que ele estava tendo ao se deparar com a realidade latino-americana: eram países que imperavam ditaduras ferrenhas e povos passivos. “A vontade das pessoas está sujeita ao veto da classe para a qual exércitos têm sido o braço direito forte desde que os exércitos foram inventados. Para essas pessoas, a democracia significa o caos” (THOMPSON, 2004, p. 131), comenta em outro trecho.

Nos textos mencionados até aqui, se comparados com o que Hunter pensava e expunha mais diretamente em suas cartas, são completamente coerentes. Não se vê, por exemplo, ele criticando algum país, cidade ou forma de governo nas cartas e escrevendo textos positivos sobre esses objetos temáticos. Portanto, pelo menos nessa passagem do jornalista pelos países mencionados, não se pode dizer que Hunter buscou um efeito de fala franca, que resultaria em uma parresía apenas na aparência ou na superfície. Mesmo ainda não tendo chegado ao ponto de exercer um verdadeiro jornalismo parresiasta – pois eram comentários na qual ele fazia sem assumir praticamente nenhum risco, a não ser o de ter seus textos não publicados e, dessa forma, não receber –, ele já começava a apresentar uma das principais características da parresía que é a coerência entre o que se pensa e o discurso proferido no espaço público.

Depois de Lima, Thompson foi para Cuzco, de onde ele escreveu O Inca dos Andes: Ele Assombra as Ruínas do seu Ex-Grande Império, publicado em 10 de junho de 1963, texto na qual ele apresenta forte crítica ao tratamento dado pelos turistas aos índios. Ele começa descrevendo que, nos restaurantes frequentados pelos turistas, os garçons se

esforçam para manter os índios pedintes afastados. Nessa narrativa, o jornalista faz uso da fala franca para comentar a situação do Peru daquele momento: “Dos espécimes que hoje vivem na miséria, o índio é um dos mais tristes e sem futuro. Doente, sujo, descalço, embrulhado em trapos e mascando folhas narcóticas de coca para amortecer a dor da realidade, ele se arrasta pelas estreitas ruas de pedregulho [...]” (THOMPSON, 2004, p. 132). Ou seja, ele não constrói texto politicamente correto, tentando vender esperanças e moralismos aos leitores. O que está ali, impresso, é o que ele pensa ficando à disposição para milhares de pessoas lerem: “Sua cultura foi reduzida a uma pilha de pedras” (THOMPSON, 2004, 132). Mesmo podendo ser acusado de reducionista, Thompson faz as suas matérias citando o contexto político dos lugares por onde ele passa e a sua história. A partir da soma disso e do que ele vê, o jornalista faz uso da sua fala franca, emitindo sentenças como: “Provavelmente um índio em cada mil faz alguma ideia do motivo que leva as pessoas até Cuzco para ver as ruinas. O resto tem outras coisas para pensar, como conseguir o suficiente para comer” (THOMPSON, 2004, p. 132). O relato também passa pelos efeitos da Guerra Fria na população peruana, mas sempre fazendo críticas sobre a relação entre turistas-indígenas, afinal, mesmo pagando para tirar fotos com os índios em farrapos, na hora em que os turistas estão comendo, os índios seguem do lado de fora de suas janelas “enquanto os garçons fecham as venezianas” (THOMPSON, 2004, p. 136).

Do Peru, Thompson passou rapidamente pelo Equador e de lá foi para La Paz, na Bolívia, cidade da qual ele também não gostou, ficando a maior parte do tempo trancado em seu quarto bebendo cerveja. Da Bolívia, finalmente Thompson chegou ao Brasil, ainda em 1962. No entanto, diversos dos textos escritos no referido ano foram publicados apenas em 1963, como a narrativa sobre o Cuzco, mencionada anteriormente. Em carta escrita ao editor do National Observer, Clifford Ridley, em 17 de setembro de 1962, ele descreve como estava a situação política do país na qual acabara de chegar: “As eleições aqui são em 7 de outubro. Eu vou começar um breve texto de pano de fundo para você. A situação aqui está bem selvagem. Esse é um país muito grande e é um alívio finalmente estar aqui” (THOMPSON, 1998, p. 352). Além disso, ele diz que “o Rio faz as outras cidades que eu estive antes parecerem lixões” (THOMPSON, 1998, p. 352). Na mesma carta, ele conta que não está fazendo a viagem para ganhar dinheiro, mas sim, para aprender e explorar as histórias que vivia.

O amigo Bob Bone, que morou com Thompson no Rio, conta em relato a McKeen (2008) que o jornalista continuava cometendo infrações em solo brasileiro, como, por exemplo, quando ele se apropriou de um pequeno macaco:

Eu encontrei um sujeito enquanto dirigia um conversível com um amigo, e nós paramos para ele entrar no carro. Ele tinha um macaco bêbado na sua jaqueta. Ele explicou que encontrou alguém em um bar que compraria uma dose de bebida para ele somente se o macaco também bebesse. Mais tarde, o macaco acabou cometendo suicídio, pulando para o ar da sacada do décimo andar do meu apartamento (MCKEEN, 2008, p. 73).

Já os textos enviados por Thompson para o Observer estavam agradando aos editores. “A diferença entre o seu novo mundo e o seu velho modo de sobreviver era que os editores da Observer amavam o seu trabalho e que ele estava construindo uma audiência com os leitores do jornal” (MCKEEN, 2008, p. 73). Foi apenas então que os editores começaram a perceber que a narrativa muitas vezes era mais literária e empolgante nas cartas do que nas matérias, fazendo com que, em solo brasileiro, o jornalismo gonzo já se mostrasse incubado.

Nas cartas para Ridley, o estilo Gonzo de Hunter começou a subir para a cabeça. Uma das características que Hunter desenvolveu como estilo era a sua preocupação com o captar da história. De fato, captar a história se tornou a