• Nenhum resultado encontrado

Estados Unidos, materiais, tecnologia e fluidez

Embora os Estados Unidos não tenham sido fisicamente os mais afectados pela guerra, o seu envolvimento no conflito, a economia do “esforço de guerra” e a memória da recessão da década de 30, terão contribuído grandemente para permitir que aí pudessem surgir dois dos nomes fundamentais do design do século XX, Charles e Ray Eames. O que é particularmente importante é que os princípios base do seu trabalho, o racionalismo material resolvido de uma forma estrutural, o recurso a novos materiais, terem tido origem nos contrangimentos materiais provocados pela guerra.

Nos Estados Unidos cresciam os objectivos puramente comerciais associados ao design, tendo provocado a reacção do MoMA que defendia outra via. “Suitability to purpose, material, and process of manufacture” 35 eram princípios defendidos

ou propostos na Machine Art Exhibition em 1934, e suportadas na prática pela organização de exposições itinerantes intituladas Usefull Objects under Ten Dollars, o que hoje poderia ter uma interpretação completamente diferente, dado o perigo de ser interpretada com uma exposição de inutilidades ou de produtos de baixa qualidade. Nesta linha, em 1940 patrocinam a competição Organic Design in Home Furniture, a utilização de materiais como contraplacado moldado em processo industrial, assim como a exploração da flexibilidade dos materiais e a sua utilização modular, criando peças que pudessem ser assembladas de várias formas.

Como consequência da busca de conforto, o grande desenvolvimento da ergonomia e fitness to purpose 36 acabaram por ser determinantes na definição

das linhas e formas utilizadas nos anos que se seguiram, sendo naturalmente importantes na definição e escolha de materiais, e consequentemente das técnicas a utilizar na sua execução. Esta vertente foi desenvolvida em duas áreas

em particular: mobiliário doméstico e de escritório.

Charles Eames, nome fundamental na discussão e análise de todas estas questões, desenvolveu em conjunto com Eero Saarinen a cadeira em fibra de vidro (Fig. 34) que lhes permitiu vencer o prémio e alcançar uma

certa notoriedade.

Experimentação

Não se trata apenas de um exemplo de pós-guerra, pois começou a sua actividade e alcançou mesmo alguma notoriedade ainda em 1940, mas é após a guerra que exerce a maior parte da sua carreira. No júri que em plena guerra lhes atribuiu um prémio do concurso Organic Design in Home Furnishings

patrocinado pelo MoMA de Nova Iorque, encontravam-se Alvar Aalto e Marcel Breuer. O juri mostrou-se impressionado com a sua cadeira, particularmente pela técnica de moldagem tridimensional utilizada no modelo, mas também pela manutenção da noção de elegância estética que por vezes tinha tendência a ficar obscurecida pela técnica. No entanto, posteriores experiências para o seu fabrico acabaram por concluir que ainda não seria viável para produção massiva devido ao inevitável preço elevado que teria. Charles Eames e Eero Saarinen viriam a ser extremamente importantes, especialmente pelo desenvolvimento de várias séries de mobiliário. No entanto Saarinen acabou por se dedicar a questões mais formais. Animado pelo concurso, Charles Eames, já na companhia de Bernice Alexander Kaiser, aliás Ray Eames, investigou intensivamente a moldagem de contraplacado, em busca da viabilidade técnica da moldagem de camadas de madeira em formas tridimensionais.

Esta união não é apenas uma curiosidade, mas é particularmente importante pela complementaridade do seu trabalho. Se Charles era mais preocupado com as questões de produção e de criação de soluções estruturais, um pouco na linha de Jean Prouvé, Ray era mais sensível, até pela sua formação em artes plásticas, à plasticidade e linguagem escultural das formas e cores, promovendo uma ainda maior aproximação a outros conceitos nos quais foi também pioneiro

Alvar Aalto, como a aproximação a uma linguagem formal orgânica.

Estabeleceram o seu escritório e oficina no início dos anos 40, e a sua técnica de trabalho era bastante baseada na experimentação, na tentativa-e-erro, particularmente no que dizia respeito à escolha e processo de tratamento ou moldagem dos materiais. Tudo era prototipado em tamanho real, em modelos funcionais, para ser avaliado esteticamente e experimentado e analisado ao detalhe. Ainda hoje os detalhes são um dos aspectos mais

evidentes e relevantes do seu trabalho. Embora não tenham sido os primeiros a experimentar o contraplacado moldado em mobiliário, foram talvez os primeiros a perceber ou acreditar nas vantagens da utilização deste novo material num contexto de produção industrial.

Parte da sua dimensão vem do facto de não se limitarem a estudar as possibilidades em termos meramente teóricos, nem a estudar o processo base que permitiria a produção de uma cadeira. O seu estudo centrou-se na criação de um processo viável de produção industrial e barata, criando a KAZAM! Machine, desenhada para “aplicar pressão e calor a finas camadas de madeira embebida em resina, e por esse processo moldar as placas de madeira contra moldes rígidos de curvas compostas”. 37 O processo em termos práticos

consistia em usar “uma bomba de bicicleta que forçava ar a intervalos regulares (...) para o interior de uma membrana insuflável em forma de balão. Usando esta máquina, a peça de madeira era empurrada contra um molde aquecido electricamente que dava à madeira a curva desejada”. 38

Exploraram amplamente as possibilidades da produção industrial, usando sempre usando a tecnologia para resolver problemas específicos.

A técnica de moldagem, normalmente de contraplacado, foi bastante explorada por Charles Eames durante os anos que trabalhou na Marinha Americana, com o objectivo de produzir talas leves e flexíveis para os tratamentos de ortopedia, começando em talas para pernas, e produzindo também macas de transporte de feridos, leves e baratas.

O final da guerra permitiu a aplicação dessa tecnologia ao design, no seu

caso mais particularmente ao mobiliário. O objectivo final era, além do baixo custo, conseguir produtos de elevada qualidade. A forma de lá chegar, dado o falhanço de produção do modelo criado em 1940, parecia ser a criação da base do assento das cadeiras numa única peça, confortável e sem necessidade de acolchoamento. As primeiras experiências do pós-guerra continuaram a ser apenas em contraplacado, resultando desse esforço, por exemplo, a Lounge Chair wood, LCW (Fig. 35), declarada pela Time magazine em 2000 como design do século.

Os Eames chamavam-lhe, devido ao seu aspecto, ”Potato chip”. 39 O processo

de fabrico era ainda relativamente novo, por isso a percentagem de modelos partidos era elevada, o que não era muito problemático, pois eram assembladas a partir de diversas peças, pelo que só se perdia a parte partida. Inicialmente as partes eram coladas a juntas de borracha, não exigindo furação prévia, o que reduzia o trabalho de produção, pois não tinham de ser maquinadas depois de termo-formadas. Posteriormente a junção pela borracha passou a ser feita por parafusos em vez de colagem, mas mesmo aí o aparafusamento não exigia furação prévia, recorrendo a parafusos auto-roscantes, dadas as características macias do material. O contraplacado correspondia aos seus critérios de uso barato e banal, despretensioso, e as suas experiências permitiram-lhes desenvolver a técnica de moldagem adequada para criar formas curvilíneas, orgânicas, que viriam a ser uma das caraterísticas do seu trabalho.

Permitiram-lhes ainda, pela facilidade de moldagem, o aumento do conforto de acordo com as necessidades ergonómicas. Disso é exemplo a Organic Armchair de 1941, que assume de forma mais declarada a sua influência nas formas do design orgânico. Inicialmente desenvolvida para a Evans Products, acabou por ser produzida pela Herman Miller em 1946 pelas mãos do seu novo director George Nelson. O seu contributo acabou por ser determinante na longa colaboração daí resultante. Pela técnica e materiais utilizadospode facilmente relacionar-se esta cadeira e muitas outras com os desenhos de Alvar Aalto, que tinha seguido um caminho semelhante no que diz respeito à escolha dos materiais utilizados na fase inicial dos Eames, assim como alguma semelhança de

Fig. 35 LCW, Charles e Ray Eames, 1950

soluções formais. Dos dois lados do Atlântico parecia ser evidente a necessidade de reduzir o preço de produção utilizando novas técnicas e novos materiais. Esta necessidade surge não apenas de uma certa consciência da necessidade de reduzir custos, como de utilizar materiais com maiores possibilidades ou pelo menos com maior facilidade de moldagem, com recurso a novas técnicas, ajudando também a criar novas tendências. Era usada madeira, mas era também usado o contraplacado. Em vez de um processo quase manual de carpintaria, os objectos, particularmente o mobiliário, eram pensados para produção em processos industriais, mais rápidos e baratos, recorrendo não apenas à maquinagem, mas também a novos processos de moldagem.

Na mesma linha deste trabalho, desenvolveram em 1946 os sistemas de

divisórias FSW Folding Screen Wood, em curvas orgâncias contínuas, utilizando várias tiras curvilíneas altas e estreitas unidas por intermédio de uma fita de vinil até um máximo de dez unidades, formando separadores ondulados de grandes dimensões. O resultado faz um pouco lembrar um vaso Savoy de Alvar Aalto em grande escala.

A par de modelos totalmente desenvolvidos em contraplacado, começam a explorar a sua combinação com pernas estruturadas em aço tubular. A utilização de aço não era de todo uma novidade. Inovadores foram os shock mounts em borracha por eles inventados para unir aço e madeira e evitar furos, eliminando o contacto directo entre dois materiais pouco elásticos e, consequentemente, reduzir o desgaste resultante dessa ligação, proporcionando maior estabilidade estrutural e conforto. Os métodos eram adaptados ao material e eram, aliás, já amplamente estudados, nomeadamente na Bauhaus, mas eram especialmente os objectivos que coincidiam: leveza e uso eficiente dos materiais, sem sacrifício do conforto e sem perda da sensibilidade estética e identidade do seu design. Centravam-se bastante na redução de custos, na racionalidade e redução da utilização do material, com uma finalidade claramente definida:

“Conseguir o máximo do melhor para o maior número de pessoas pelo mínimo”. 40