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1. ESTRUTURA REGULATÓRIA PARA O PLANEJAMENTO DA EXPANSÃO DA

1.2 Quadro Institucional

1.2.5 Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

Em 26 de dezembro de 1996, por meio da Lei nº 9.427, é criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). No ano seguinte, o Decreto nº 2.335/97 constitui a Agência como autarquia sob regime especial, aprovando sua estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e funções de confiança.

Observe-se que a ANEEL foi criada no mesmo cenário em que se implantou o Programa Nacional de Desestatização (PND) (Lei nº 8.031/1990), e quando se esperava a privatização das empresas estatais (Lei nº 8.631/93). Esperava-se então da Agência a capacidade de mediar questões setoriais decorrentes da participação privada no setor e de gerir, de forma independente, a futura concorrência que se estabeleceria. A criação da ANEEL se estabeleceria, assim, como marco no desenvolvimento do mercado energético nacional. Atualmente, a ANEEL impõe para si como missão “proporcionar condições

favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade”.45

As competências da Agência Reguladora estão previstas no artigo 4º, do Decreto nº 2.335/97, podendo suas atribuições ser assim resumidas: (1) regulação da geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica; (2) fiscalização das concessões, permissões e serviços de energia elétrica; (3) implementação de políticas e diretrizes do governo federal relativas à exploração da energia elétrica e ao aproveitamento dos potenciais hidráulicos; (4) estabelecimento de tarifas, mediante rigorosos critérios técnicos; 5) atuação como mediador, na esfera administrativa, entre os agentes e consumidores; 6) concessão de outorgas, por delegação do Governo Federal.

A ANEEL é ainda responsável pela aprovação de estudos de inventário, viabilidade e projetos básicos dos aproveitamentos hidrelétricos do País.

No que diz respeito à UHE São Manoel, é preciso lembrar que, por meio do Anexo VIII ao Edital de Leilão nº. 10/2013-ANEEL46, Processo nº. 48500.004241/2013-46, a ANEEL informava as características técnicas e informações básicas para a exploração da UHE São Manoel para os interessados na participação do certame.

Após a realização do certame, cabe ainda à ANEEL elaborar o Relatório de Análise de documentação da habilitação apresentado pelo vencedor do Leilão. No caso em tela, foram examinados, em fevereiro de 2014, os documentos apresentados pelo Consórcio Terra Nova (formado, à época, por EDP (66,66%) e Furnas (33,33%)47), que se sagrou vencedor no leilão e se tornou o empreendedor responsável pela UHE São Manoel.

Da mesma forma que ocorre com a EPE, vale indagar se está preservada a imagem da Agência Reguladora como órgão técnico independente, cujas decisões possam contar com a deferência técnica, sejam elas favoráveis ou não aos planos de governo para o setor elétrico.

Em relação ao corpo técnico, a ANEEL e a EPE contam com um quadro de pessoal escolhido por meio de concurso público. Não obstante as diferenças entre os regimes de contratação (Lei 8.112 e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)), a formação de uma equipe multidisciplinar por meio idôneo, que conta com mérito individual de cada empregado, garante certa consideração pelos trabalhos desenvolvidos.

45 BRASIL. ANEEL. Disponível em: www.aneel.gobv.br. Acesso em: 18/12/2016. 46 Documento disponível no sítio eletrônico da ANEEL

47

Há que ser registrado que a ANNEL, em 14 de julho de 2014, por meio da Resolução Autorizativa nº 4749, aprovou a transferência de participação da EDP Energias do Brasil na UHE São Manoel para a empresa CWEI Brasil, controlada pela China Three Gorges.

A despeito da formação das equipes de trabalhos tanto na ANEEL quanto na EPE, empresa estatal totalmente dependente do Tesouro Nacional, como visto anteriormente, estes órgãos sofrem com restrições orçamentárias consideráveis, o que lhes retira, ao menos em parte, o poder para melhor empenhar seus esforços, principalmente se contrários às decisões de governo.48 Não se pode olvidar que, para garantir efetivamente a independência de um órgão, principalmente uma autarquia especial, é preciso que lhe seja conferida independência financeira, gerencial, política, normativa e decisória.

Encontrada assim mais uma dificuldade – ausência de independência financeira – para assegurar a realização imparcial das atividades dos citados órgãos ligados de planejamento e organização do setor elétrico.

Cabe ainda observar que a simples afirmação de que a Agência Reguladora seria o ente mais preparado para tomar decisões eminentemente técnicas no setor de energia elétrica, considerando sua expertise, não se mostra mais suficiente para afastar o pronunciamento do Poder Judiciário sobre questões que, a princípio, estariam fora de seu campo de atuação. Em outras palavras, a deliberação do órgão técnico competente, na seara administrativa, sobre determinado assunto, não impede que o Poder Judiciário desça a detalhes e decida de forma totalmente diversa do órgão técnico.

Ao tratar sobre capacidades institucionais, assunto que será abordado durante a análise das ações judiciais, Diego Werneck Arguelhes e Fernando Leal destacam que:

O primeiro desses problemas é o de um tipo institucionalismo que, embora pareça descer ao nível dos fatos, no fundo mantém-se apenas no plano das intuições sobre esses fatos. Se colocarmos mais uma vez os limites do controle judicial de decisões de agências reguladoras como referência, esse tipo de problema é perceptível quando trabalhos ou decisões comparam as capacidades do Poder Judiciário e das Agências apenas com base em afirmações como “as agências são desenhadas para lidar com problemas técnicos e, por isso, possuem aparato técnico disponível capaz de permitir que os seus membros emitam juízos mais seguros sobre como decidir certas questões do que os juízes”. Essa afirmação pode ser intuitiva em abstrato e pode até efetivamente se confirmar na realidade. Mas o problema é exatamente o “pode”. O argumento das capacidades institucionais exige comparações empiricamente informadas sobre as habilidades de juízes e administradores públicos – e não apelos intuitivos que, quase sempre, referem-se a limitações dos juízes e nada afirmam sobre as capacidades de membros de Agências Reguladoras. [...] Podemos encontrar exemplos possíveis também nos debates sobre o controle judicial

48 “Além da independência funcional, a independência financeira tem papel fundamental, visto que a sua

ausência subjugaria as agências à vontade do controlador do orçamento, que no caso brasileiro é fortemente influenciado pelo Poder Executivo. Deve-se mencionar ainda o controle que o Poder Legislativo pode exercer sobre a atuação das agências reguladoras por meio da aprovação do orçamento federal. Sem prejuízo do devido controle do uso dos recursos públicos, a autonomia financeira é imprescindível, especialmente em relação ao Poder Executivo, sob pena do total esvaziamento da atuação de determinada agência em razão de motivações políticas ou exclusivamente em resposta à pressão de lobbies”. OLIVEIRA, Gesner; WERNECK, Bruno; MACHADO, Eduardo Luiz. Agências Reguladoras: A Experiência Internacional e a Avaliação da Proposta de Lei Geral Brasileira. Brasília: CNI -Confederação Nacional da Indústria, 2004.

da atuação de agências reguladoras. Em trabalhos doutrinários, pode haver um tratamento assimétrico na comparação entre agências e tribunais. Isso ocorre quando, do lado dos juízes, enfatizam-se aspectos reais do exercício das atividades da maior parte desses profissionais – como o elevado número de processos, a formação generalista e inadequada para lidar com problemas complexos, a carência de suporte técnico para enfrentar problemas extrajurídicos. De outro, quando se compara o Judiciário com uma visão idealizada do que são agências reguladoras, ignorando problemas e riscos que, no mínimo em princípio, poderiam ocorrer na prática dentro do desenho institucional brasileiro, como, por exemplo, a possibilidade de captura. Só é possível reconhecer os limites de um controle externo sobre os agentes reguladores quando se incorpora a possibilidade de que esses agentes podem também falhar.49(Grifos nossos).

Desse modo, é imperiosa a necessidade de fortalecer os órgãos técnicos institucionais, especialmente a ANEEL e EPE, assegurando-lhes, em primeiro lugar, as autonomias que lhe foram prometidas pela legislação de criação e, em segundo lugar, construindo argumentos mais robustos para que haja deferência quanto às suas deliberações e decisões administrativas, não apenas porque detêm poderes conferidos legalmente para tanto, mas porque sua forma de atuação – de alto valor técnico, imparcial, garantindo a participação pública efetiva, entre outros qualidades ‒ deixaria pequena margem de atuação e intromissão por parte do Poder Judiciário.