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Angola: desmobilização e incorporação nas forças militares dos movimentos nacionalistas

Independências e Desmobilização dos Combatentes Africanos

2. Angola: desmobilização e incorporação nas forças militares dos movimentos nacionalistas

Em Angola o processo de desmobilização dos combatentes africanos das FAP não aconteceu imediatamente após o golpe militar do 25 de Abril. Pelo contrário, enquanto em Portugal se gritava "nem mais um soldado para as colónias", em Angola ainda eram recrutados homens para cumprirem o serviço militar155. Todavia, desde o início das conversações que conduziram à assinatura dos Acordos de Alvor que a desmobilização dos combatentes africanos integrados na força portuguesa era motivo de preocupação156.

Angola foi, sem dúvida, o caso mais complexo no que respeita a negociação e transferência de poderes para a concretização da independência. Para além de ser a colónia onde se encontrava o maior número de população portuguesa oriunda da metrópole, e que poderia causar problemas por poderem sentir-se atraídas pelas soluções políticas da África do Sul e da Rodésia, a presença de três movimentos de libertação - o MPLA, a FNLA e a UNITA -, dificultou a concretização das negociações para a independência (Coutinho, 1994: 57). Esta fragmentação dos movimentos de libertação foi, em grande parte, responsável pelas dificuldades que se encontraram em

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Em Outubro de 1974 ainda eram incorporados e instruídos homens do recrutamento local em Angola, embora se ponderasse a sua suspensão devido ao agravamento do estado disciplinar e psicológico das guarnições, especialmente as dos contingentes do recrutamento normal, chegando-se mesmo a falar em generalização das situações de indisciplina e desobediência. Para controlar esta situação, Rosa Coutinho, a 11 de Setembro de 1974, na época comandante-chefe de Angola, propõe, entre outras medidas, que se procedesse à suspensão da incorporação e instrução de novos contingentes. A redução do número de efectivos daí resultante seria compensada por unidades de reforço que iriam de Portugal para Angola já completas "[...] eliminando-se as mesclagens" (ADN, cx.6115.2).

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Essa preocupação é evidente nos documentos que registaram a preparação dos Acordos de Alvor. Ver, a este propósito, no AHM, o processo 43/6/842/43.

estabelecer o cessar-fogo em Angola, processo, aliás, que sofreu avanços e recuos até à saída de Portugal do território157.

O cessar-fogo só foi conseguido no dia 21 de Outubro de 1974, constituindo-se no primeiro passo para o debate e o desfecho dos Acordos de Alvor, assinados a 15 de Janeiro de 1975. Estes acordos viriam a determinar não só a data definitiva da independência de Angola, como todos os trâmites considerados, na época, necessários para a resolução da transferência de poderes, inclusive o problema da desmobilização dos soldados do recrutamento local das forças militares portuguesas.

Durante as negociações foram três os principais motivos de preocupação discutidos em relação a estes combatentes: os prazos da sua desmobilização; a sua amnistia e a sua situação económica.

Quanto aos prazos de desmobilização, no início do mês de Janeiro de 1975, durante as reuniões de preparação dos Acordos de Alvor, a delegação portuguesa informava que à data, os cerca de 20 000 homens de origem angolana que ainda fariam parte dos efectivos das FAP estariam a passar à disponibilidade158. Ao mesmo tempo, acordava-se que a desmobilização da totalidade do contingente africano em Angola estaria concluída no dia 15 de Março desse mesmo ano159.

Quanto à amnistia dos antigos combatentes, foi a delegação portuguesa que, várias vezes ao longo das negociações, procurou esclarecer a situação em que ficariam esses milhares de homens com a independência de Angola. Foi Melo Antunes quem levantou o problema da amnistia, no dia 12 de Janeiro, observando que

[...] há necessidade de encarar esse problema, visto que existem milhares de homens que aguardam e querem saber como vão ser tratados pelo facto de

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Sobre os problemas e negociações para o cessar-fogo entre Portugal e os três movimentos, consulte-se Cervelló (1998: 88-94).

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Chegou-se a acordo sobre o desarmamento e desmobilização de todas as forças militarizadas em Angola, de origem local ou não, incluindo todas as forças auxiliares, bem como a Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil de Angola (OPVDCA), as milícias, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Rural.

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Estes prazos ficaram determinados no anexo dos Acordos de Alvor, para onde também foram remetidas as resoluções acordadas sobre esta matéria. Nessa data, Pezarat Correia, membro da delegação portuguesa, esclareceu ainda que os Grupos Especiais, que calculava que em Angola, seriam, na altura, uns 100, cada um composto por 30 elementos, e as Tropas Especiais, que seriam à volta de 500 elementos, já estavam todos extintos e os seus elementos teriam regressado às suas vidas civis. Quanto às forças que dependiam da PIDE/DGS, os Flechas estariam a ser desmantelados, enquanto a situação dos Fiéis catangueses e dos Leais zambianos, que formavam forças auxiliares em Angola, estavam a ser desmantelados e passariam à situação de refugiados. Embora a UNITA tenha proposto que todas estas forças auxiliares e especiais fossem totalmente extintas até ao dia 31 de Janeiro, a delegação portuguesa propôs que, por motivos técnicos decorrentes de um processo complexo e que poderia provocar choques psicológicos, essas forças "[...] deviam ser desarmadas e completamente desmobilizadas, até ao dia 15 de Março de 1975", data que coincide com a da desmobilização de todos os angolanos que servissem o Exército português (AHM, processo 43/6/843/44).

terem sido obrigados a servir o Exército Português pois que eles foram juntamente com o povo angolano as vítimas do colonialismo e que nós nos empenhámos em encarar esse problema com maior humanidade possível. Há o problema também dos homens que foram alienados por todo o sistema que os ultrapassou e pelo domínio do obscurantismo colonialista que os obrigou a servir nas fileiras do Exército Português. Esse problema tem que ficar claro. Portanto é uma questão que eu admito que não possa ficar no Artigo 8 e haja da vossa parte certa relutância, em integrar estes casos, mas que deve ficar também neste acordo ou então, no anexo. Agradecia que este problema ficasse levantado desde já (AHM, processo 43/6/843/44).

Esta questão voltou a ser colocada, desta vez por Almeida Santos, no dia 14, quando pediu que as três delegações considerassem as vantagens e desvantagens da amnistia "[...] especialmente em relação aos soldados angolanos que combateram ao lado das nossas tropas" lembrando, ao mesmo tempo, que já se tinha combinado tratar deste assunto no protocolo anexo. O MPLA começou por dizer que os três movimentos deveriam estudar o assunto, mas acrescentou que não se podia "[...] incluir na mesma disposição deste acordr (sic) a amnistia dos actos que foram praticados para servir os interesses do povo e aqueles que pelo contrário foram contra o interesse do povo"(AHM, 43/6/843/44).

No mesmo dia, a UNITA informou que "trocamos impressões sobre a questão das amnistias e propusemos o seguinte: «Instâncias governativas de Angola procurarão encarar com espírito de clemência os actos criminosos praticados contra o povo de Angola pelos elementos angolanos integrados no exército e noutras formações militares por instigação do Colonialismo Português" (AHM, 43/6/843/44).

Nas reuniões do dia da assinatura do acordo discutiu-se, novamente, o problema das amnistias e o que ficou acordado entre as delegações foi que os movimentos de libertação se declaravam

[...] dispostos a encarar com clemência os actos criminosos contra o povo angolano cometidos por angolanos ou por portugueses domiciliados em Angola, nomeadamente pelos indivíduos integrados nas organizações militares

ou para-militares por iniciativa da autoridade colonial (Art.2.º do Anexo)160.

Nos Acordos de Alvor, o artigo 9.º é o único que faz referência à amnistia que estabelece que "com a conclusão do presente acordo consideram-se amnistiados, para

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Por acordo estabelecido entre as delegações, o anexo ao Acordo de Alvor, que tratava especificamente das questões militares, não foi divulgado. Anexo ao Acordo disponível no Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, página consultada em 2 de Maio de 2009, http://213.228.163.33/cd25a/ShowPdf.asp?id=562949953682354.

todos os efeitos, os actos patrióticos praticados no decurso da luta de libertação nacional de Angola, que fossem considerados puníveis pela legislação vigente à data em que tiveram lugar" (Acordo de Alvor, AHDMNE, 1316-PAA: 944).

No que respeita a situação económica em que ficariam após passarem à disponibilidade, a UNITA e o MPLA insistiram, repetidamente, que o Governo Português devia assegurar a subsistência dos antigos combatentes angolanos após a sua desmobilização, pelo menos durante o período de transição, independentemente de pertencerem ou não ao quadro das FAP. A delegação portuguesa esclareceu que a desmobilização de soldados angolanos dizia respeito aos indivíduos a cumprir o serviço militar obrigatório, e que em relação a estes Portugal não podia criar condições de subsistência excepcionais161. Assim a sua situação seria avaliada segundo as mesmas leis daquelas que eram aplicadas aos antigos combatentes de origem portuguesa. Quanto aos combatentes que pertenciam ao quadro permanente das FAP, a delegação portuguesa acrescentou que seria dado o direito de opção de permanecerem nas suas fileiras e que a sua situação estava salvaguardada conforme o previsto na lei portuguesa, inclusive o seu direito à reforma.

Em relação às Tropas Especiais e aos Flechas, estas forças foram desmobilizadas e receberam indemnizações do Estado português pelo seu apoio às forças portuguesas. As Tropas Especiais - maioritariamente constituídas por ex-guerrilheiros da FNLA -, terão aceitado o programa de desmobilização e as indemnizações oferecidos pelas autoridades portuguesas e regressaram às suas terras "[...] onde é provável que grande parte tivesse

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A delegação da UNITA começou por observar que em relação aos soldados das FAP não era conveniente "despedi-los sem ter um projecto para o seu futuro e não ficarem desamparados na sociedade". Mesmo após os esclarecimentos dados pela delegação portuguesa, a UNITA insistiu que o Governo Português devia "[...] garantir-lhes a subsistência durante o período de transição pertençam ou não ao quadro permanente" e em relação aos do quadro permanente defendia, ainda, que era necessário acautelar-lhes "o direito de reforma segundo a lei portuguesa". Relativamente à garantia de subsistência dos antigos combatentes, Melo Antunes respondeu que “[...] o Governo Português não pode aceitar esta cláusula, pois não foi concedida nenhuma regalia deste tipo aos militares do exército português. É uma Lei Constitucional que não pode ser revogada por este acordo. Em relação aos militares do quadro permanente, esclareceu que a sua situação estava salvaguardada e que não era aceitável incluir uma cláusula naquele acordo, "[...] visto que qualquer militar angolano que esteja a servir o exército português e que tenha condições – segundo a lei – para passar à reforma, recebe, porque isto está previsto na lei portuguesa". O MPLA colocou a possibilidade dos combatentes africanos que desejassem ficar mais tempo nas forças portuguesas mas que teriam de ser desmobilizados pudessem vir a receber uma compensação. Mais uma vez Melo Antunes insistiu que “em relação aos soldados portugueses que estão justamente nas mesmas condições, o Estado Português não pode garantir também os meios de subsistência durante todo o tempo em que em condições anormais estariam nas fileiras.” Concluiu que não poderiam abrir excepções. O MPLA ainda sugeriu que em relação ao quadro permanente seria necessário que ficasse expresso, nos Acordos, que o Estado Português garantiria a sua subsistência, o que segundo, Melo Antunes, não era necessário já que se tratava de um assunto que "[...] decorre da lei portuguesa e justamente tinha em mente todos os que servem o exército" encerrando, deste modo, a discussão sobre esta matéria (AHM, processo 43/6/843/44).

aderido às forças da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)" (Coelho, 2003: 192).

O processo de desmobilização dos Flechas foi mais delicado. Tratava-se de uma força especial acostumada a grande autonomia nas operações, ao mesmo tempo que dependeu da PIDE/DGS durante a guerra, dificultando, assim, o seu controle por parte das forças militares portuguesas. Por essas razões, com receio que o seu aproveitamento, por parte das forças militares dos movimentos de libertação, precipitasse uma situação que já de si era altamente preocupante, a sua desmobilização foi sendo adiada. "A previsão das autoridades, nesta altura, era de que três quartos do contingente se integrariam na UNITA, um quarto no MPLA, e uma franja insignificante na FNLA, o que não terá estado muito longe da realidade", segundo as observações de Coelho (2003: 192).

Embora esta pesquisa não contemple a análise das forças africanas estrangeiras mobilizadas pelas forças portuguesas durante as guerras de libertação cabe, contudo, esclarecer que as autoridades portuguesas tomaram providências no sentido de tentar a sua integração no novo contexto angolano. Os Leais162 terão sido integrados nas forças sul-africanas e na UNITA, enquanto os Fiéis163 terão passado para as forças do MPLA (Coelho, 2003: 193).

Dez dias após a assinatura destes Acordos, a FNLA ataca a Emissora Oficial de Angola, controlada pelo MPLA (Cervelló, 1998: 95). Embora se tenha conseguido chegar a novos acordos de cessar-fogo, este episódio assinala o início de uma onda de violência que acabará na internacionalização do conflito, na suspensão dos Acordos de Alvor por parte das autoridades portuguesas, e na sua retirada de Angola antes mesmo da proclamação da independência164.

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Documentos revelam que o Comandante-chefe de Angola considerava urgente solucionar o problema dos Leais zambianos cuja situação poderia tornar-se comprometedora. Acrescentava-se que os Leais e suas famílias desejavam voltar à Zâmbia desde que seu governo garantisse a sua integridade e liberdade. Para aprofundar a situação dos Leais consultem-se documentos do AHDMNE (1204-PAA).

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O caso dos Fiéis ocupou e preocupou particularmente as autoridades portuguesas, não só no contexto angolano como naquele que envolvia os seus vizinhos, nomeadamente o Zaíre. Coelho ressalva também que é possível que muitos Fiéis tenham integrado forças Sul-africanas decorrente das orientações de uma secção conservadora das novas autoridades portuguesas (Coelho, 2002:149). Para conhecer alguns pormenores acerca destas preocupações consulte-se Coelho (2003: 193) e o AHDMNE (1316-PAA: 944).

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Suspensão dos Acordos de Alvor pelo Decreto-lei n.º458-A/75 de 22 de Agosto de 1975. Para conhecer os problemas e negociações entre o Movimento das Forças Armadas e os três movimentos, os confrontos entre as forças dos três movimentos e a internacionalização do conflito e a suspensão dos Acordos de Alvor a partir dessa época até à independência, veja-se, por exemplo, Cervelló (1998: 94-99) e Almeida Santos (1998:117).

Se as antigas rivalidades entre estes movimentos tiveram como resultado o início de um novo conflito armado que se prolongaria durante várias décadas, foram também estas rivalidades que permitiram que os antigos combatentes africanos das FAP se integrassem, sem problemas, na sociedade angolana, embora pelas piores razões165. Por um lado, a guerra civil permitiu que o que " [...] opunha angolanos dos movimentos de libertação contra angolanos das Forças Armadas [...]" desaparecesse, assistindo-se "[...] a uma corrida dos movimentos de libertação para integrarem, nas suas fileiras, os militares e auxiliares desmobilizados das Forças Armadas Portuguesas" (Correia, 2000: 151). Por outro lado, a invasão de Angola pela África do Sul em 1975, pressionou o novo regime independente, que tinha um exército fraco, a recrutar homens militarmente qualificados para lutar neste novo contexto (Coelho, 2002:148).

Segundo os dados disponíveis, o MPLA parece ter incorporado uma quantidade muito significativa desses combatentes africanos, contudo as forças militares dos outros movimentos também o fizeram. Segundo Ana Leão e Martin Rupiya um dos resultados imediatos do 25 de Abril em Angola foi o "[...] êxodo de nacionalistas Angolanos das forças armadas Portuguesas para o movimento à sua escolha – MPLA, FNLA ou UNITA, levando com eles tanto armamento quanto possível166" (2005: 15). A escolha dos movimentos parece ter obedecido a uma variedade de factores, tais como "[...] a distribuição regional das forças, laços familiares e étnicos, conhecimento pessoal e existência de amigos nos diferentes movimentos167" (Leão e Rupiya, 2005: 16). Calcula-se que grande parte dos GEs, cerca de 3 000 dispersos um pouco por todo o território, mas concentrados maioritariamente no norte e no leste, integrou as forças do MPLA, mas que a FNLA também incorporou alguns deles, tornando-se, segundo Coelho "[...] na força militar mais influente do norte, ameaçando directamente Luanda" (2002:148). Os GEs foram recrutados para aqueles movimentos de acordo com a zona de influência de cada um deles (Coelho, 2003: 192-193 Cervelló: 89).

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A UPA, depois FNLA, o MPLA e a UNITA separaram-se por várias divergências e rivalidades que conduziram, inclusive, a conflitos armados em Angola durante a guerra 1961-1974. A juntar-se ao problema das rivalidades entre os movimentos nacionalistas em Angola, somava-se a ausência de unidade no seio do MPLA. Fragmentado em três facções, a de Daniel Chipenda, a dos Irmãos Andrade e a de Agostinho Neto, o MPLA, e sobretudo a última facção, a presidencial, mantinha contactos privilegiados com as autoridades portuguesas, decorrentes das suas anteriores ligações com a oposição portuguesa, os quais se intensificaram, principalmente desde a demissão de Spínola, em finais de Setembro de 1974. Sobre os planos político-militares, a formação e as rivalidades desses movimentos, consulte-se Rodrigues (2000: 102-103), Cann (2005: 29-30), Nunes (2002: 18-25) Cervelló (1998: 89-91) e Coutinho (1994: 57), entre outros.

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Tradução nossa. 167

Por sua vez, a incorporação de tropa africana nas forças do MPLA foi rodeada pela suspeita de que seria o próprio Movimento das Forças Armadas (MFA) que estaria a contribuir para esta transferência. De acordo com esta suspeita, o Estado Português não estaria a ser imparcial na mediação dos Acordos de Alvor, apoiando o MPLA na sua corrida pelo poder em Angola, nomeadamente através da entrega de armas (Leão e Rupiya, 2005: 15)168.

Embora a generalização e internacionalização da guerra em Angola tenham obrigado ao recuo do dispositivo militar português enfraquecido, e, em Portugal, sobretudo a partir do 'verão quente', as forças políticas tenham deixado de reunir consenso em relação ao apoio privilegiado que, até então, as Forças Armadas prestavam ao MPLA e, desde os primeiros incidentes em Luanda, tenham declarado a sua 'neutralidade activa', as forças portuguesas não deixaram de apoiar Agostinho Neto até à suspensão dos Acordos de Alvor em Agosto de 1975 (Cervelló, 1998: 97-98).

As forças militares do MPLA conseguiram, com a ajuda dos antigos combatentes africanos das forças militares portuguesas, manter o seu poder em Luanda após expulsar a FNLA e a UNITA, retomar o controlo do nordeste de Angola e expulsar a FLEC de Cabinda (Cervelló, 1998:93-94; Coelho, 2003: 193).

Portugal retira-se de Angola e a sua independência é proclamada em três frentes: em Luanda pelo MPLA, em Ambriz pela FNLA, e pela UNITA em Nova Lisboa, no dia 11 de Novembro de 1975.

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Estas suspeitas são lançadas pelo FNLA ainda antes da assinatura dos acordos, como se pode atestar em documentos datados do mês de Dezembro de 1974. A FNLA acusava uma facção influente do Governo Português de apoiar o MPLA, numa tentativa de impor a Angola uma orientação política semelhante à de Portugal. Suspeitava-se também que o MFA estaria a preparar uma ocupação do poder por parte de Agostinho Neto e que as autoridades de Luanda permitiriam a entrada de armas provenientes da Zâmbia e do Congo destinadas a forças do MPLA. Nestes documentos mencionava-se que estariam a ser desmobilizados soldados africanos do Exército português para serem integrados no MPLA, e que teriam também planeado integrar ex-gendarmes catangueses (AHDMNE, 596-PAA: 944,161; 1316-PAA: 944). O mesmo tipo de suspeitas continua após a assinatura dos Acordos de Alvor. Por exemplo, dois telegramas enviados pela Embaixada Portuguesa em Kinshasa ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, datados de Maio de 1975, informavam que a FNLA tinha divulgado um comunicado segundo o qual o ministro português dos negócios estrangeiros Melo Antunes, no decurso da sua estadia em Luanda, teria dado instruções a oficiais do exército português para intervirem, com os seus soldados, ao lado do MPLA caso ocorressem novos incidentes. Caso esse apoio se verificasse, acrescentavam, comprometiam-se os Acordos de Alvor. Salientava-se, ainda, que a FNLA considerava que esse apoio estava na origem dos últimos conflitos sangrentos verificados em Luanda, no Luso e em Nova Lisboa. Outro telegrama, datado de 14 de Julho de 1975, enviado pela mesma embaixada, informava o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que circulavam notícias sobre o apoio de blindados do Exército português ao MPLA contra forças da FNLA em Luanda, acrescentando que "esta presença tropas portuguesas lado MPLA constitui violação compromissos assumidos ultimamente entre Portugal e Zaire. Termos aqueles compromissos, Portugal não deveria dar impressão apoiar MPLA e Zaire devia, por seu lado, adoptar mesma atitude no que respeita FNLA" (AHDMNE, 1316-PAA: 944).