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CAPÍTULO IV MÉTODO

4.1 NATUREZA DO ESTUDO

Conhecer, antes de tudo, é ação que encaminha para a liberdade. O indivíduo, ao buscar conhecimento, tem em suas mãos a chance de se libertar das amarras propostas pelos discursos socialmente estruturados e, por vezes, pouco questionados. Na prática da pesquisa científica, este deve ser o papel do pesquisador: buscar o conhecimento para proporcionar a liberdade.

Ao se realizar uma análise retrospectiva da história da Ciência, percebe-se que muito se construiu, em termos teóricos, a fim de que os pesquisadores, na atualidade, possam embasar-se conceitualmente para realizarem sua práxis. Em razão disso, é muito salutar que o pesquisador tenha a exata noção do que é ―Ciência‖ e do que é ―conhecimento‖ para que possa se posicionar diante de uma prática de pesquisa.

No entanto, esse posicionamento também traz à tona o antigo e profícuo debate entre as ―ciências duras‖ e as ―ciências humanas‖ sobre o que, de fato, seja ciência; dentro das próprias ciências ditas ―humanas‖, são muito frequentes as divergências entre o que seja o fazer científico e o conhecimento que esse fazer busca desvelar. Nessa perspectiva, a Filosofia da Ciência assume papel importantíssimo para que o sujeito possa encontrar as bases teóricas que melhor representarão sua ancoragem epistemológica na busca pelo conhecimento.

O ato de filosofar vincula-se, diretamente, ao desejo humano de buscar explicações para aquilo que cerca o indivíduo, valendo-se do conhecimento. Produzir conhecimento, dessa maneira, é ―fazer‖ filosofia; e, para produzir esse conhecimento, o sujeito se vale da Ciência – não a ―Ciência‖ compreendida pelo senso-comum, mas sim a Ciência na perspectiva do conhecimento acadêmico, que produzirá cultura acadêmica e de interesse social. Essa íntima relação entre Filosofia e Ciência tem seu equivalente ―material‖ na relação sujeito / objeto de pesquisa. Do mesmo modo que produzir conhecimento científico é produzir Filosofia, o sujeito se reproduz no objeto à medida que este se revela naquele.

Essa análise demonstra, pois, a razão da eterna celeuma entre as ditas ciências ―duras‖ e as ciências humanas: estas consideram o conhecer uma atividade profundamente atravessada pela subjetividade, o que leva à percepção de que o sujeito se organiza a fim de assimilar a essência dos objetos que se lhe apresentam; é nessa apropriação que se revela o conhecimento. Percebe-se, portanto, que, ainda que se deva guardar do objeto a ser pesquisado a devida distância, o verdadeiro conhecimento só surge da interação entre os dois elementos.

Em razão disso, faz-se fundamental, antes de se pretender a pesquisa em ciências humanas, que se compreenda o debate que foi construído, filosoficamente, ao longo do tempo, sobre conhecimento e sobre ciência. O pesquisador da área de humanas não pode perder de vista que para que o conhecimento se produza de modo efetivo, uma pesquisa deve ser realizada por interesse pelo pensar. Uma boa pesquisa somente se verterá em conhecimento quando se adotar uma postura reflexiva diante dos conceitos que estão sendo pesquisados; somente quando se aplicar a esses conceitos o verdadeiro espírito de filosofar, a fim de que se possa produzir alguma inovação acerca do que se pesquisa. Eis a essência da verdadeira Filosofia da Ciência.

Na pesquisa em ciências humanas, a busca pelo método mostra-se um elemento particularmente delicado, uma vez que, na maioria dos casos, sujeito e objeto de pesquisa mantêm uma relação muito próxima o que, para uma visão mais tradicional de pesquisa, poderia comprometer a verificação dos dados obtidos; há ainda aqueles que atribuem tal ―problemática‖ ao fato de as ciências humanas lidarem com dados subjetivos, de difícil mensuração. O avanço das pesquisas nessa área mostra que tais colocações (a dicotomia entre qualitativo e quantitativo) não são mais a grande preocupação do pesquisador.

Enquanto muitos ainda pensam no embate entre os dois processos como centro da questão, a prática mostra que o questionamento que se levanta é de ordem muito mais prática: qual a metodologia é a mais adequada ao objetivo pretendido na pesquisa? Note-se que o processo, de fato, volta-se muito mais para a questão do método, o qual se converterá em metodologia; o que é relevante, de fato, é que o pesquisador tenha segurança e embasamento a respeito do método que norteará as escolhas metodológicas de sua pesquisa.

Observa-se, pois, que pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa não precisam ser encaradas como maneira única de se produzir conhecimento; o que se deve ter em mente é que cada uma, de acordo com suas particularidades, apresentará caminhos mais viáveis ao que se pretende conhecer, ao descortinar da realidade.

A pesquisa qualitativa aparece, portanto, como forma privilegiada de se produzir conhecimento em ciências humanas, uma vez que permite a investigação a partir de processos de cunho muito subjetivo, como narrativa de memórias e percepções, por exemplo. Por meio da pesquisa qualitativa, a fala individual passa a ser um rico material de investigação, que permite analisar como cada pessoa se comporta diante do objeto de pesquisa.

Nesse sentido, a pesquisa em ciências humanas, a fim de se posicionar de forma coerente e com a devida credibilidade, precisa demarcar com exatidão seu percurso metodológico, haja vista lidar, constantemente, com a construção e com a desconstrução de discursos, o que, em uma análise hard, pode ser considerado uma pseudociência.

Laville e Dionne (1999) apresentam que os fatos humanos são muito mais complexos que os fatos da natureza. Em razão disso, não podem ser considerados como coisas, o que exige do pesquisador uma postura totalmente diferente da que assume quando se realiza pesquisa em ciências naturais.

Mais importante do que se demarcar o que é e o que não é Ciência é se definir, claramente, o percurso que será ―caminhado‖ na construção de um dado saber. Essa é, sem dúvida alguma, a maior contribuição que o debate histórico acerca do que é Ciência e do que é conhecimento traz, uma vez que possibilita ao pesquisador posicionar-se, criticamente – e com clareza – em uma base teórica sólida e pertinente, coerente a seu objeto de pesquisa.

Dessa forma, o pesquisador assume o papel de um ator, aquele que exerce influência e age sobre o conhecimento, de forma a possibilitar-lhe o devido avanço (LAVILLE; DIONNE, 1999). Fazer ciência, a partir das contribuições que a Filosofia da Ciência legou ao longo da história, é possibilitar a construção de um discurso crítico e coerente, que seja livre das amarras do poder instituído e que tenha compromisso, primeiramente, com a emancipação que apenas o conhecimento é capaz de permitir.

Em função disso, todo o escopo teórico construído pela Filosofia da Ciência ao longo da história contribui para que se pense a prática do pesquisador de forma mais responsável e buscando-se, sempre, o rigor devido. Para que isso ocorra, deve-se ter em mente, de forma mais nítida possível, qual a vinculação teórico-metodológica da pesquisa que se pretende fazer. Ninguém constrói um discurso no vazio; no entanto, também, é fundamental que se questionem os discursos estabelecidos para, a partir daí, construir-se conhecimento de fato; e não mera reprodução de conceitos.

Este estudo, por centrar-se no lugar da afetividade nas práticas de docentes de escolas bem-sucedidas em exames de larga escala, tem como base material inicial as

concepções docentes e os discursos produzidos por alunos e professores, como elementos definidores das interações no ambiente escolar. Em razão disso, não poderia fugir à metodologia qualitativa, uma vez que objetiva apreender, desvelar, concepções docentes acerca de afetividade a partir das falas individuais das pessoas envolvidas; falas essas que, certamente, apresentam-se carregadas de emoção.

Isso exige do pesquisador grande rigor metodológico, a fim de que os dados possam ser interpretados em sua completude, sem ruídos ou interferências nos sentidos que essas falas carregam. Em função disso, este trabalho, partindo da teoria de psicogênese da pessoa concreta de Henri Wallon, ancora-se no método materialista histórico e dialético. Esse método embasará, teoricamente, toda a análise de material qualitativo obtido a partir de entrevistas, das observações e dos grupos focais, a fim de se elencar núcleos de significação e sentido para a apreensão e constituição de sentidos nas falas dos professores e alunos colaboradores da pesquisa. Em razão disso, faz-se necessária uma revisitação aos conceitos de discurso, materialismos histórico e dialético e concepções docentes, a fim de se completar a análise teórica pretendida pelo método.

4.2 LINGUAGEM E DISCURSO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM