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2. INSERÇÃO DO PARADIGMA AMBIENTAL NAS POLÍTICAS DE EXPANSÃO

2.1 Evolução Histórica do Licenciamento Ambiental nas Hidrelétricas no Brasil

2.2.6 Fundação Nacional do Índio (FUNAI)

Criada por meio da Lei nº 5.371/67, a FUNAI ‒ órgão indigenista oficial do Estado brasileiro ‒ é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal, que tem como missão proteger e promover os direitos dos povos indígenas no território brasileiro.

De acordo com as informações disponibilizadas pela FUNAI:

Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção aos povos isolados e recém- contatados.

É, ainda, seu papel promover políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável das populações indígenas. Nesse campo, a FUNAI promove ações de etno desenvolvimento, conservação e a recuperação do meio ambiente nas terras indígenas, além de atuar no controle e mitigação de possíveis impactos ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas.

Compete também ao órgão a estabelecer a articulação interinstitucional voltada à garantia do acesso diferenciado aos direitos sociais e de cidadania aos povos indígenas, por meio do monitoramento das políticas voltadas à seguridade social e educação escolar indígena, bem como promover o fomento e apoio aos processos educativos comunitários tradicionais e de participação e controle social.

144 Notícia do dia 07/10/2014, sobre p Processo n 16007-78.2014.4.01.3600, disponível no sítio eletrônico:

http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2014/governo-ignora-unidades-de-conservacao-para-liberar-usina-sao-manoel. Acesso em: 18/12/2016.

145 Conforme notícia veiculada no dia 26 de outubro de 2015: “A empresa Rondinha Energética, responsável

pela implantação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Rondinha, no rio Chapecó, em Passos Maia (SC), terá que pagar multa ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por ter realizado obras sem autorização na Zona de Amortecimento do Parque Nacional das Araucárias, no oeste catarinense. A decisão foi tomada na última semana pela 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que deu provimento a recurso do ICMBio e modificou acórdão da 3ª Turma proferido em novembro do ano passado. [...]” (Grifos nossos). Disponível em: http://direitoambiental.com/empresa-hidreletrica-tera-de-pagar-multa-ao- icmbio-por-por-ter-realizado-obras-sem-autorizacao-na-zona-de-amortecimento-do-parque-nacional-das- araucarias/. Acesso em: 18/12/2016.

A atuação da Funai está orientada por diversos princípios, dentre os quais se destaca o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, buscando o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no Brasil, contribuindo para a consolidação do Estado democrático e pluriétnico. 146

Pertinente esclarecer que a Funai, por atribuição legal, deve atuar como órgão interveniente nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem, direta ou indiretamente, terras e povos indígenas; dever este que não se confunde com aqueles do órgão licenciador, único responsável pela emissão, ou não, das licenças ambientais.

A presença de tribos indígenas em área próxima a futuro empreendimento é tema que demanda especial atenção aos empreendedores, em razão das dificuldades para delimitação correta da terra indígena147, indicação dos prováveis impactos sobre as tribos locais148, e mesmo indicação sobre a existência de índios isolados na região do empreendimento.149

Normalmente, os processos que tramitam perante a FUNAI têm duração distendida, pecando pela falta de objetividade. Na ausência de manifestação incisiva do órgão, o Ministério Público toma à frente a defesa dos povos indígenas durante o desenvolvimento do processo de licenciamento de usinas hidrelétricas.

Durante o período de 7 a 17 de março de 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou sua Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli- Corpuz, com a finalidade de identificar e avaliar as principais questões atualmente enfrentadas pelos povos indígenas do país, bem como fazer um seguimento das importantes recomendações apresentadas, em 2008.

Em 17 de março de 2016, a Relatora apresentou sua Declaração de fim de missão150. Dentre os assuntos tratados, foi objeto de destaque a implantação de grandes projetos próximos ou dentro de terras indígenas:

146 Disponível em: http://www. funai.gov.br. Acesso em: 18/12/2016. 147

Como exemplo da importância da demarcação das terras indígenas, cita-se o caso da UHE Tapajós e processo de identificação e delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo munduruku, que após mais de 5 anos teve o relatório de demarcação publicado em abril de 2016.

148 A suposta desobediência ao termo de referência emitido pela FUNAI deu causa à propositura de ação judicial

visando à suspensão do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel, até que seja finalizado o Estudo do Componente Indígena (ECI) – parte integrante do EIA/RIMA. ACP 013839- 40.2013.4.01.3600, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Mato Grosso.

149 Na ausência de manifestação expressa da FUNAI, o MPF propôs ação civil pública por meio da qual tinha

“por objetivo impedir a construção da Usina Hidrelétrica de São Manoel no rio Teles Pires, por implicar em risco de genocídio e na violação do direito ao isolamento voluntário do povo indígena chamado Isolado Apiaká, habitante na Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados.” ACP 01764316.2013.4.01.3600, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Mato Grosso.

150

Declaração, na íntegra, pode ser encontrada no sítio eletrônico da ONU: https://nacoesunidas.org/relatora- especial-da-onu-sobre-povos-indigenas-divulga-comunicado-final-apos-visita-ao-brasil/. Acesso em: 18/12/2016.

Grandes projetos

Mesmo em contextos nos quais a violência física direta não foi relatada por povos indígenas, eles enfrentam ameaças profundas à sua existência. Isso deriva de ações e omissões do Estado e de atores privados no contexto de projetos de desenvolvimento impostos aos povos indígenas sem qualquer consulta ou tentativa de obter seu consentimento prévio, livre e informado, conforme prevê a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

A gravidade da situação se reflete no caso de etnocídio apresentado em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) em Altamira. Em relação a esses grandes projetos, algumas das principais questões levantadas pelos povos indígenas que visitei e cujos representantes eu encontrei foram:

 A não implementação das condicionantes estabelecidas e das medidas mitigatórias necessárias com relação ao projeto de Belo Monte, tais como o fortalecimento da presença local da FUNAI; a demarcação da terra indígena Cachoeira Seca, bem como a regularização e plena proteção das terras indígenas Apyterewa e Paquiçamba; a compensação pela perda de seus meios de subsistência; e a criação de bases de fiscalização para proteger terras indígenas. O efeito acumulativo de tal inação foi a ameaça à própria sobrevivência dos povos indígenas impactados;

 O uso do instituto da suspensão de segurança pelo Judiciário em um crescente número de projetos de desenvolvimento para evitar questionamentos legais por parte de povos indígenas;

 A licença emitida, sem consultas, para o projeto de mineração de ouro de Belo Sun, próximo à usina de Belo Monte, e a falta de uma avaliação acumulativa dos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos sobre os povos indígenas;

 A falta de consultas e a ausência de demarcação de terras indígenas afetadas pelo complexo da represa no rio Tapajós;

 A falta de consultas em relação à extração de bauxita e as usinas hidrelétricas associadas, que, juntas, representam um enorme complexo industrial, envolvendo povos indígenas e comunidades quilombolas em Oriximiná, no Pará;

 A poluição do Rio Doce causada pelo rompimento da barragem em Minas Gerais e seu impacto sobre povos indígenas, como os Krenak, que dependem do rio para seu sustento e subsistência;

 A ausência de consultas e consentimento para a instalação de grandes linhas de transmissão dentro de terras demarcadas protegidas pela Constituição, tais como as dos Waimiri-Atroari em Roraima.

Dentre as recomendações, destacam-se a revisão dos cortes orçamentários impostos a FUNAI, assim como ocorre com outros agentes setoriais, como já visto, e a implementação do direito a consultas prévias na forma determinada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos seguintes termos:

Há necessidade premente e imediata de rever os cortes propostos ao orçamento da FUNAI e garantir que as representações locais da FUNAI não sejam alvo de tais medidas, e que sejam, na verdade, fortalecidas para poder fornecer os serviços básicos dos quais dependem os povos indígenas e outros órgãos do Estado;

Devem ser revistas e observadas a jurisprudência dos órgãos de supervisão da OIT e a orientação do Relator Especial sobre a implementação do direito a consultas prévias em relação a políticas, legislação e projetos com impacto potencial sobre os direitos de povos indígenas. Tais consultas devem ser conduzidas de forma a atender as especificidades de cada povo indígena, conforme estabelece a Convenção 169 da

OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; [...]151