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Ao contrário do que se pensa a identidade não se trata de um conceito fixo e linear, onde se possa verificar começo-meio-fim. O processo de identificação ou de construção identitária nunca se completa e está em constante transformação, visto que o interior de cada sujeito vive se articulando com o exterior, mantendo assim uma articulação entre o sujeito individual e o sujeito coletivo.

Segundo Hall (2009, p. 104), “a identidade é um desses conceitos que operam ‘sob rasura’, no intervalo entre a inversão e a emergência: uma ideia que não pode ser pensada da forma antiga, mas sem a qual certas questões-chave não podem ser sequer pensadas”. Ela parece invocar uma origem que habitaria em um determinado passado histórico com o qual manteria ainda certa correlação, entretanto, ela tem a ver com a questão da utilização dos recursos da história (passado- presente-futuro), da linguagem (comunicação, relação com o outro) e da cultura (local-global) para a produção daquilo que nos tornamos a ser.

Entendendo a identidade como um conceito que envolve aspectos psíquicos e discursivos em sua constituição, Hall (2009) concorda com Foucault em sua teoria da prática discursiva onde o processo de formação do sujeito se apresenta como de duplo caráter — sujeição/subjetivação, além de apresentar a teoria psicanalítica de Freud como sendo uma das origens do conceito de identificação.

De acordo com essa concepção, as identidades não são únicas e nem singulares, e sim, fragmentadas e multiplamente construídas a partir de discursos, práticas e diferentes posições e por isso, estão sujeitas ao processo de mudança e transformação do mundo contemporâneo (HALL, 2009).

De tal maneira, as identidades assumidas pelo sujeito, ao longo de um determinado tempo histórico e de locais específicos, tratam-se de representações construídas a partir de uma “falta”, ao longo de uma divisão ou a partir do lugar do outro, pois é na comunicação e na interação com este que as identidades vão tomando forma, reestruturando-se e se classificando. “A identidade, portanto, é relacional: só se é distinto quando posto em relação com alguém, na intensa dinâmica da inclusão/exclusão.” (BELLO, 2007).

Partindo desse pressuposto, Dubar (2005) defende uma teoria sociológica da identidade, recusando a distinção da identidade individual da identidade coletiva para pensar a identidade social como sendo uma articulação entre uma “transição interna” própria ao indivíduo e uma “transação externa” construída entre o indivíduo e as instituições com as quais ele interage.

A identidade passa assim a ser esclarecida, para esse autor, a partir da dualidade de sua própria definição: identidade para si e identidade para o outro. Mostrando que ambas as definições ao mesmo tempo em que se encontram inseparáveis, também estão ligadas de forma problemática, pois embora nós só possamos nos reconhecer a partir do olhar que nós temos sobre nós mesmos e a partir do olhar do outro, a experiência vivenciada pelo outro nunca poderá ser por nós vivenciada; por isso é que a comunicação se torna tão necessária nesse processo de identificação, pois é a partir dela que nós nos informamos sobre o olhar do outro e assim forjamos a nossa identidade para nós mesmos.

Sendo assim, nunca poderemos ter certeza se a identidade que construímos sobre nós mesmos é a mesma que os outros atribuíram a nós, por isso, “a identidade não é mais do que o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições.” (DUBAR, 2005, p.105).

Devido esse caráter relacional, instável, biográfico, de acordo com o autor, acima citado, a identidade vai se constituindo processualmente a partir das experiências pessoais e sociais vivenciadas pelos sujeitos. Desse modo, a primeira identidade experimentada pessoalmente pelo indivíduo se constrói na relação com a mãe ou com aquela pessoa que a representa; mas, a primeira identidade social que a criança experimenta se concretiza na escola.

A partir dessa dualidade, Dubar (2005) afirma que entre a identidade construída para si e a identidade conferida pelo outro, mas também entre a identidade social herdada e a identidade escolar visada, nasce um campo de possibilidades, onde se desenrolam desde a infância e a adolescência e ao longo de toda a vida todas as nossas estratégias identitárias, incluindo assim a nossa identidade profissional.

Pois, segundo esse mesmo autor, os indivíduos de cada geração reconstroem suas identidades sociais a partir das identidades herdadas da geração anterior, das “identidades virtuais” — criadas em vários espaços sociais e adquiridas no processo de socialização primária — e das “identidades possíveis” — adquiridas no processo de socialização secundária (DUBAR, 2005).

Concordando que o processo de identidade se inicia na infância e abre possibilidades para a construção, transformação e reconstrução da identidade que cada sujeito constrói, a partir de si e do outro, Erikson (1972, p. 160) declara que,

durante toda a infância, ocorrem cristalizações probatórias de identidade que fazem o indivíduo sentir e acreditar (para começar com o aspecto mais consciente da questão) que conhece, aproximadamente, quem é — só para acabar descobrindo que essa certeza do eu volta a ser vitimada, uma e outra vez, pelas descontinuidades do próprio desenvolvimento.

A respeito da identidade profissional, esta se realiza no momento em que os indivíduos passam a ingressar no mercado de trabalho, participando de forma atuante, de atividades coletivas dentro da instituição na qual trabalham. Segundo Dubar (2005, p. 113), “entre os acontecimentos mais importantes para a identidade social, a saída do sistema escolar e o confronto com o mercado de trabalho constituem atualmente um momento essencial na construção da identidade autônoma.”.

Dessa forma, essa identidade não constitui apenas uma identidade no trabalho, mas também a projeção que o sujeito faz de si diante do futuro, a antecipação de uma trajetória de emprego e o desenvolvimento de uma aprendizagem voltada à profissão, ou seja, uma formação.

Para Moita (1995, p. 116), essa identidade profissional vai sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas também com a contribuição das interações sociais vivenciadas pelos indivíduos entre o universo profissional e os outros universos socioculturais. Pois, “o processo de construção de uma identidade profissional própria não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo de pertença profissional e ao contexto sociopolítico em que se desenrola.”.

De modo geral, pode-se inferir que a identidade trata-se de uma construção processual (não linear), ao longo da vida, composta de várias facetas contraditórias, fragmentadas, flexíveis; fruto do contexto contemporâneo que vem produzindo uma visão líquida/volátil de todas as relações das conjunturas sociais, políticas, econômicas que compõem a vida humana. Mas, não se pode esquecer também que essa identidade embora possua essa flexibilidade, mantém certa organização que permite o reconhecimento do próprio sujeito diante das transformações vivenciadas por este em suas diversas experiências de vida.

Visando discutir melhor sobre a construção da identidade nesse mundo de incertezas e rápidas transformações, apresentaremos, a seguir, a constituição do processo identitário no contexto contemporâneo.