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Conclusão: combatentes africanos, protagonistas da história do fim do império

da conquista dos territórios africanos às guerras de libertação

5. Conclusão: combatentes africanos, protagonistas da história do fim do império

A análise apresentada permite avançar com duas considerações. Por um lado, que o Estado português foi ajustando e reajustando, reactivamente, a sua política colonial, relativa à incorporação e utilização dos africanos nas suas Forças Armadas, conforme as suas necessidades e os obstáculos que foi enfrentando ao longo da sua presença em África, mas também em função da forma como foi interpretando os povos africanos e como se foi relacionando com eles. Por outro lado, alguns dados sugerem que o

alferes (Diário de Notícias: 12). Morreu em combate no dia 16 de Abril de 1971. Ver Pequena Biografia de um Herói João Bacar Jaló, página consultada em 15 de Janeiro de 2012 http://ultramar.terraweb.biz/CTIG/Imagens_CTIG_CapitaoJoaoBacarJalo.htm.

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A residir em Portugal, o alferes Marcelino da Mata é descrito como “[…] um supermedalhado do Exército, detentor da Torre e Espada, comandou grupos especiais de negros em múltiplas acções de combate e destaca o esforço desses homens, que se sentiam portugueses. Foi um dos expedicionários a Conakry. Veio para Lisboa numa maca" (Antunes, 1995: 547).

discurso colonial português usou o soldado africano para legitimar a sua presença em África.

Quanto à primeira ordem de considerações, os dados disponíveis permitiram apurar que o Estado foi alterando o tipo de recrutamento e a quantidade de africanos nas suas Forças Armadas, bem como as suas funções, de acordo com uma conjugação de condicionalismos com que foi confrontado. O aumento da concorrência europeia pela ocupação colonial, e o aumento da resistência dos povos africanos à presença portuguesa, mas também as relações que Portugal foi estabelecendo com diversas forças africanas e o grau de confiança que ia depositando nos soldados locais são alguns dos factores que permitem compreender as oscilações que o tipo de recrutamento e o número de africanos no exército português foram sofrendo nas diversas guerras que Portugal travou em África.

O que se destaca da análise apresentada é que o aumento e a intensificação das ameaças às posições portuguesas em África ora deram lugar ao aumento de efectivos africanos nas FAP ora, pelo contrário, resultaram na sua redução. Constatou-se, também, que, por vezes, a força portuguesa recorreu, predominantemente, a exércitos locais, enquanto outras vezes optou, preferencialmente, por utilizar corpos expedicionários de Portugal ou por transferir soldados locais de umas colónias para outras. Estas opções não se compreendem sem atendermos que o domínio colonial foi estabelecido, também, à custa de cumplicidades entre forças africanas e o poder colonial, bem como de acordo com a forma como o poder colonial foi construindo e reconstruindo a sua interpretação do africano colonizado na relação colonial.

Assim, se por um lado o aumento do número de efectivos africanos no exército português seguiu, sem dúvida, uma lógica económica de redução dos custos da guerra, por outro lado a sua diminuição parece decorrer de outras lógicas. A redução do número de soldados locais não sucedeu unicamente em momentos menos conflituosos e foi, frequentemente, acompanhada pelo aumento das forças expedicionárias de Portugal ou de forças transferidas entre colónias. Por sua vez, o número reduzido de africanos no exército português não equivaleu sempre a um número reduzido de africanos a combater junto das forças portuguesas. Antes das últimas guerras coloniais, nomeadamente nas chamadas ‘campanhas de pacificação’, recorreu-se, com muita frequência, a exércitos locais compostos, muitos deles, exclusivamente por africanos. E, durante as últimas guerras coloniais, recorreu-se a forças irregulares e a milícias que não entravam no cômputo total das FAP. Deste modo, a variabilidade do número de efectivos africanos

nos exércitos portugueses ao longo das guerras, bem como os valores que atingiram em cada um dos territórios em particular, além de obedecerem a critérios económicos parecem, também, relacionar-se com o grau de confiança que Portugal e as suas Forças Armadas depositaram nesses soldados.

Por sua vez, a quantidade de soldados africanos nos exércitos portugueses também dependeu da maior ou menor adesão dos próprios africanos no cumprimento do serviço militar português, sobretudo até ao momento em que este se tornou obrigatório.

Esta interpretação revela, assim, por um lado, que a dominação colonial não se construiu exclusivamente através da força e, por outro lado, que dependeu das realidades africanas com as quais teve que interagir para conquistar e ocupar os territórios africanos. A negociação, entre a potência colonial invasora e outras forças que pré-existiram a sua ocupação, alimentada e sustentada por cumplicidades que se formaram e forjaram à medida que o poder colonial português avançou e se estabeleceu em África, é outro processo que assistiu o domínio colonial. Em termos gerais, as relações coloniais entre o poder colonial e as autoridades, os soldados e os exércitos africanos configuraram-se com base em diversos jogos de interesses entre as partes envolvidas.

Deste modo, ao contrário da concepção colonial de África representada, na cosmovisão europeia clássica e moderna, como um continente vazio, sem história, cuja integração na dinâmica civilizacional, sustentada pela ideia de progresso, seria apenas possível através da intervenção colonial (Gomes e Meneses, 2011), a conquista e ocupação coloniais portuguesas em África constituíram-se com base na interacção e negociação entre a força invasora e forças africanas num território onde, antes da presença portuguesa, já existiam conflitos decorrentes de conquistas territoriais.

Esta leitura da ocupação colonial portuguesa em África vai ao encontro da perspectiva de Isabel Castro Henriques segundo a qual, sobretudo desde o século XIX, quando África se torna indispensável para o reposicionamento de Portugal na corrida da Europa imperial para esse continente, se verificou "[…] a necessidade de construir e de consolidar um certo número de mitos relativos à presença portuguesa em África, destinados a explicar e a justificar as acções e a permanência lusas nessa região do mundo, particularmente a partir da década de 50, quando se inicia em África, o processo

das independências." (2004: 302)153 Um desses mitos diz respeito à conquista e ocupação portuguesas em África. Para a autora a “[…] necessidade de ocupar (pela força) e de "pacificar" põe em evidência o controlo africano dos seus próprios espaços, apresentando o português como o intruso que efectivamente é e desmonta simplesmente o mito da presença multisecular dos portugueses em África" (2004: 306).

A leitura apresentada vai, ainda, ao encontro de outros mitos identificados e desmontados por Henriques, nomeadamente o da capacidade dos portugueses de se cruzarem harmoniosamente e sem conflito, e da ausência de racismo dos portugueses. Ao mesmo tempo, representa alguns dos princípios essenciais da ideologia colonial portuguesa como a pretensão da superioridade do ‘branco’ em contraste com a inferioridade do ‘negro/primitivo’ e a ideia de missão civilizadora do português que legitimam as suas reivindicações e acções em África (2004: 304)

Estes mitos e princípios ideológicos coloniais são particularmente visíveis no aparelho legislativo que distinguiu os africanos dos europeus, mas também na forma como se recrutou e se utilizou o soldado africano nas forças portuguesas. Por um lado, estes processos recorreram, com frequência, à força e à coação, desmontando assim o mito da capacidade do português se relacionar sem conflito. Por outro lado, foram processos que se basearam na ideia de inferioridade do africano. Este é, nas Forças Armadas, considerado, frequentemente, incapaz de pertencer à instituição militar já que é descrito como indisciplinado e sem habilidade para utilizar armas. O africano soldado é, por sua vez incorporado e utilizado com base na lógica da subalternização e da inferiorização. Raramente pode ascender às patentes mais elevadas na hierarquia militar e, por ser objecto de suspeição, não pode formar unidades militares de importância maior a nível operacional. Mas, tal como a forma como foram interpretados os africanos na lógica colonial, o soldado africano é, ao mesmo tempo, considerado reformável (Bhabha, 2005b: 165), ou seja capaz de ascender à civilização, neste caso através do serviço militar que disciplina, nacionaliza e forma.

Deste modo, o serviço militar, como outras instituições coloniais, sustentou-se num dos pilares fundadores da relação colonial que consistiu em transformar a África num espaço de diferença ontológica no qual o africano, além de diferente, passa a ser

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Sobre o conjunto de mitos que autora identifica e desmonta, e que sustentaram o colonialismo português ver Henriques (2004: 299-318).

também inferior. É esta inferioridade, baseada na bipolaridade estabelecida entre ‘civilizados’ e ‘indígenas/selvagens’, que autoriza não só a hierarquização, a exploração e a subalternização, como a ‘missão’ colonial de levar a civilização aos colonizados (Césaire, 1978).

Quanto à segunda ordem de considerações relativa à utilização do soldado africano como representação legitimadora do poder colonial português em África, a análise apresentada revela como o discurso colonial recorreu à construção de estereótipos de modo a sustentar o seu domínio. Esta estratégia do discurso colonial é analisada por Homi Bhabha, em A Questão Outra (2005b), onde demonstra como as imagens da figura do Outro estão sempre minadas por um estereótipo informado por uma normalidade imposta pelo poder colonial que produz a dominação, a resistência ou a dependência dos colonizados sob a ideia do "fetiche". Para este autor, “o objectivo do discurso colonial é construir o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial a fim de justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e educação” (2005b: 149). Nessa construção, o Outro, o colonizado, é, ao mesmo tempo, “[…] um “outro” totalmente cognoscível e visível. Assemelha-se a uma forma de narrativa em que a produtividade e a circulação dos sujeitos e signos surgem ligados a uma totalidade reformada e reconhecível (2005b: 149). Um dos argumentos centrais de Bhabha em relação ao estereótipo está contido no título de Fanon Pele Negra, Máscaras Brancas em que a recusa da diferença transforma o súbdito colonial em inadaptado – numa imitação grotesca ou num “duplo” que ameaça cindir a alma e toda a pele, indiferenciada, do ego (2005b: 155). Deste modo, o estereótipo fornece o conhecimento da diferença, ao mesmo tempo que a recusa ou a mascara.

O argumento central de Bhabha, em relação ao poder do estereótipo no discurso colonial, é o seu carácter ambivalente. Apesar de situar o colonizado num conjunto amplo de posições em conflito e de optar por determinados posicionamentos conforme as conjunturas históricas, o estereótipo irá fornecer uma “identidade” colonial aos sujeitos coloniais. Neste sentido, “O negro é a um tempo selvagem (canibal) e, contudo, o mais obediente e digno dos servos […] é místico, primitivo, pobre de espírito e, contudo, o mais mundano e perfeito mentiroso, um manipulador das forças sociais” (2005b:165).

Ao mesmo tempo Bhabha defende que, no discurso estereotipado, “o nativo é progressivamente reformável sob determinadas condições de domínio e de controlo coloniais. Deste modo, ao recusar aos colonizados as capacidades de auto-governo,

independência e modos ocidentais de civilidade, confere autoridade à versão e missão oficiais do poder colonial (2005b: 165).

Nesta óptica, o estereótipo consegue imputar a responsabilidade do próprio domínio colonial à população colonizada por considerá-la, simultaneamente, “causa e o efeito do sistema, encerrada que é no círculo hermenêutico. Aquilo que é visível é a necessidade de tal domínio, justificado por essas ideologias de aperfeiçoamento moralista e normativas como a Missão Civilizadora ou o Fardo do Homem Branco (Bhabha, 2005b: 166).

Assim, verificou-se que, embora o combatente africano não tenha constituído, em termos gerais, a força sobre a qual recaiu o maior esforço de guerra entre 1961-1974, constituiu uma das figuras utilizadas pelo discurso colonial para legitimar a manutenção do seu poder em África.

O que importa realçar nesse discurso é a tentativa de transformar esses combatentes africanos em sujeitos activos da história dessa África então portuguesa onde o poder colonial, armado, lutava contra aqueles que dele se tentavam libertar. Até ao início da guerra, a imagem que persistia do africano, como nos revela Henriques, é aquela em que "[...] os africanos eram considerados como seres inferiores, sem história, sem civilização, sem capacidade de mobilização e de intervenção no seu próprio processo evolutivo" (2004: 299). Como se pôde verificar nalguns excertos apresentados, o combatente africano das FAP é descrito como um sujeito que apresenta características físicas e intelectuais que permitem, ao poder colonial, transformá-lo ou seja reformá-lo numa força militar ao serviço da defesa dos territórios portugueses. Em certos casos, algumas dessas características, bem como certas práticas e rituais que lhe são atribuídos, não se distinguem substancialmente daquelas marcas que permitiam construir o estereótipo do escravo ou do indígena, sujeitos primitivos, selvagens que só o sistema colonial poderia salvar, civilizando através da religião ou do trabalho.

Contudo, o que a análise apresentada também sugere é que, a partir do início das guerras, com a progressiva africanização das tropas portuguesas e com a visibilidade crescente concedida aos combatentes africanos e às suas virtudes heróicas, promovidas e exaltadas publicamente, a propaganda colonial procurou que o africano fosse representado como um dos defensores da manutenção do domínio português em África. Neste sentido, o poder colonial reformulou os estereótipos do africano de modo a ajustá-los aos constrangimentos que se colocavam à manutenção do seu regime.

Antes de mais, o recrutamento de africanos e o tipo de organização militar implementado pelo poder colonial, que privilegiou a criação de unidades mistas de combate, compostas por africanos e europeus154, e que graduou e condecorou combatentes africanos, serviu para dar resposta a exigências particulares colocadas pela guerra de guerrilha. Mas, ao mesmo tempo, a propaganda ideológica implementada sugere que o processo de africanização da força portuguesa serviu, igualmente, para manifestar, à nação portuguesa - que nela incluía os territórios africanos ocupados - e à comunidade internacional, a aplicação de uma política integracionista adequada a uma nação pluricontinental e pluri-racial.

Ao apresentar o combatente africano como um sujeito no qual as Forças Armadas e o Estado portugueses depositavam a sua total confiança, e ao caracterizá-lo como um soldado disciplinado, obediente, leal e agraciado com as mais altas condecorações do Exército, o poder colonial português renovou argumentos para reivindicar e legitimar a sua dominação em África. Desta vez, ao promover a ideia de que a África-portuguesa era defendida por combatentes africanos, o argumento que o poder colonial utiliza para justificar a manutenção do seu domínio é atribuído, em parte, aos "filhos da terra".

Para compreender este regime de discursividade e de visibilidade do soldado africano, torna-se ainda pertinente recorrer à análise de Edward Said proposta na sua obra Orientalismo, relativamente aos mecanismos de dominação e de configuração de imagens utilizados nos processos de colonização. Nessa análise, o Outro é objecto de uma construção que o reifica em representações que pouco ou nada correspondem à realidade. Essas representações, que consistem em invenções do Outro, foram necessárias, quer para subalternizar o colonizado, quer para o próprio processo de auto-definição do Ocidente. A construção do Outro, por diferenciação e inferiorização, é, para este autor, uma espécie de imagem invertida do colonizador que, por oposição se define como superior, desenvolvido, racional e humanitário, imagem que, por sua vez, é utilizada para legitimar as práticas discriminatórias impostas pelo Ocidente imperial.

Mas é, mais uma vez, a leitura que Bhabha propõe ao título de Frantz Fanon, Pele Negra, Máscaras Brancas, que é particularmente sugestiva para compreendermos estes

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Embora, no caso português, existissem unidades compostas exclusivamente por contingentes locais africanos - incluindo os seus oficiais, como foi especialmente o caso de comandos africanos da Guiné-Bissau -, e unidades em que apenas os oficiais e sargentos eram de origem portuguesa, as unidades de guarnição normal eram mistas (Portugal. Estado Maior do Exército, 1988: 120, 336).

estereótipos. Para Bhabha esta imagem de alienação cultural, contida naquele título, significa “[...] não o Eu e o Outro, mas a alteridade do Eu inscrita no palimpsesto perverso da identidade colonial” (2005: 75). De acordo com esta abordagem, esta figura do colonizado representa, no discurso colonial, uma “[...] imagem duplicadora, dissimuladora do ser em pelo menos dois lugares ao mesmo tempo […] (2005:76). Nessa imagem, “Não é o Eu colonialista nem o Outro colonizado, mas a perturbadora distância entre os dois que constitui a figura da alteridade colonial – o artifício do homem branco inscrito no corpo do homem negro" (Bhabha, 2005: 75).

Partindo desta sugestão, é difícil não ver nestes soldados, cuja visibilidade foi encenada e exibida repetidamente no discurso colonial, esta imagem duplicadora do português colonizador inscrita, pelo menos em termos de retórica corporal, no africano soldado da força colonial. Contudo, o combatente africano - parafraseando mais uma vez Bhabha – […] “quase o mesmo mas não tanto […]. Quase o mesmo mas não branco […]” (2005: 135), pode também ser interpretado como uma forma de identificação dividida, irónica e subversiva.

Bhabha situa esta contradição na própria enunciação colonial, que gera, assim, identificações camufladas, incompletas e indefinidas, que correspondem a um mimetismo ameaçador que “ao expor a ambivalência do discurso colonial também disrompe a sua autoridade” (Thomas, 2005: 184-185). Neste sentido, estas imagens miméticas, que não são meramente reprodutoras mas podem corresponder a um processo de apropriação corrosivo da autoridade colonial, constituem, por seu turno, uma proposta que impossibilita qualquer tipo de binarismo entre o mesmo e o outro.

Assim, de acordo com estas perspectivas, se os estereótipos, construídos e divulgados pelo poder colonial, servem o seu domínio, eles podem, ao mesmo tempo, constituir expressões de hibridez ou de mimetismo que desafiam e perturbam esse mesmo poder que os criou.

Apesar do eventual carácter subversivo e perturbador destes estereótipos, estas perspectivas partem do pressuposto que é no terreno definido pelo opressor que eles se constroem, presumindo, deste modo, que são pura e simplesmente construções impostas pelo poder colonial. Na mesma lógica de Gayatri Spivak, embora através de argumentos diferentes, estas perspectivas acabam por assumir que o colonialismo é de tal modo invasor que os colonizados se vêem privados “do fundamento a partir do qual poderiam articular palavras confrontacionais” (1988: 307).

Ver as respostas dos colonizados exclusivamente nestes termos é excluir a possibilidade dos mesmos terem alguma independência em relação às enunciações do colonialismo de forma que o seu mimetismo não seja apenas interpretado como uma rendição necessária ao poder colonial. A análise deste capítulo só nos permite, contudo, sugerir esta possibilidade em termos hipotéticos e deixar sem resposta esta dúvida em relação ao discurso colonial: a de saber como esse discurso foi projectado e recebido em África e, sobretudo, como influenciou as auto-percepções dos próprios africanos nomeadamente dos soldados africanos que são vistos e sabem que são vistos, que são exibidos e que se exibem, nos desfiles, nas comemorações, na entrega de medalhas e de prémios, locais vários de onde se retroprojectam.

O que as considerações apresentadas nos permitem concluir é que, ao longo da sua permanência colonial em África, Portugal recorreu a combatentes africanos nas suas Forças Armadas utilizando lógicas diversificadas. Houve momentos em que recrutou africanos-à-força e outros em que procurou seduzi-los através da possibilidade de ascensão social da qual poderiam beneficiar pertencendo à força colonial ou através da possibilidade de ocuparem, na guerra, lugares de destaque. Houve momentos em que o número de africanos na força colonial foi reduzido por desconfiarem da sua lealdade ou por considerarem que, tendo em conta as características de incivilidade e de inferioridade que lhes eram imputadas, eram incapazes de cumprir funções e de ter comportamentos adequados ao serviço militar e à guerra que só aqueles que eram considerados civilizados eram, simultaneamente, considerados capazes de desenvolver. Houve ainda situações em que o poder colonial beneficiou do apoio de forças africanas para lutar contra outros africanos que resistiam ao seu domínio. O que esta variedade de situações revela é a necessidade de reconhecer a complexidade e a multiplicidade de relações e de lógicas que se estabeleceram no encontro colonial e como a dominação colonial, nomeadamente através da guerra, se jogou num terreno onde interferiram vários condicionalismos que não partiram unilateralmente do lado do poder colonial.

Outra conclusão que a análise apresentada autoriza é a de considerar que os estereótipos dos soldados africanos das FAP, que durante as últimas guerras foram projectadas pela propaganda colonial, longe de serem pejorativos, enalteceram, glorificaram e enobreceram as suas qualidades enquanto combatente português. Ao representar o soldado africano como um dos representantes mais fiéis da manutenção do domínio português em África, o poder colonial, ao mesmo tempo que situa o africano no lugar do colonizador, transforma a imagem do colonizado e transfere-lhe parte da

responsabilidade da colonização. Esta representação do soldado africano das FAP, mais do que uma imagem duplicadora do colonizador, é uma imagem perturbadora da