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1. ESTRUTURA REGULATÓRIA PARA O PLANEJAMENTO DA EXPANSÃO DA

1.3 Instrumentos

1.3.1 Plano Nacional de Energia (PNE)

O Plano Nacional de Energia tem como meta projetar cenários e estratégias para o planejamento do setor energético brasileiro em um horizonte de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos adiante. Apresenta-se, assim, como instrumento balizador tanto para o governo quanto para o mercado.

Para tratarmos do planejamento do setor energético brasileiro, é necessário diferenciar previamente as noções de ‘matriz energética’ e ‘matriz elétrica’, nos seguintes termos:

A matriz energética de um país é a representação quantitativa do conjunto de recursos energéticos primários disponíveis e utilizados para transformação, distribuição e consumo no seu processo produtivo. De uma forma mais ampla, é a oferta de energia primária que move todos os setores da economia de um país, dos combustíveis líquidos derivados do petróleo que são queimados nos motores dos automóveis à energia cinética das águas. [...]

A matriz elétrica é parte da matriz energética de um país. Nela está concentrada toda a oferta de recursos energéticos primários destinada exclusivamente para geração de eletricidade. No Brasil, com exceção do setor de transportes, todos os demais setores

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Esquema inspirado na apresentação de Márcio ZIMMERMANN, em 2007, pela Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético – MME ao Senado Federal (com alterações). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/esa/v16n4/a08v16n4.pdf. Acesso em: 18/12/2016.

Plano Nacional de Energia Plano Decenal de Expansão Estimativas iniciais Estudo de Viabilidade Políticas e Diretrizes CNPE Licitação e Concessão Estudos de Inventário

da economia nacional fazem uso intensivo de energia elétrica. A matriz elétrica brasileira é caracterizada pela extraordinária participação dos recursos hídricos (70,6%), como é possível ver na Figura 3. As fontes eólica e biomassa complementam as renováveis da matriz elétrica nacional, as quais correspondem, aproximadamente, a 80% do total. Gás natural, derivados de petróleo, carvão mineral e urânio representam os 20% de fontes não renováveis.65 (Grifo nosso).

Em resumo, a matriz elétrica se apresenta como o conjunto de fontes66 hábeis a gerar energia elétrica, sejam estas fontes renováveis ou não, uma vez que a “eletricidade pode ser obtida pela força da água (hidráulica), pelo vapor da queima de combustíveis fósseis (termelétricas) e pelo calor produzido pela fissão do urânio no núcleo de um reator”.67

Considerando tais definições, o PNE se propõe a desenvolver um estudo de planejamento de longo prazo de caráter energético, indo além dos dados referentes à energia elétrica.

O PNE é formado por cinco estudos: macroeconomia; economia setorial; demanda de energia; recursos energéticos; e oferta de energia, os quais, antes da elaboração final e formalização do plano, são divulgados de forma gradual ao mercado, para colheita de colaborações.

A elaboração de um plano complexo, com tão largo horizonte temporal, exige acompanhamento constante das variáveis utilizadas, uma vez que “mudanças estruturais, conjunturais e tecnológicas [...] podem alterar por completo as projeções feitas”.68

Em abril de 2007, foi disponibilizado o primeiro Plano Nacional de Energia, com horizonte para o ano de 2030, onde já eram indicados os estudos de viabilidade para implantação de empreendimentos no Rio Teles Pires. Para sua elaboração, a EPE buscou a colaboração não só de agentes do setor energético nacional, como também de outros órgãos e entidades, públicos e privados, a partir de reuniões, seminários, consultas públicas e diversas notas técnicas, ocorridos entre os anos de 2005 e 2007.

Importante destacar que o PNE é tomado como guia para elaboração do Plano Decenal de Energia (PDE). Como exemplo, cite-se a previsão para expansão da geração de energia na Bacia do Amazonas69, indicada no PNE e depois revisitada nos últimos PDEs.

65 REIS, Ciro Marques. Diversificação da Matriz Energética Brasileira: Caminho para a Segurança

Energética em Bases Sustentáveis. Rio de Janeiro: CEBRI, 2015.

66 Além da classificação como renováveis e não renováveis, as fontes de energia podem ser subdivididas em

convencionais (energia hidráulica; gás natural; carvão mineral; derivados do petróleo; energia nuclear) e não convencionais (energia eólica, solar e de biomassa).

67 COSTA. Igor Sporch da; VALADÃO, Julia Barros. Matriz energética elétrica brasileira: considerações sobre

as fontes que a compõem em uma noção ampla de sustentabilidade. Revista de Direito da Cidade, v. 07, n. 02. 2015 UERJ. Disponível em: http://dx.doi.org/10.12957/rdc.2015.16970. Acesso em: 18/12/2016.

68 BRASIL. EPE. Nossa História. 2016. Livro Digital disponível em: http://www.epe.gov.br/Paginas/EPE

Interessante ressaltar que o PNE 2030 também previa ações proativas relativas ao Meio Ambiente para viabilização de empreendimentos hidrelétricos, quais sejam:

 efetuar integração efetiva dos aspectos socioambientais desde os estudos de inventário das bacias hidrográficas, visando minimizar os impactos socioambientais, mas também preservar o potencial hidrelétrico que o país dispõe;

 elaborar os estudos socioambientais com a qualidade necessária e articuladamente com as demais áreas de planejamento (por exemplo: estudos energéticos, de engenharia, etc.);

 considerar as especificidades dos ecossistemas e das comunidades locais, de forma articulada com as diretrizes e estratégias da área ambiental e com as demais políticas públicas para o desenvolvimento regional.

 promover ampla e constante articulação com organismos ambientais (MMA, IBAMA, FUNAI, INCRA, etc.), Ministério Público e sociedade em geral;

 procurar soluções alternativas de engenharia para áreas sensíveis (por exemplo: derivações para adução; rebaixamento da cota de reservatórios, reduzindo área alagada; procedimentos operativos especiais; alteamento de torres; técnicas construtivas especiais).

Mais recentemente, em 12 de agosto de 2014, a EPE disponibilizou em seu sítio eletrônico o estudo “Cenário Econômico do PNE 2050”70

, o primeiro de cinco estudos a comporem o PNE 2050.

Logo em seguida, no dia 19 de agosto de 2014, foi também disponibilizado pela EPE o segundo dos estudos que integram o PNE 2050: “Demanda de Energia 2050”, contendo as projeções para a demanda de energia total, o que inclui gasolina, etanol, eletricidade, entre outros.

A partir da disponibilização dos estudos, são realizadas reuniões temáticas entre técnicos da própria EPE, especialistas do meio acadêmico e do setor produtivo e diversas outras entidades71, dentre estas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

69 BRASIL. EPE, Plano Nacional de Energia 2030. 2007. Caderno Geração Hidrelétrica, p. 35. Disponível

em: http://www.epe.gov.br/PNE/20080512_3.pdf. Acesso em: 18/12/2016.

70 “Neste estudo são apresentados o cenário econômico de longo prazo, suas premissas demográficas e setoriais,

além das perspectivas de preços de petróleo e gás natural consideradas para o longo prazo”. BRASIL, EPE. Nossa História. 2016. Livro Digital. Disponível em: http://www.epe.gov.br/Paginas/EPE contasuahist%C3 %B3riaemlivrodigital.aspx. Acesso em: 18/12/2016.

71 A FGV Energia promoveu no dia 11 de junho de 2015 o debate sobre o cenário energético no Brasil no âmbito

do Planejamento Energético de Longo Prazo (PNE 2050). Como resultado, foi publicado o white paper “Contribuições para o Planejamento Energético 2O5O”, de autoria de Lavinia Hollanda e Manuella Lion: “Esse white paper é o resultado de um debate promovido pela FGV Energia, em parceria com a Catavento, para

Espera-se, na sequência, a publicação de 5 (cinco) Notas Técnicas ‒ Análises Sócio Demográficas e Econômicas; Demanda; Recursos Energéticos; Oferta de Energia Elétrica; e Oferta de Combustíveis; quando, então, a EPE se compromete a promover workshops abertos para todo e qualquer interessado, em parceria com o MME, os quais serão “a oportunidade de toda a sociedade se pronunciar sobre os estudos realizados”.72

Como se pode notar, ao menos em tese, durante a elaboração desse instrumento de planejamento há espaço para interação da sociedade em relação aos rumos indicados para a expansão do setor energético brasileiro. Incluídas discussões sobre regiões aptas a receber novos empreendimentos de energia.

No entanto, após pesquisas73 referentes aos trabalhos desenvolvidos para o PNE 2030, e mesmo para a discussão em andamento em relação aos 2 (dois) cadernos do PNE 2050 disponibilizados ao longo do ano de 2014, com exceção de instituições acadêmicas especializadas em energia, como a FGV e a GESEL/UFRJ, não detectamos a presença da participação de entes públicos ou privados normalmente ativos neste setor, tais como associações civis (Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB) e Ministério Público.74 Esse fato sugere, portanto, que a omissão na participação da discussão da política pública pode ser um dos fatores do excesso de judicialização na fase de licenciamento dos projetos.

Por outro lado, quando encontramos o registro de participação de algum ente social na elaboração desses documentos, como é o caso da FGV, há dificuldade no acesso aos subsídios de fato encaminhados aos órgãos competentes – MME e EPE – e no rastreamento das consequências de tal participação, ou seja, se a mesma foi capaz de gerar alterações no documento original.

discutir as premissas de demanda e de cenário macroeconômico do planejamento energético de longo prazo no Brasil, o PNE 2O5O. Tal evento ocorreu em 11 de junho de 2O15 e beneficiou-se da presença de executivos da EPE3 - Empresa de Planejamento Energético - por um lado, e de diversos especialistas, por outro lado. Procurou-se atrair o interesse e garantir a presença de representantes da academia, empresas com atuação na área de energia, entidades ambientais e think tanks”. Disponível em: http://fgvenergia.fgv.br/ publicacao/white-paper- planejamento-estrategico-2050. Acesso em: 18/12/2016.

72 BRASIL. EPE. Nossa História. 2016. Livro Digital disponível em: http://www.epe.gov.br/Paginas/EPE

contasuahist%C3 %B3riaemlivrodigital.aspx. Acesso em: 18/12/2016.

73 Buscas realizadas, ao longo do mês de dezembro de 2016, nas páginas eletrônicas do Ministério Público

Federal e de Associações Civis, como o Greepeace, WWF e Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB.

74 Foram encontradas, com certa facilidade, críticas e avaliações a partir do cenário já proposto pelo PNE 2030,

feitas, por exemplo, em workshop (“Hidrelétricas na Amazônia”, realizado pelo Ministério Público em 28 e 29 de outubro de 2011, Mosqueiro. Belém/PA - https://www2.mppa.mp.br) e em artigos como “Expansão da Matriz Hidrelétrica no Brasil: as Hidrelétricas da Amazônia e a perspectiva de mais Conflitos Socioambientais”, de autoria de Alexandre do Nascimento Souza e Pedro Roberto Jacobi, professores da USP. Disponível em: http://www.anppas.org.br/novosite/index.php). Acesso em: 18/12/2016.

A ausência de participação social na elaboração do PNE e, ao mesmo tempo, a dificuldade em avaliar seus resultados práticos na elaboração do documento final, podem, em tese, agravar problemas com a deferência aos estudos técnicos.

Propomos, durante a apresentação do Capítulo 3, analisar peças processuais, pesquisar se há referência expressa, pelas partes ou pelo Poder Judiciário, às políticas e diretrizes lançadas pelo Plano Nacional de Energia – PNE, a fim de aferir se este instrumento goza, ou não, de deferência técnica.