• Nenhum resultado encontrado

Os africanos do exército colonial

da conquista dos territórios africanos às guerras de libertação

2. Os africanos do exército colonial

O recurso a combatentes de origem africana pelo poder colonial português não é exclusivo das últimas guerras que Portugal travou em África. Trata-se de uma estratégia utilizada desde as primeiras viagens de exploração pelo interior africano que, mais tarde, deram origem às denominadas 'campanhas de pacificação' as quais, na realidade, visavam subjugar populações resistentes à administração portuguesa.

A incorporação de africanos no exército colonial português procurou, fundamentalmente, cumprir dois objectivos: por um lado, reduzir os custos da guerra, já que a formação de um exército de soldados locais era menos dispendiosa do que o envio de militares de Portugal para África; por outro lado, superar as dificuldades de adaptação, sobretudo físicas, que os soldados de Portugal enfrentavam após a sua chegada.

A partir do final do século XIX, Portugal implementa um conjunto de medidas no sentido de reforçar o seu exército colonial, o que se manifestou, entre outras coisas, em tentativas de intensificar e de tornar mais sistemático o recrutamento de soldados africanos.

São dois os principais motivos que explicam esta mudança. Por um lado, é no século XIX que Portugal passa a interessar-se por África. Com a independência do Brasil, o final da guerra civil em Portugal e a instalação do regime liberal, o interesse de Portugal por África, “[...] como base para a edificação de um novo império”(Alexandre, 1998: 27), vai crescendo e inicia-se uma nova consciência imperial sustentada na crença de que a África portuguesa se poderia converter em novos brasis39. Antes disso, o continente africano era praticamente ignorado por Portugal, tal como o era para o resto da Europa imperial, e as zonas ocupadas reduziam-se a alguns pontos da costa e a poucos quilómetros ao longo do percurso de rios navegáveis40. Raras foram as ocasiões em que expedições portuguesas se aventuraram para o interior do Continente e, embora durante os séculos XVII e XVIII Portugal procurasse penetrar no interior de África, viu muitas dessas tentativas goradas dada "a falta de plano, a desorganização administrativa,

39

Sobre a independência do Brasil e as dúvidas, mitos e crenças que acompanharam o interesse de Portugal por África no século XIX, leia-se Alexandre (1998: 21-56).

40

Sobre a ocupação efectiva de Angola, de Moçambique e da Guiné, a partir de meados do século XIX, consulte-se António Marques (1998: 140-143) e René Pélissier (2004: 27-59).

as características do interior africano, e as pressões dos interesses do tráfico [...]”41 (Guimarães, 1984: 17). Além disso, para Portugal, a África portuguesa só era necessária na medida em que prometia ouro e assegurava o fornecimento de escravos.

Por outro lado, Portugal, já ameaçado pelos avanços de potências rivais nos territórios que reclamava como seus, sai lesado da Conferência de Berlim (1884-1885). Nela se consagra um novo tipo de direito colonial que vem substituir o direito histórico de posse dos territórios coloniais, pelo princípio de ocupação efectiva. Com a primeira grande partilha do continente africano entre as potências europeias, que resultou desta conferência, e com o Ultimato Inglês, que pouco depois lhe sucede, a política colonial portuguesa vê desvanecerem-se alguns dos sonhos que alimentavam, há muito, as suas pretensões imperiais, mas procura, a todo o custo, assegurar os territórios que ainda lá podia ambicionar42.

Esta viragem para África significava, assim, envolver-se num terreno de disputas pela ocupação desse continente entre potências europeias que, entretanto, o tinham ‘redescoberto'43

. Para Portugal, entrar nesta corrida representava a possibilidade de reposicionar-se nesse novo contexto expansionista44.

Apesar das dificuldades que apresentava em reunir uma força militar capaz de enfrentar os desafios que esse novo rumo lhe colocava, Portugal logra intensificar a sua presença em África45. Mas, à medida que o faz também aumentam as resistências dos povos africanos. Perante estas resistências e as ameaças de outras potências coloniais,

41

Para conhecer algumas dessas raras expedições, que datam dos séculos XVI e XVII, consulte-se, por exemplo, Coelho (2002: 132), Guimarães (1984: 15-16) e Rui Bebiano (1992: 213).

42

O Ultimato exige a Portugal que se retire de zonas de África que considerava suas pelo direito histórico, numa época em que Portugal alimentava o sonho de um império de costa-a-costa que unisse, por terra, Angola a Moçambique. Este desejo aparece já em 1616 enunciado pelo governador de Angola. A tentativa de manter esse sonho, materializado no Mapa Cor de Rosa, está na origem das principais disputas entre Portugal e a Grã-Bretanha, que culminaram no Ultimato inglês de Janeiro de 1890. Portugal cede imediatamente às ameaças inglesas e retira-se das zonas em conflito (Alexandre, 1998: 115-126; Guimarães, 1984: 15-16).

43

As rivalidades entre as potências coloniais envolvidas nesta divisão, nomeadamente a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Bélgica, acabaram por provocar a transformação do sistema internacional no seio do qual a Inglaterra perde a sua posição hegemónica. Esta contenda, sobretudo entre ingleses e franceses, envolveu a disputa pela posse de territórios que Portugal reclamava como seus (Alexandre, 1998: 92-103).

44

De elo de ligação entre a Europa e o Brasil, Portugal passa a situar-se numa posição subalterna face à Europa. A independência do Brasil arrastou consigo o “[...] papel de entreposto dos produtos coloniais” que Portugal detinha (Alexandre, 1998: 25).

45

No início do século XIX, Portugal que conseguia defender a rota marítima para o Brasil, vê-se agora com uma força marítima empobrecida, que lhe permitia apenas defender algumas zonas costeiras estratégicas, e com um exército cujo número de efectivos era demasiado modesto face à pretensão de ocupar e defender territórios com dois milhões de quilómetros quadrados (Pélissier, 2004: 20-25). Sobre a intensificação da força militar e o reforço da presença portuguesa em África, veja-se Bebiano (1992: 225-226).

Portugal multiplica campanhas militares que se prolongam às primeiras décadas do século XX.

Nestas campanhas se, por um lado, o avanço do armamento português e o envio de corpos expedicionários de Portugal para África foram decisivos para o sucesso de muitas das batalhas travadas contra os povos africanos e, por outro lado, o apoio dos Aliados tenha sido precioso contra as invasões alemãs a Angola e a Moçambique durante a I Grande Guerra, também o recrutamento de combatentes africanos parece ter assumido um papel fundamental na conquista e defesa dos territórios coloniais portugueses.

Durante a época em que decorreram as campanhas militares de conquista e de defesa da África portuguesa46, a maioria dos efectivos que compunham o exército português eram provenientes do recrutamento local. Logo após o Ultimato, dos cerca de 8 000 soldados coloniais, apenas 374 eram europeus (Carrilho, 1985:110). No final da Monarquia, o número de militares do exército colonial era pouco mais de 10 000, distribuídos por todos os territórios coloniais, sendo que menos de um terço era oriundo da Europa (Marques, 1998: 144)47. Sabendo que, na época, o número de portugueses europeus a residir em África era ínfimo, então é fácil deduzir que a grande maioria dos homens recrutados localmente não seriam, no caso do continente africano, colonos de origem europeia48.

Em termos gerais, a estrutura organizativa do exército português era diferenciada entre os exércitos chamados metropolitano e colonial. Enquanto duraram as campanhas de conquista e de ocupação do território africano, a estrutura organizativa do exército português, embora sofrendo ligeiras alterações, manteve o seu exército dividido nesses dois corpos.

46

Considera-se que a época dessas campanhas militares de conquista foi encerrada em 1941 (Pélissier, 2004: 311). 47

Pélissier afirma que, em 1887, no ‘ultramar’ contavam-se já 10 000 homens, entre os quais 1 193 eram europeus, e em 1910 o número de efectivos ascende aos 13 000. Acrescenta que, se nesse esforço se triplicou o número de europeus, estes não representaram sequer 4 000 homens (2004: 22).

48

No início do século XIX "[...] não havia, em todo o «Império» português, mais de 10 000 europeus [...]", sendo a maioria degredados e militares, concentrando-se sobretudo em Cabo-Verde, Angola e Índia. "As próprias guarnições militares incluíam uma maioria de africanos e asiáticos, sob o comando da oficialidade portuguesa branca". E se, a partir de meados desse século, esses valores aumentam oito ou nove vezes em Angola e Moçambique, "entre 1850 e 1910, Angola não albergava mais de 12 000 europeus à data da proclamação da República, e Moçambique cerca de metade daquele número" (Marques, 1998: 143-144).

O exército colonial diferenciou-se do chamado exército metropolitano, não só por ser composto maioritariamente por soldados de origem africana, mas também por ter armamento autónomo, instrução separada e uma estrutura organizativa diferente49.

O exército colonial contava com três tipos de contingentes: um era a força de ‘primeira linha’ constituída por militares, a tempo inteiro, recrutados localmente, por homens deportados e por soldados expedicionários enviados de Portugal para os territórios africanos quando os conflitos o exigiam; outro era a força de ‘segunda linha’ formada, maioritariamente, por voluntários locais, a tempo parcial e cuja principal função era completar a actividade das forças armadas em momentos de guerra, mas, também, assegurar tarefas administrativas, tais como a colecta de impostos ou o controlo de postos50; por fim, o exército colonial podia, ainda, recorrer a forças auxiliares constituídas por exércitos locais compostos por um ou mais grupos étnicos.

É de notar que uma das estratégias utilizadas, não raras vezes, pela força portuguesa foi a de transferir unidades de recrutamento local de uns territórios coloniais para outros51.

Em relação à sua estrutura organizativa, a formação do exército colonial obedeceu aos princípios de discriminação e de inferiorização do africano que presidiam a ideologia colonial. Os comandos do exército colonial não eram soldados africanos. Estas posições eram reservadas a oficiais europeus fornecidos pelo exército ‘metropolitano’52

. Contudo, alguns dados indicam que as forças de “segunda linha” podiam ser comandadas por africanos53.

A única força exclusivamente composta por africanos não pertencia ao exército colonial. Eram as denominadas forças auxiliares ou irregulares, exércitos compostos por um ou mais grupos étnicos comandados pelos seus chefes ou régulos africanos. Este

49

Marco Arrifes considera que, até certa altura, pode mesmo falar-se num terceiro corpo constituído pelo exército da Índia (2004: 58).

50

Criadas nos finais do século XIX, estas forças permitiam a preparação de homens que integrariam as forças operacionais. Para saber mais pormenores sobre a composição destas forças consulte-se Arrifes (2004: 235).

51

O que aconteceu, por exemplo, com forças indianas enviadas para Moçambique e para Timor, com forças de Angola transferidas para o Vale do Zambeze, com unidades de Moçambique expedidas para Angola e para a Índia. Goa, Timor e Macau, também receberam expedições vindas de Moçambique e Angola (Cann, 2005: 113; Coelho, 2002: 132; Correia, 2000: 144; Oliveira, 1993: 181).

52

Estes beneficiavam de condições de progressão de carreira mais rápida do que as oferecidas no exército ‘metropolitano’, bem como de possibilidades de enriquecimento irregulares (Pélissier, 2004: 22-24).

53

Ventura descreve o caso de Abdul Injai que foi tenente de segunda linha. Destacou-se por comandar o seu exército ao lado de Teixeira Pinto em várias operações decisivas de ocupação, desencadeadas entre 1912 e 1915 e que marcam a diminuição dos conflitos na Guiné (2006: 22-27).

contingente, também conhecido por Guerra Preta, foi particularmente vantajoso para Portugal porque a sua colaboração era exclusivamente premiada com o espólio de guerra e porque, ao mesmo tempo, evitava baixas das tropas regulares (Pélissier, 2004: 46; Ventura, 2006: 16; Coelho, 2002: 132; Cann, 2005: 112).

Embora ao longo do século XIX e até ao final das campanhas militares de ocupação, a organização e a utilização do exército colonial tenha apresentado características particulares de acordo com as especificidades de cada território africano, em termos gerais as diferenças entre cada um deles não foram muito significativas.

Na Guiné, embora ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o número de efectivos das forças locais tenha sido sempre superior aos dos expedicionários portugueses, segundo Pelissier o recrutamento local forneceu um número reduzido de soldados para o exército regular antes de 192054. Estes valores são atribuídos à falta de adesão dos homens da Guiné ao serviço militar português e à falta de confiança dos portugueses em relação a eles.

É provável que a dificuldade ou a relutância em recrutar essas forças locais tenham origem na diversidade de grupos étnicos que o exército colonial teve de enfrentar na Guiné e que ora lutavam entre si55, ora resistiam e se revoltavam contra as autoridades portuguesas ou a elas se aliavam, sem nunca garantirem definitivamente a sua fidelidade56.

Na realidade, para conquistar e ocupar esse pequeno território, Portugal, para além de socorrer-se várias vezes de forças expedicionárias57, recorreu também ao apoio de contingentes oriundos de outras colónias58, bem como da força francesa59, o que indica,

54

Destacam-se, contudo, uma companhia de soldados locais extinta em 1904 e substituída por uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, um esquadrão de dragões locais formado, no mesmo ano, e uma companhia de atiradores, também locais, criada em Fevereiro de 1907 (Ventura, 2006: 18-19).

55

Por exemplo, entre 1863 e 1866, registaram-se conflitos de fulas contra mandingas e beafadas, que acabaram com a vitória dos primeiros (Ventura, 2006: 9).

56

Um exemplo representativo desta instabilidade nas relações entre as autoridades portuguesas e as populações locais, são os fulas de Forreá que, em Fevereiro de 1881, após terem assinado um acordo de paz com Portugal em 1880, atacaram a praça de Buba (Ventura, 2006: 10-11).

57

Entre 1841 e 1936 registaram-se várias expedições de Portugal envolvendo, pelo menos, 8 500 soldados da força regular, apoiados por 2 000 membros das milícias e mais de 40 000 auxiliares recrutados localmente ou transferidos de outras colónias. Valores que, segundo Pélissier, estão subestimados (2004: 32).

58

Em Maio de 1908, na ocupação de Intim e Bandim, a força colonial recorreu a um contingente de Moçambique, e, em Janeiro de 1915, a soldados de Angola, na defesa de Bissau (Ventura, 2006: 19, 24). Recorreu também a soldados de Cabo-Verde, pelo menos até 1879, ano em que a Guiné estabelece a sua autonomia administrativa em relação a Cabo Verde (Pélissier, 2004: 31).

59

pelo menos, que as forças locais não eram consideradas suficientes para apoiar o projecto colonial português em África.

Apesar do número de soldados locais no exército colonial ter sido reduzido na Guiné, em contrapartida Portugal conseguiu obter um apoio significativo por parte de exércitos locais60. Muito embora estes exércitos locais tenham sido aliados preciosos na implantação da soberania portuguesa na Guiné, as suas relações com o poder colonial revelam o mesmo tipo de fragilidades que caracterizavam as relações entre as autoridades e as populações locais61.

Por ter recorrido preferencialmente a esses exércitos, jogando a seu favor com a diversidade étnica que Portugal encontrou na Guiné, bem como a "verdadeiras hordas de aventureiros senegaleses", é que Pélissier considera que a Guiné se tornou num dos lugares de mercenários da África portuguesa (2004: 33-34)62.

Em Angola, o cenário não foi muito diferente daquele que acabámos de descrever em relação à Guiné. Ao longo de século XIX, à medida que aumentavam as resistências à ocupação portuguesa em Angola, a principal preocupação do exército colonial foi a de aumentar os seus efectivos nesse território, tanto nas forças de ‘primeira linha’ como nas de ‘segunda linha’63

.

E, tal como sucedeu na Guiné, em Angola o exército colonial recorreu a forças expedicionárias e a contingentes oriundos de outras colónias64. Nesse território, os motivos apontados para o aumento progressivo do recurso a estas forças são a ineficácia e as altas taxas de deserção atribuídas aos soldados locais de ‘primeira linha’. No início do século XX, as forças de ‘segunda linha’ deixaram praticamente de ser utilizadas em Angola e, enquanto a conquista do Sul é depositada nas mãos de mercenários, a defesa

60

Um dos exemplos que segue esta tendência geral foram as operações desencadeadas em Fevereiro e Março de 1897 no Oio, comandadas pelo Alferes Graça Falcão "[...] com três oficiais, quatro sargentos, escassos soldados europeus, 100 soldados de Bissau e de Bolama, e 3000 auxiliares comandados pelos respectivos régulos" (Ventura, 2006: 16).

61

É o caso dos grumetes, um dos grupos locais que compunham as forças militares portuguesas, mas que não entravam nos quadros do exército regular, como acontecia com os assimilados, e que se insurgem contra o poder colonial, em 1842 (Pélissier: 2004:33). Ventura refere uma revolta dos grumetes em 1844, quando atacaram a fortaleza de Bissau, e outra em 1871, que resultou na morte do governador interino do distrito (2006: 8, 10).

62

Portugal recorre aos senegaleses fundamentalmente entre 1900 e 1910 (Pélissier, 2004: 33-34). 63

Em 1845, o exército regular compreendia 1 600 homens, e cerca de 2 000 em 1860, metade deles em Luanda. Quanto às forças de ‘segunda linha’, em geral compostas por africanos considerados civilizados constituindo unidades de voluntários e companhias móveis, se em 1845 seriam constituídas por aproximadamente 1 600 homens, em 1860 ascenderiam aos 3 000. Até 1920, os confrontos em Angola tornam-se mais duros e exigem o aumento gradual de forças em combate (Pélissier, 2004: 44-45).

64

dos ataques alemães é suportada por forças expedicionárias (Pélissier, 2004: 44-47; Ventura, 2006: 28-38).

No início do século XIX, Moçambique, tal como a Guiné e Angola, era um território que os portugueses ocupavam apenas junto ao litoral. O que é particular nas guerras que Portugal desencadeia neste território é que, na óptica de Pélissier, são os seus próprios habitantes, os futuros moçambicanos, que o conquistam. Isto porque, embora as deserções do serviço militar fossem consideráveis, como parece também ter sido o caso de Angola, raramente os locais se recusavam a ser os instrumentos de conquista dos seus vizinhos ou concorrentes mais afastados (2004: 58).

Apesar da importância que as forças locais possam ter assumido na conquista portuguesa de Moçambique, na realidade Portugal também teve que recorrer a várias unidades expedicionárias65 e a tropas provenientes de Angola em diversas campanhas66. Essas expedições foram enviadas em situações limite, designadamente quando os portugueses tiveram que responder aos avanços britânicos e quando os confrontos na Zambézia, sempre intensos, as tornaram inevitáveis (Ventura, 2006: 96-107)67.

Em Moçambique a conquista portuguesa também contou com o apoio de exércitos locais que lutavam entre si pela conquista do território68, tal como aconteceu, predominantemente, na Guiné. A particularidade de Moçambique prende-se com a especificidade da administração colonial nesse território e que tem repercussões no tipo de exércitos utilizados. Até 1890, a conquista de Moçambique é protagonizada predominantemente por exércitos de forças locais comandadas por capitães-mores, fiéis à coroa Portuguesa69. A partir das campanhas do final do século XIX, são já os soldados do recrutamento local que suportam o maior esforço de guerra70.

65

Como se verificou entre 1891 e 1901, com treze expedições que envolveram 8 000 homens (Ventura, 2006: 96-107).

66

Nomeadamente a que envolveu a captura de Gungunhana. Mas, já antes da época destas campanhas militares, em Moçambique utilizavam-se soldados provenientes de Portugal, e também do Brasil, na sua maioria degredados, e da Índia. Desta vieram os sipaios, cuja tradição de recrutamento na Índia remontava, pelo menos, à segunda década do século XVIII. Ao longo da segunda metade do século XVIII os sipaios foram integrados nas forças regulares do exército colonial em Moçambique até à sua substituição gradual por tropas do recrutamento local. A designação de sipaios é depois utilizada para designar os soldados africanos que compõem o exército português em Moçambique, mas também aqueles que pertenciam às forças dos senhores dos prazos (Rodrigues, 2006: 93; Ventura, 2006: 96-107).

67

Mas também nas campanhas em Macequece, bem como nas do Sul do Save, entre outras (Ventura, 2006: 78-115).

68

Por exemplo os Ngoni que, ao longo do século XIX, são protagonistas de diversas conquistas e controlam partes significativas do território (Pélissier, 2004: 48-51).

69

Estes são senhores dos prazos, proprietários de vastos territórios inicialmente cedidos pela coroa a famílias portuguesas mas que, com o tempo, acabam por passar para as mãos de locais, que conquistam outros prazos cujos

Perante as dificuldades sentidas em assegurar a ocupação efectiva dos territórios, e em organizar e enviar forças para África, ao longo do século XIX foram sugeridas e mesmo implementadas algumas mudanças no seio do exército colonial71.

Essas mudanças visavam, essencialmente, procurar transformar o exército colonial numa força quase exclusivamente formada por soldados locais. Nesse sentido foram utilizados diversos mecanismos que procuraram persuadir os africanos a pertencer ao exército colonial português.

As medidas implementadas por Mousinho de Albuquerque, durante o seu mandato entre 1896 e 1897 como governador-geral de Moçambique, vão nesse sentido quando “[…] reforça os mecanismos de recrutamento de africanos, cria as primeiras unidades mistas de cavalaria e melhora os fardamentos, aspecto simbólico de grande importância para as tropas negras, pois a farda funcionava como um símbolo de ascensão social" (Arrifes, 2004:234). Estas medidas que, entre outros aspectos, procuravam dar algum protagonismo aos soldados locais, não obtiveram resultados significativos por divergir das grandes opções políticas da época (Carrilho, 1985:110). Mas, em termos do tipo