• Nenhum resultado encontrado

6.2 Dando Voz aos Sujeitos de Pesquisa

6.2.3 A forma como se veem enquanto docentes

Após verificarmos os motivos que fizeram os docentes entrevistados optarem pela docência no ensino superior e analisarmos os conceitos que eles tinham formado a respeito da função docente nesse nível de ensino, perguntamos aos nossos sujeitos a forma como eles se veem enquanto docente, quem eles são no exercício dessa função, ou seja, como eles se percebem enquanto docentes universitários; objetivando assim, analisarmos a identidade profissional que eles afirmam possuir.

Ao serem questionados a respeito de quem são enquanto docentes, alguns deles apresentaram certo desconforto e hesitação, mesmo porque falar de si mesmo é muito difícil; mas, a partir das falas identificamos que foram ressaltadas as seguintes características:

motivação; em construção; tranquilidade; visto como um bom professor; um profissional dividido; um compartilhador de conhecimentos; visto como um amigo; participativo e responsável; formador; rigoroso; disposto a apoiar os alunos; preocupado com a aprendizagem do aluno; e realizado.

Ao falar sobre a forma como se percebiam enquanto docentes, dois dos nossos entrevistados afirmaram estar bastante motivados no exercício de sua função e por isso, buscavam motivar seus alunos no processo de ensino e de aprendizagem, desenvolvendo com eles aulas construtivas e participativas, conforme os seguintes pronunciamentos:

[...] que continua motivada para tentar melhorar, no sentido de levar os alunos ao melhor aprendizado possível (P1).

[...] sou uma professora bem animada (risos), bastante motivada, é uma professora que busca assim... É... Fazer sempre aulas construtivas, motivar o aluno (P6).

A partir dessas falas podemos perceber que esses docentes compreendem o processo de ensino e de aprendizagem como algo mutável e participativo; e como tal, precisa ser pensado e estruturado por todos os sujeitos envolvidos nesse processo (professores e alunos), para que, dessa forma, a finalidade da educação e os objetivos de cada grupo sejam atingidos. Além disso, podemos destacar, também, a motivação como mola propulsora desse processo, visto que, quando estamos motivados e satisfeitos com a nossa função, permitimos refletir e modificar as nossas ações visando aprimorar a nossa prática.

Ao se definirem em construção quatro dos nossos professores, destacam a inconstância da profissão docente que exige de seu profissional a constante busca de aperfeiçoamento, atualização e reflexão sobre o trabalho que está sendo realizado. Desse modo, eles afirmam que

[...] eu acho que sou uma professora que ainda se considera com pouca experiência nessa parte de ensino, mas que sabe que só a prática, e a reflexão a respeito da prática vai melhorar essa situação (P1).

eu tento oferecer o meu melhor, mas ainda é muito pouco... Sempre, procurando fazer alguma coisa nova... É... Comprando novos livros, tentando passar conhecimentos... Mas, ainda é muito pouco, é muita coisa para aprender... Há muito para se estudar, eu sei muito pouco ainda... É um universo imenso... (P7).

um aprendiz, em primeiro lugar. Não é... Não é nem... Como... Como clichê. É como a ideia de que... A ideia socrática de que somos eternos aprendizes porque o que eu vejo é diferente do que um colega meu ver, do que o aluno ver, do que outra pessoa ver, e a gente pode – por ter percepções diferentes da realidade – a gente pode compreender melhor uma realidade através dessa troca. Então acho que a discussão é uma coisa que é importante (P10).

uma pessoa que reconhece quando erra e que aprende com esse erro, e que também espera dos outros, esse mesmo tipo de comportamento [...] (P13).

Essa inconstância no exercício da docência ocorre pelo fato de que o conhecimento docente necessita permanecer em estado de contínua construção e de contínuo aperfeiçoamento, para se manter atualizado com o conhecimento científico, cultural e artístico, pedagógico, com as estruturas materiais e institucionais da sociedade, e com as formas de agir e de pensar das novas gerações de alunos. Além de acompanhar também a evolução dos conhecimentos específicos da formação pedagógica, visto que são estes

conhecimentos que possibilitam a intervenção e a reflexão de sua própria prática (CALDEIRA; AZZI, 1997).

Além dessas definições, uma das docentes nos revelou estar mais tranquila em relação ao início de sua atuação docente, acreditando que esta segurança vem sendo adquirida ao longo do tempo, e por isso ela se sente “[...] mais tranquila, mais segura do que há seis anos, quando comecei, não é?... Ainda sou nova na carreira [...].” (P1). Ao mesmo tempo em que também destacou, em sua entrevista, que acreditava ser uma boa professora, “[...] pelos feedbacks que eu sempre tento ter dos alunos, então, acho que não estou me saindo tão mal (risos).” (P1).

Já outros docentes afirmaram ser um profissional dividido, visto que na universidade eles exercem inúmeras funções, como a de professor de graduação e de pós-graduação, coordenador de projeto de extensão, gestor e pesquisador; como podemos perceber a partir dessas afirmações:

[...] eu sou um profissional dividido (risos), você quando entra na universidade, você não é somente professor, você não é somente aquela figura que pode problematizar um conteúdo em sala de aula, você tem outras obrigações [...] porque eu tenho que dividir a minha dedicação com a graduação, com a pós-graduação, com a extensão, e também com cargos administrativos, que nós chamamos de gestão (P2).

[...] às vezes você tem que fazer aqui: gestão (que eu não tenho), extensão (eu tenho alguns projetos de extensão), pesquisa e ensino (P7).

A respeito das exigências que cercam a docência universitária, Zabalza (2004) nos lembra de que, os professores que se encontravam, até então, bastante independente em relação às atividades que exerciam nas universidades, passaram a se deparar com um novo contexto profissional muito mais exigente, visto que tiveram as suas produções acadêmicas controladas pelas agências de fomento, passaram a ter a sua prática em sala de aula avaliada por seus alunos, tiveram que prestar contas das suas atividades docentes, foram impulsionados a analisarem e reformularem os seus planos de aula e de atividades, entre outras ações.

Dessa forma, houve uma forte modificação na maneira de se trabalhar nesse nível de ensino, pois em prol de uma melhoria na qualidade desse ensino passaram a se exigir e a se controlar as atividades docentes; o que nem sempre ocasionou um processo de melhoria no ensino superior, já que em alguns casos, o controle só serviu para sobrecarregar esses profissionais que além de exercerem a atividade de ensino, assumem também cargos administrativos e de gestão.

Nesse sentido, podemos inferir que além das várias atividades exercidas por esses docentes (nas mais diversas áreas de atuação), estes são controlados e avaliados por várias instâncias; com o objetivo de se garantir a qualidade da instituição onde eles trabalham e a desse nível de ensino, tornando-lhes, assim, um profissional dividido.

Ao contrariar as definições de docente universitário vinculado à transmissão de conteúdos, um dos nossos pesquisados afirmou ser um compartilhador de conhecimentos: “[...] eu sou simples, normal, de origem humilde e que me sinto bem em conviver com meus alunos, em partilhar o meu conhecimento e contribuir com minha experiência de 36 anos de vida clínica.” (P3).

A respeito do conhecimento, Caldeira e Azzi (1997, p. 108) nos lembram de que ele “é instrumento de trabalho quando utilizado pelo professor para exercer sua ação sobre o aluno, assumindo a função mediadora entre ambos, e, também, quando utilizado pelo aluno na sua atividade de compreensão da realidade na qual vive.”. Ou seja, ele só passa a ser objeto do trabalho docente a partir do momento que sofre a ação do professor e do aluno durante o processo de ensino-aprendizagem.

Pois, o ato de conhecer deve ser compreendido como sendo muito mais do que obter as informações, ou seja, conhecer é trabalhar as informações, analisar, organizar, identificar as suas fontes, estabelecer as diferenças destas na produção da informação, contextualizar, relacionar as informações obtidas e refletir como estas são utilizadas para perpetuar a desigualdade social. Por isso, cabem às instituições organizacionais, trabalhar as informações, visando transformá-las em conhecimento (PIMENTA; ANASTASIOU, 2011).

Dessa forma, podemos afirmar que mais do que ser compartilhador de conhecimentos, como declarado pelo docente entrevistado, ser professor universitário é ser construtor de conhecimentos; pois muito mais do que transmitir as opiniões produzidas por outras pessoas, cabe a esse docente construir o conhecimento com os seus alunos durante o processo de ensino e de aprendizagem.

No que diz respeito à finalidade formadora da docência, um dos nossos entrevistados vinculou a sua imagem docente a de um amigo de seus alunos e que cada um deles podem ver nele um amigo: “[...] eu sou um amigo dos meus alunos, cada um deles, um amigo, não é?” (P3). Destacando, dessa forma, a importância de se manter a relação professor-aluno marcada pela proximidade.

Nessa mesma perspectiva, outro docente pesquisado se definiu como um formador preocupado em formar seres humanos, por meio da seguinte declaração:

acho que mais do que ser um grande pesquisador, eu quero ser um... Ah, deixar a minha... Como é que se diz? O meu... Trabalho aí... É no sentido, formar pessoas, bons pesquisadores, mais também dar continuidade na formação de bons seres humanos. Acho que isso para mim é o mais importante (P4).

Pois, como afirma Pimenta e Anastasiou (2011), da educação se requer a formação de seres humanos reflexivos e críticos, capazes de criar e oferecer respostas aos diferentes desafios oriundos dos mais diversos contextos políticos e sociais, visto que ela é quem projeta e reproduz a sociedade (seja esta a real ou a que se deseja), vinculando-se assim, ao processo civilizatório e humano.

Em relação à forma como se veem como docentes, cinco dos treze docentes declararam ser participativos e responsáveis, visto que trabalham muito e sempre se mostram interessados em participar das atividades que envolvem a docência da melhor forma possível, buscando, sempre, o aperfeiçoamento e o interesse por sua profissão; conforme visualizamos nas falas abaixo:

[...] sou uma pessoa que participo muito, que trabalho muito, procuro levar o meu trabalho a sério, o mais sério possível, sou uma pessoa que considero, procuro levar a profissão a sério e cada vez mais me tornar uma pessoa... Um professor melhor em sala de aula, me tornar mais acessível, não é? (P4).

Eu gosto de pensar que eu sou um professor é... Interessado na... Na sua profissão, interessado pelo caráter pedagógico da sua profissão (P9).

Dou meu máximo sempre. Trabalho cerca de 60 horas por semana. Tenho 8 orientandos, leciono 4 disciplinas, participo de bancas e eventos mensalmente, publico o que posso. Sou dedicada (P11).

[...] vejo-me como uma professora que tem plena consciência do seu papel e que procura executá-lo da melhor forma possível (P12).

Uma pessoa dedicada tanto ao ensino e a pesquisa (quando possível) e que mantém um ótimo relacionamento com os alunos, pois eles serão em breve nossos colegas de profissão. [...] Principalmente, uma pessoa honesta e dedicada ao ensino de nossos jovens (P13).

Nesse contexto, podemos afirmar que a dedicação e a responsabilidade são elementos essenciais à ação docente, pois a docência também pode ser percebida como uma atividade laboriosa e heterogênea, que exige do professor habilidades específicas e reflexão crítica, capaz de compreender a sua dinâmica, possibilidades e limitações (VEIGA, 2010).

Dessa maneira, os quatro professores entrevistados destacam duas características relevantes no exercício da profissão docente que é a participação e a responsabilidade, pois não se aceita mais, no contexto atual, que a docência no ensino superior seja realizada de qualquer jeito, como se o docente estivesse prestando um favor por estar em sala de aula ou

como se qualquer um pudesse assumir essa função. A docência, nesse nível de ensino, como em qualquer outro, possui finalidades e desafios a serem enfrentados e para tal, o sujeito que assuma essa função deve estar preparado e disposto a adquirir essa responsabilidade.

Outra percepção revelada por dois dos nossos docentes é de que eles mesmos se dizem

rigorosos, no exercício de sua função, declarando que:

não digo assim, que eu sou uma exigente, mas eu sou a que... Dou as tarefas e estou sempre cobrando. Não sou rígida, como se pode dizer, mas eu sei que o cumprimento sempre acontece (P5).

um professor rigoroso. Os próprios alunos falam isso... (risos) Ah! Eu costumo ser rigoroso com os alunos, mas ao mesmo tempo, eu dou abertura para eles... Conversarem comigo e... E dou espaço para eles darem as opiniões deles também. Mas, quando... Na sala de aula, no início do semestre, eu estabeleço regras para todo mundo, todos os alunos saberem quais são essas regras e eu cumpro as regras e eles têm que cumprir também. [...] Acho que disciplina é uma coisa importante para um profissional (P8).

Como podemos ver, o rigor aqui revelado diz respeito à forma como eles organizam o trabalho desenvolvido em sala de aula com seus alunos, e está muito mais vinculado à dedicação e à responsabilidade próprias da ação docente, do que a uma reação punitiva ou de autoridade por parte desses docentes.

Tanto que, um dos docentes, acima citados, se declarou rigoroso ao mesmo tempo em que afirmou está disposto a apoiar seus alunos, conforme a fala seguinte:

e atendo a qualquer momento que me chamam, eu estou atendendo. E hoje em dia, com a tecnologia também está mais fácil, é dia e noite, na madrugada adentro nos computadores da vida resolvendo e dando as respostas... (risos). Porque eles precisam de mim, sabe? E eu estou sempre junto, eu me sinto bem em ajudar; eu acho que a gente está aí para isso. Professor tem que está dando apoio mesmo aos alunos (P5).

A respeito dessa disponibilidade em apoiar seus alunos, concordamos com Zabalza (2004, p.169) quando afirma que “antes do compromisso com sua disciplina, está o compromisso do docente com seus alunos, motivo pelo qual ele deve servir como facilitador, fazendo o que estiver ao seu alcance para que os alunos tenham acesso intelectual aos conteúdos e as práticas da disciplina.”. Destacando também, que atualmente recaem sobre o ‘bom professor’ duas importantes competências: a competência científica, onde este se torna responsável pelo conhecimento a ser ensinado, e a competência pedagógica, onde ele se responsabiliza pela formação pessoal e com a aprendizagem de seus discentes.

A partir das falas dos sujeitos e da afirmação do autor, acima citado, podemos ratificar a responsabilidade formativa da profissão docente, que não só se preocupa com a formação profissional de seus alunos, mas também com a formação ética-cidadã dos futuros profissionais que necessitam sair preparados para assumir a sua função na/para uma sociedade.

Comprometidos com a formação de seus discentes, dois docentes se revelaram

preocupados com a aprendizagem dos alunos, mostrando a sua preocupação em se manterem

atualizados e de buscarem diferentes formas de ensinar; como podemos ver nas afirmações abaixo:

[...] a gente tem que está atualizada, lógico, com o assunto, mas tem que traduzir isso de uma forma que o aluno se envolva e se anime em aprender [...] A gente traduz um pouco disso no lúdico, eu procuro sempre trabalhar com o lúdico [...] (P6).

Essa área pedagógica para mim é importante e eu gosto de pensar que se eu não sou o professor que conhece mais da minha área, [...] talvez eu seja um dos que mais se preocupa com as formas de passar esse conhecimento adiante e de trabalhar junto com os alunos para a fixação desse conhecimento, acho que essa é a minha... É a maneira como eu consigo me enxergar (P9).

Essa preocupação com a aprendizagem do aluno é fundamental no exercício da atividade docente, pois o processo de ensino e de aprendizagem é relacional e intencional, ou seja, a docência é uma atividade humana desenvolvida por todos os sujeitos nela envolvidos, e por esse motivo é concebida como uma prática social (CALDEIRA; AZZI, 1997).

Nessa perspectiva, Veiga (2008b, p.273), afirma que “o professor, no momento de organizar sua aula, precisa atentar para as necessidades formativas de seus alunos, a fim de perceber a quais interesses atende ao propor determinadas atividades a seus educandos.”.

Por fim, as análises das percepções dos docentes envolvidos nessa pesquisa em relação à forma como se veem em sua profissão, um desses professores declarou se sentir realizado no exercício de suas atividades docentes; confessando assim, o seu vínculo afetivo com a docência universitária: “Apesar de todo o cansaço do dia a dia, posso dizer que me sinto realizada profissionalmente. Sinto-me feliz.” (P12).

Nesse contexto, inferimos que os professores pesquisados ao revelarem o modo como eles se percebem enquanto docentes, confirmam a ideia, expressa na seção anterior, de que o conceito de professor universitário está voltado à finalidade formadora da docência e ao processo de ensino e de aprendizagem. Além dessas características, eles destacam também o modo como eles se sentem em relação à docência (motivado, tranquilo, realizado,

participativo e responsável), revelando assim, que a prática profissional exercida ao logo do tempo, trouxe a esses docentes, segurança no exercício dessa profissão.