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No seu trabalho, o recurso ao conhecimento está fortemente relacionado com o conceito de affordance. Affordance tem a ver com suporte, com adequação. “Uma árvore caída numa floresta permite que nos sentemos nela”. 21

Trabalho mais resultante de compreensão, observação e síntese do que de um exercício de criação física ou inspiração. Pensamento, de um ponto de vista invulgarmente distante.

“É quando nos tornamos demasiado conscientes de alguma coisa que a situação começa a dar erro e nós começamos a cometer erros na forma como manuseamos o objecto. Num estado inconsciente, as pessoas como entidades físicas tentam sintonizar-se com os objectos, ou com a situação ou a envolvente que se apresenta naquele momento. Por isso se observarmos cuidadosamente as acções inconscientes, naturais, e fluidas – incluindo as nossas próprias – então penso que nos podemos aperceber das acentuadas relações provenientes dessas acções”. 22

De acordo com esta perspectiva de má utilização por consciência, recorre à inspiração nos actos inconscientes. Design não se trata de desenhar apenas formas, mas relações, entre as pessoas e objectos, de familiaridade por sucesso de uso.

Fukasawa interessa-se pela pesquisa de James Gibson. A affordance “refere- se ao valor que a envolvente suporta numa determinada situação”, 23 derivada de actos não previstos na criação das coisas, alterados em função das

circunstâncias. Procura também analisar os próprios actos independentemente dos objectos a eles associados. Sentar já era uma realidade antes de existirem cadeiras. Em determinadas circunstâncias todos nos sentamos nos mais diversos materiais e objectos, de uma pedra, a uma escultura, a um tronco de árvore. O projecto Chair, desenvolvido para a Vitra em 2007, e intitulado pela Vitra Fig. 86 Wooden Chair, Naoto Fukasawa, 2005

CD Player

O CD Player (Fig. 87) que desenhou para a Muji em 2002 é o seu design mais conhecido e mais vendido. O conceito nasceu no workshop without thought e despertou o interesse da Muji. A pequena electrónica tornou-se habitual no ambiente doméstico. Todos os aparelhos de determinado género, mesmo provenientes de diferentes marcas parecem iguais entre si. Neste like design, de produtos semelhantes, afastaram-se da realidade e ganharam identidade própria, acima da sua função. Quando se desenha um determinado tipo de produto já não se questionam conceitos, apenas se decoram formas pré- definidas. Fukasawa procura libertar-se dos estereótipos, inspirando-se na relação do produto com as pessoas e o espaço, da mesma forma que um sofá se adapta ao corpo e ao espaço no qual está inserido. Porque não pode um leitor de CDs adaptar-se à sua envolvente em vez de se impor como leitor de CDs? O seu CD player é tentativa de se libertar dessas regras, sem procurar fazer nenhum tipo de declaração.

Na prática foi buscar a linguagem às ventoinhas de cozinha, à familiaridade do seu formato e funcionamento, pelas semelhanças físicas da rotação da ventoinha e do CD em movimento. A forma e a escolha do fio como interface servem-se desse conhecimento e linguagem, num resultado radicalmente simples. Essa simplicidade radical implica alteração dos hábitos de funcionamento. Não se trata propriamente de uma abordagem de recurso ao uso continuado de um objecto com a mesma função, mas sim do recurso à observação de um gesto proveniente de uma outra função. A observação é um dado constante e fundamental no seu trabalho.

O funcionamento high-tech recorre ao fio low-tech equivalente ao de uma ventoinha de cozinha, e baseia-se na sucessão de movimentos, sendo uma forma nova de funcionar de um leitor de CDs, mas essencial para a honestidade do projecto. Se se vende como um leitor de CDs com formato de ventoinha, seria desonesto funcionar como qualquer outro leitor de CDs, e seria defraudar a de things to sit on, não é uma cadeira. Trata-se da relação ds pessoas com os

materiais e acto de sentar, de materiais em forma de cadeira. Cada material é referente a um apoio ocasionalmente usado para sentar. Do alumínio dos bancos dos aeroportos, ao monte de feno, ao tronco de árvore, à pedra mármore de uma escultura.

Os objectos têm uma função determinada, mas muitas vezes servem outras. Naoto Fukasawa tem essa noção como ninguém, reconhecendo onde pode ir buscar linguagens e formas de agir adaptando-as a novos objectivos. Utiliza os gestos desses actos inconscientes no seu design, projectados num objecto próximo do gesto observado, ou em funções novas e imprevistas.

“Empilhar livros sobre uma cadeira é uma forma de usar um objecto”. 24 O recurso a estes gestos é a verdadeira affordance, é verdadeiramente servir para.

A inspiração nos gestos e hábitos pode recorrer a uma interminável diversidade de fontes de inspiração, gera um sem número de respostas sem um só princípio unificador, sem continuidade.

A continuidade é dada mais pela atitude constante de procura do que pela semelhança das soluções. Cada resposta é diferente. É diferente a solução, é diferente o material, tudo é adequado a cada objectivo, a cada produto. Esta abordagem, este recurso a gestos em novos contextos, origina produtos que preenchem o desejo de novidade. Novidade sem conotação de moda. Nesta linha o design tem pouco a ver com modas. Precisamos do novo e do que perdure, o que não deixa de ser algo contraditório.

proposta. Da necessidade de ligação à corrente surge uma dificuldade adicional. Aparentemente criava a necessidade de colocar mais um fio, mas foi estudada com sucesso a possibilidade de utilização de apenas um fio para alimentação eléctrica e interface. Para melhor compreensão do fio como interface, é aplicada uma pega plástica quebrando-o visualmente. Por recurso ao conhecimento do funcionamento das ventoinhas, o fio convida a puxar e activar as operações essenciais do aparelho. Esse detalhe é essencial para o bom funcionamento do conceito de uma forma imediata. De outra forma a tendência seria a de procurar botões, que se limitam a funções menos importantes como aumentar e reduzir o volume.

A linguagem da ventoinha é levada ao limite, sendo projectado para pendurar na vertical, na parede, em vez de pousar como a maioria dos sistemas hi-fi. As colunas são colocadas de uma forma extremamente simples à volta do espaço ocupado pelo CD.

Sam Hecht comprou-o e colocou-o em lugar da sua ventoinha da cozinha, numa abordagem humorística que muito divertiu Fukasawa, e que demonstra algum do espírito desafectado do seu design.

Está sempre pronto a rir. A sua produção é calma, mas não ignora o “caos da vida diária”. 25

Esse caos é constatado sem contudo o transmitir de uma forma angustiada. O que mais impressiona é a sua radical simplicidade, formal e de funcionamento.