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CAPÍTULO II – A AFETIVIDADE NA PERSPECTIVA WALLONIANA

2.3 AFETIVIDADE, ENSINO E APRENDIZAGEM

O estudo da relação entre afetividade e ensino ocupa a atenção de vários estudiosos, tanto no campo da educação, quanto no campo da Psicologia. Wallon é uma das bases conceituais na temática, quando se analisa o fenômeno na perspectiva do desenvolvimento humano; o enfoque psicanalítico também se faz presente, embora a Psicanálise não tenha se ocupado diretamente da Educação.

Além desses autores clássicos, destaca-se uma série de artigos e livros que buscam não apenas conceituar a afetividade, como relacioná-la ao processo ensino-aprendizagem: ARANTES, 2003; GALVÃO, 2008; DE LA TAILLE et all, 1992; ALMEIDA, 1999; 2007; ROSSI, 2006; LEITE; TASSONI, 2002; TASSONI, 2000; MAHONEY; ALMEIDA, L.,

2005; 2009; LEGNANI; ALMEIDA, S., 2004; ALMEIDA, S., 1993; SILVA, 2007; CANAVARRO, 1999; RODRIGUES; GARMS, 2007; SILVA, P., 2004; PEDROZA, 1993; PEDROZA, 2005.

Wallon via a escola como contexto privilegiado para a investigação psicogenética. Retoma, então, a íntima relação entre Pedagogia e Psicologia. Também participou do ―Movimento da Escola Nova‖, no qual pôde entrar em contato com o meio dos professores e os problemas concretos do ensino primário. Para ele, a grande pergunta que se apresentava – no que tange à relação entre escola e sociedade, entre Pedagogia e Psicologia – era como se

opera a preparação para a vida em sociedade? (ALMEIDA, 1995). A partir desse

questionamento, foi-lhe possível fazer uma análise crítica entre um modelo individualista (típico da visão escolanovista) e um modelo pedagógico societário (defendido por Durkheim) de educação. Para esses dois modelos, fica evidente uma relação de oposição entre indivíduo e sociedade, oposição esta que Wallon buscou superar, a partir de uma visão dialética, na busca por um pensamento pedagógico equilibrado (ALMEIDA, 1995).

Wallon endossava as críticas ao ensino tradicional e defendia que a escola deveria adequar-se ao desenvolvimento da criança. Apesar disso, tinha ressalvas quanto à postura escolanovista, que preconizava o individualismo da criança no processo de aquisição do conhecimento, por simples oposição ao ensino tradicional. Defendia que os equívocos escolanovistas surgem pela não-superação da dicotomia indivíduo / sociedade, já que, para ele, a sociedade age sobre o indivíduo, que age sobre a sociedade, em uma relação recíproca. O homem, devido a isso, é um ser ―geneticamente social‖ resultado de seus confrontos com o meio (GALVÃO, op. cit., p.32).

Para Wallon, o entendimento das condutas deve ser buscado nas relações entre a pessoa e o meio. Por isso, a análise de uma perturbação de conduta necessita de informações sobre o meio familiar e sua interação nas diversas situações escolares. Torna-se importante, portanto, o olhar do professor sobre o aluno e sobre o processo educacional.

Assim como outros estudiosos da teoria walloniana, Galvão (2008) enfatiza a necessidade de Pedagogia e Psicologia tratarem-se como Ciências complementares, que necessitam uma da outra para se articularem do melhor modo possível. Almeida (1995) também expõe com extrema lucidez essa necessidade, ao afirmar que a educação assegura sua razão de ser quando compreende a interação dialética entre o biológico e o social na constituição da pessoa.

A Psicologia necessita da Pedagogia para compreender como a pessoa interage com o meio e de que modo isso influencia em seu comportamento. De posse desses resultados, a

escola passa a ter subsídios mínimos para compreender o educando em sua totalidade, bem como o porquê de sua relação com o conhecimento realizar-se da forma como se realiza. Nesse sentido, entre Pedagogia e Psicologia há solidariedade e contradição, não oposição na conceituação comum do vocábulo. Dessa dialética, surge a possibilidade de interlocução para a configuração do fazer educativo.

Ao se falar de afetividade no processo educacional, nota-se um sem-número de visões contraditórias do que ela, afetividade, represente, de fato. Não raro, educadores a veem ligada a aspectos puramente emocionais, físicos, desconsiderando que há uma conceituação mais ampla, envolvendo uma gama maior de manifestações, englobando sentimentos e emoções (TASSONI, 2000).

Muitos educadores desconhecem que a afetividade constitui-se por tudo aquilo que afeta, influencia outra pessoa em um processo de trocas vinculares. Desse desconhecimento, podem incorrer a supervalorização ou a negação da influência do afeto no processo ensino- aprendizagem. Muitas vezes, tudo isso é decorrência de uma visão estereotipada (e por que não), preconceituosa do componente afetivo que, no senso comum, resume-se apenas ao que é vivenciado na Educação Infantil.

Leite e Tassoni (2002), ao analisarem as condições e interferências da afetividade no processo ensino-aprendizagem, apresentam cinco decisões que, ao serem tomadas pelo docente em sua prática de ensino, estarão embebidas de profunda afetividade e, devido a isso, estabelecerão os mecanismos de influência entre a pessoa aprendente e o objeto de conhecimento. Segundo os autores, seriam: a escolha dos objetivos de ensino, a visão do aluno como referência para o que deve ser feito em sala de aula, a organização dos conteúdos, a escolha dos procedimentos e atividades de ensino e o modo de avaliar.

Na perspectiva de estudo adotada pelos autores, observa-se a confirmação do referencial teórico defendido por Wallon: os aspectos afetivos estão profundamente ligados aos aspectos cognitivos. No momento em que raciocina sobre sua prática, definindo os aspectos que a conduzirão, o professor faz um investimento considerável de afetividade, de desejo; ao ter o aluno como referência, considerá-lo como centro de um processo (e nem por isso renegar que ele, docente, tem importância como mediador nesse processo), o professor faz uma escolha cognitiva e afetiva ao mesmo tempo.

Ser um docente comprometido com o componente afetivo é, antes de tudo, ser um docente comprometido com a Educação, encarada como um processo de formação e de trocas.

a qualidade da mediação, em muitos casos, determina toda a história futura da relação entre o aluno e um determinado conteúdo [...] uma mediação afetiva, com resultados também profundamente afetivos, [determina] processos de constituições individuais duradouros e importantes para o indivíduo.

A mediação afetiva, portanto, não pode ser reduzida a um aspecto puramente físico, emocional. Ao lançar mão da afetividade em sua prática docente, o professor objetivará, também, todo um aspecto cognitivo; a afetividade não pressupõe a eliminação do aspecto cognitivo, racional, na relação ensinar-aprender. Ensina e aprende com qualidade aquele que tem acesso ao conhecimento a partir de uma mediação afetiva; aquele que consegue acrescentar seus desejos a sua prática enquanto professor e enquanto aprendente.

Negar ou superdimensionar a afetividade na relação ensino-aprendizagem significa um profundo desconhecimento das atividades psíquicas. Aquele que nega, desconhece ou não acredita na totalidade da pessoa, reconhecendo a sala de aula como mero espaço de transmissão de saberes, não levando em conta a relação vincular estabelecida entre as pessoas envolvidas no processo, não promove educação.

Já os que superdimensionam a afetividade, desequilibram o processo ensino- aprendizagem, perdendo de vista a função principal da escola: o ensinar; para esses, a construção das relações afetivas torna-se o centro do processo, o que leva a escola a ter descaracterizada sua função primordial.

Tanto a negação, quanto o superdimensionamento do afeto trazem consequências desastrosas para a aprendizagem; não raro, há instituições que, em nome de um suposto ―afeto‖, retiram do professor a autoridade que lhe é de direito, criando a visão distorcida de que o docente seria apenas ―mais um‖ no processo e não uma das figuras privilegiadas na construção de saberes; já do lado oposto, da negação, não raro transforma-se a autoridade do docente em autoritarismo gratuito, o que, certamente, entrava o processo de aprendizagem.

É importante que se tenha em mente que as ações e relações do homem não são unicamente derivadas da ordem lógico-matemática, como também não se orientam apenas pelas relações emocionais-afetivas de prazer-desprazer. Deve haver um equilíbrio, para que as trocas possam ocorrer da maneira mais rica e positiva, pois não se nega que um ambiente afetivamente favorável propiciará um processo de aprendizagem mais rico e favorável ao discente (TASSONI, 2000).

Todas essas reflexões deixam claro que, em sala de aula, se estabelece uma troca relacional, em que o afeto do professor influencia diretamente no afeto do aluno e, a partir

dessa interação, o processo ensino-aprendizagem pode melhorar ou ter prejuízos graves. Portanto, cabe ao professor, elemento privilegiado nesse processo, realizar a troca desses afetos da melhor maneira possível.

Em nossa dissertação de mestrado apresentamos uma série de pesquisas que buscavam estabelecer uma relação entre afetividade e aprendizagem; a análise desses trabalhos é relevante quando se busca ampliar a compreensão do modo como o componente afetivo comparece nas trocas que são realizadas no interior das escolas e que, portanto, interferem decisivamente nos resultados que as instituições de ensino podem vir a obter em exames de larga escala, como é o caso do SAEB e do ENEM.

Moreira (2007) enfoca a conduta de professores na relação dos alunos com a aprendizagem da Matemática. O objetivo central de seu estudo foi chamar a atenção para as relações afetivas dos alunos como um elemento facilitador ou não-facilitador para a aprendizagem da disciplina.

Machado (2007) investigou a opinião de seis professores de Matemática de escolas públicas e privadas sobre o relacionamento interpessoal e sua influência no processo ensino- aprendizagem da Matemática. A partir da análise das falas desses professores, a autora pôde observar de que modo as relações afetivas podem funcionar como facilitadoras da aprendizagem.

Uller (2006) analisa a inter-relação entre alunos, professores e aquisição do conhecimento em turmas do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública e de uma escola particular. O enfoque deu-se na análise da relação afeto-cognição, e do professor enquanto interlocutor preferencial para a relação com os objetos do conhecimento.

Silva (2008) a partir da escuta de alunos e da análise de produções textuais e desenhos, buscou comprovar que problemas de aprendizagem, repetência e evasão são ocasionados não apenas por problemas cognitivos, mas também pela relação afetiva com o conhecimento. O foco da análise é a fala discente.

Mota (2007) dedicou-se a explorar as memórias afetivas de professores, com o objetivo de analisar de que modo essas relações transferenciais influenciaram em sua prática docente. O aporte teórico baseou-se nas contribuições da psicanálise à compreensão da temática da afetividade.

Cardoso (2004) faz uma análise teórica da aprendizagem emocional, com o objetivo de apresentar contribuições das teorias para o trabalho nas escolas; para isso, realizou-se também uma pesquisa de campo.

Silva (2002) enfocou a questão da afetividade na análise dos sentimentos em relação a si mesmo e ao outro, como forma de se analisar a influência da afetividade no cotidiano escolar. Para isso, baseou sua investigação na análise dos discursos de alunos, professores, diretores e pessoal de apoio de uma instituição de ensino.

Guimarães (2008), baseando-se no aporte teórico de Vygotsky e Wallon, investigou a dimensão afetiva nas práticas pedagógicas desenvolvidas no Ensino Médio; para isso, valeu- se da metodologia do estudo de caso e, em seu estudo, teve a oportunidade de analisar de que modo a seleção, elaboração e aplicação de atividades educacionais, bem como o retorno dado pelo professor levavam os alunos a estabelecerem uma relação afetiva com os objetos de conhecimento.

Félix (2009) dedicou-se a investigar, a partir de narrativas de alunos, quais seriam as características dos bons professores. Para isso, embasou-se nas questões teóricas da psicanálise, aprofundando-se no conceito da relação transferencial.

Barbosa (2008) recolheu os aspectos afetivos nas interações discursivas de alunos e professores dos Ensinos Fundamental, Médio e Superior. A tese, embora focada na Linguística, vale-se de aspectos de afetividade para a relação ensinante-aprendente na sala de aula.

Tassoni (2008) pesquisou a afetividade a partir da relação professor-aluno na dinâmica da sala de aula; o estudo representa uma ampliação da dissertação de Mestrado da autora. A partir da análise de núcleos de significação, embasada em Vygotsky, Wallon, Piaget, Freud e na fenomenologia, a estudiosa apresenta um aprofundado recorte teórico acerca da afetividade e da influência desse domínio funcional na relação do sujeito com os objetos de conhecimento. Nesse estudo, Tassoni ocupou-se com alunos das diversas modalidades de ensino, o que dá uma visão horizontal da questão da afetividade na Educação Básica.

Cuisinier e Pons (2012) apresentam os resultados de uma pesquisa que objetivou compreender o impacto das emoções do professor e do aluno no processo ensino- aprendizagem. Para os autores, as emoções são o que chamam de ―face oculta do triângulo didático‖, daí a necessidade de se estudar esse constructo de forma científica. No estudo, os autores identificam que esse estudo das emoções é extremamente recente, ao mesmo tempo em que apontam a necessidade de se buscar a compreensão do componente emocional, também, no processo de formação dos futuros professores.

Durlak et al (2011) apresentam os resultados obtidos a partir do desenvolvimento de um programa de aprendizagem, denominado Social and Emotion Learning, aplicado em

escolas da educação básica norte-americana. Por meio desse estudo, os autores demonstram que a escola tem fortes componentes sociais e emocionais, que interferem decisivamente na aprendizagem dos alunos. Dessa maneira, o programa em estudo visa a trabalhar com as emoções de forma mais cooperativa possível, a fim de torná-las aliadas para o processo de aprendizagem e de sucesso dos alunos.

Em uma análise quantitativa, Roorda et al (2011) demonstram, a partir da aplicação de testes a alunos da educação básica norte-americana, que o desempenho escolar do aluno mostra-se tanto mais satisfatório quanto a sua interação afetiva com o docente mostra-se positiva. Nesse sentido, o aluno demonstra mais engajamento nas atividades acadêmicas quando consegue estabelecer uma relação afetiva positiva com o docente, o que o levará, também, a estabelecer relações mais positivas com os objetos do conhecimento.

Pekrun, Elliot e Maier (2009) apresentam os resultados de uma pesquisa com estudantes de graduação, cujo objetivo é demonstrar de que forma o alcance de metas de realização influenciam no desempenho acadêmico. Nessa demonstração, os autores apresentam que o componente emocional acaba por desempenhar papel de extrema relevância na forma como os estudantes vão se relacionar com a aprendizagem na busca pelo sucesso acadêmico. Embora seja um texto em que a presença do componente afetivo apareça como ―pano de fundo‖ para a questão motivacional, verifica-se aí a relevância do estudo do aspecto afetivo em sua relação com o componente cognitivo.

Mouratidis et al (2012) apresentam uma relação intrínseca entre bons resultados acadêmicos, ambiente escolar físico e ambiente afetivo. A pesquisa foi realizada com estudantes gregos, com idade média de 15 anos, e possibilitou a compreensão de que há uma relação direta entre o grau de aprendizagem, o estabelecimento de metas de aprendizagem e os processos de interação afetivos estabelecidos com o meio e com a figura do docente.

A análise dos estudos demonstra que há um grande interesse por parte da Academia em relação à temática da afetividade. É inegável que as mudanças ocorridas no interior das escolas e nas relações entre professores e alunos justificam todo esse interesse; é consenso de que a aprendizagem não depende apenas do domínio cognitivo.

Apesar disso, o discurso ainda não está em total sintonia com a prática, tendo em vista que, nos estudos, é perceptível que a afetividade ainda não é compreendida da maneira adequada, por vezes sendo confundida por educadores e educandos com emoção ou com sentimento. Essa visão contraditória ficou evidente em nossa pesquisa de Mestrado: o discurso dos docentes deixava nítida essa ambivalência, principalmente quando se referiam

às manifestações da afetividade dando ênfase apenas a aspectos de ordem biológica, desconsiderando questões de cunho representacional.

Essas análises teóricas deixam claro que, a partir do momento em que o professor toma conhecimento do que representa o conceito de afetividade e reconhece em si e no seu aluno tal conceito como algo inerente, o processo ensino-aprendizagem pode ocorrer de maneira mais imparcial e produtiva para as duas partes, levando ambos a ganharem com suas experiências. Ganha o docente por conseguir alcançar os objetivos pretendidos por sua função; ganha o aluno por ter acesso a condições plenamente favoráveis para seu desenvolvimento.

Para que todos os envolvidos no processo possam, de fato, conseguir compreender o conceito de afetividade, o docente deve se lançar a uma busca teórica séria e profunda, amparando-se em um rigor científico que lhe permita apropriar-se dos diversos conceitos que são inerentes a sua prática. Dessa feita, distanciar-se-á, cada vez mais, de postulações do senso comum que, por vezes, prejudicam as interações no processo pedagógico.

O professor que identifica em si e no aluno a presença da afetividade tem consciência de que sua função fundamental é ensinar e de que sua visão sobre o aluno irá ser decisiva para que a aprendizagem possa ser facilitada ou não; por outro lado, o aluno, ao perceber que o docente lhe dispensa afeto quando empreende todos os mecanismos para que ele aprenda, terá chances de perceber que, nessa relação, sua função primordial é inteirar-se de tudo quanto possa receber do docente, transformando tais informações em conhecimento.

Toda aprendizagem em que professor e aluno se entregam ao prazer de aprender, respaldados pelo afeto, pela liberdade, pela busca de equilíbrio na relação vincular por parte do docente e pelo respeito, torna-se um encontro de dois desejos direcionados ao ―desejo‖ mais amplo: o conhecimento.

CAPÍTULO III – AS AVALIAÇÕES DE LARGA ESCALA NO BRASIL: SAEB E