• Nenhum resultado encontrado

Diante das ponderações apresentadas ao longo desta dissertação e dos resultados encontrados na pesquisa, retomam-se as hipóteses apresentadas no início do trabalho:

Quanto à primeira hipótese, que sugere problemas com a correção dos caminhos trilhados pelos órgãos públicos brasileiros, na escolha da melhor política pública, quanto à fonte de energia a ser explorada e, no caso dos empreendimentos hidrelétricos, seu local e forma de instalação, cabe fazer referência às considerações sobre a fase de planejamento estratégico da expansão da geração de energia elétrica.

O trabalho de descrição e detalhamento do quadro institucional e dos instrumentos utilizados no planejamento estratégico, ao longo do Capítulo 1, foi capaz de destacar a ausência de participação da sociedade em uma fase na qual se discute não só o local de instalação de um empreendimento hidrelétrico, mas a própria definição de fontes capazes de suprir a demanda por geração de energia elétrica.

Sem a participação da sociedade, principalmente de ONGs e do Ministério Público, acredita-se que, principalmente para estes atores, fica comprometida a deferência técnica necessária para dar continuidade aos trabalhos com maior segurança jurídica, em benefício em um primeiro momento, dos entes públicos e privados envolvidos e, em última análise, da sociedade.

Como observado por OLIVEIRA, é preciso ainda que

Ao invés da visão idealizada das capacidades institucionais dos Poderes Legislativo (supremacia parlamentar) e Judiciário (supremacia judicial), a análise deve levar em consideração uma visão realista, enfatizando as virtudes e fraquezas nas capacidades institucionais dos referidos poderes. 290

Isso porque:

Quanto maior a legitimidade da atuação regulatória, maior será a deferência judicial. Em razão da expertise e do reforço democrático da atuação da agência, o Judiciário atuaria com maior deferência à decisão regulatória, limitando-se a definir os limites e os parâmetros a serem adotados pela agência, inclusive com a possibilidade do diálogo institucional.291

Não se pode deixar de ressaltar o sinal negativo dado pelo Poder Judiciário, tanto de 1ª quanto de 2ª instância, quando estas afirmaram textualmente que a elaboração de estudos pela EPE, longe de resolver a questão que se apresentava no ano de 2004 ‒ conhecimento anterior

290 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Agências reguladoras, Diálogos institucionais e Controle. Revista de

Direito Público da Economia RDPE, v. 49. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2015.

291 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Agências reguladoras, Diálogos institucionais e Controle. Revista de

e privilegiado dos aspectos técnicos e ambientais por possíveis empreendedores, concorrentes dos leilões de energia292 ‒ revelaria um resultado técnico comprometido com os programas do governo, e não com a realidade, ainda que esta indicasse a inviabilidade do empreendimento (inviabilidade de ordem técnica ou ambiental).

No caso da UHE São Manoel, a partir da constatação acima referida, especialmente no que se refere aos autores e órgãos decisórios de 1° grau, confirma-se a 2ª hipótese de forma positiva, ou seja, o MPF / MP e os juízes competentes para o julgamento das causas que tratam do licenciamento ambiental do empreendimento sob estudo partem, sim, da premissa de que, não importam os estudos técnicos apresentados, pois estes estariam contaminados por decisões políticas anteriores e não se prestariam a comprovar tecnicamente os verdadeiros impactos ambientais causados pela instalação das usinas hidrelétricas de grande porte. Por essa razão, tanto o Princípio da Precaução quanto qualquer outro minimamente atinente ao caso serviriam como base para desconstrução dos estudos já apresentados.

Dado este quadro fático, confirmadas as 2 (duas) hipóteses iniciais, cabe questionar se há meio de cunho institucional ou legislativo que possa corrigir os caminhos trilhados até o momento para implantação de grandes empreendimentos hidrelétricos.

Em breve linhas, é possível afirmar que, no caso especial do setor de geração de energia elétrica, principalmente voltado para a implantação de grandes empreendimentos hidrelétricos, mas não se limitando ao estudo de utilização desta fonte de energia, destaca-se a importância de fortalecimento dos órgãos institucionais envolvidos no planejamento – ANEEL, ANA e EPE, e no processo de licenciamento ‒ IBAMA e FUNAI.

Como meio de fortalecer tais instituições, nos casos das Agências Reguladoras e da EPE é imprescindível garantir a autonomia administrativa, financeira e patrimonial de tais órgãos, o que nada mais deveria ser do que uma consequência lógica dos dispositivos legais e de todo o debate acadêmico, tendo em vista a natureza jurídica de autarquia especial das agências e o papel diferenciado da EPE, que centraliza todo o planejamento do setor energético brasileiro.

Todavia, como anotado nos Capítulo 1 e 2 deste trabalho, em relação à ANA, a prática demonstra que ainda não se encontram bem definidas as bases de uma governança multinível, integrada e localizada dos recursos hídricos.

A ausência da presença marcante da Agência Nacional de Águas na elaboração de Avaliação de Impacto Ambiental e o silêncio da Agência em relação ao dever de elaborar a

292

Último caso emblemático que se procurou evitar com a criação da EPE foram os estudos desenvolvidos por Furnas para a implantação de empreendimentos no rio Madeira; a empresa estatal acabou sagrando-se vencedora no Leilão que ofertou a Usina de Santo Antônio.

Avaliação Ambiental Estratégica das Bacias Hidrográficas ‒ onde não só se encontram potenciais energéticos, mas também podem ser enumeradas questões de complicada solução atinentes ao uso da água por setores ligados à pecuária, agricultura e indústria293, entre outros ‒ demonstram a fragilidade do órgão perante temas que são de sua exclusiva competência.

A ausência da ANA se faz notar inclusive como parte processual, seja ativa ou passiva, nas ações civis públicas que tratam diretamente do uso do potencial energético encontrado nas bacias hidrográficas.

No que diz respeito à EPE e à ANEEL, urge tratamento diferenciado quanto às verbas orçamentárias que lhes são dedicados a cada ano. Vislumbram-se grandes dificuldades em exigir autonomia quanto às decisões técnicas que lhe são confiadas e ainda excelência nos resultados, quando nem a Agência Reguladora e tampouco o órgão de planejamento do setor energético conhecem ao certo o orçamento que lhes será oferecido. Isso, a despeito dos compromissos assumidos, que são de pleno conhecimento do Poder Público ‒ leia-se aqui os Poderes Executivo e Legislativo.

Em relação ao IBAMA, já foram indicados em momento anterior ‒ Capítulo 2 ‒ não só os problemas ligados à ausência de verbas suficientes para o financiamento dos programas e atividades que são de sua competência, como também o número insuficiente de técnicos concursados, que desafiam a execução a contento das demandas que lhes são confiadas, seja por disposição legal expressa, seja por determinações judiciais.

Ainda fazendo referência ao fortalecimento dos órgãos institucionais que, ao fim, sejam capazes de oferecer maior crédito e deferência aos trabalhos técnicos por eles desenvolvidos, questiona-se a razoabilidade de transmudar a natureza jurídica do IBAMA, para também transformá-lo em uma verdadeira Agência Reguladora, oferecendo-lhe as autonomias próprias das autarquias especiais e suavizando a interferência dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente na tomada de decisões eminentemente técnicas.

Não é demais ressaltar que a simples alusão à necessidade de deferência às normas e aos atos de cunho técnico, produzidos pelos órgãos institucionais com o fito de viabilizar a implantação de empreendimentos hidrelétricos de grande porte, não é capaz nem de garantir os melhores resultados técnicos, e tampouco de reduzir o número de demanda judiciais.

De outro lado, a proposição desenfreada de ações judiciais contra os empreendimentos, na forma em que vem sendo feita, em nada aproveitará às comunidades locais, uma vez que

293

De acordo com dados obtidos no relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil do ano de 2015, disponível no sítio eletrônico da ANA, a irrigação é a atividade responsável por 72% do consumo de água no Brasil. À pecuária seria destinado algo em torno de 11%, e à indústria, 7%. Acesso em: 18/12/2016.

por mais custoso, social e financeiramente, que o empreendimento se torne em razão das incertezas trazidas pelas demandas judiciais, a UHE São Manoel encontra-se em adiantado estágio de obras, e nenhumas das ações propostas, até a presente data, foi capaz de garantir benefícios efetivos à população. A partir da análise das ações judiciais, é possível vislumbrar não só um nítido comportamento litigante dos autores, como também a ausência de uma salutar vontade de implementar diálogos institucionais.

Dessa forma, em resumo, seja pelo bem do desenvolvimento sustentável, da manutenção do meio ambiente equilibrado e da expansão da geração de energia elétrica, inclusive para regiões que se encontram fora do Sistema Interligado Nacional, se faz indispensável prover o fortalecimento institucional dos órgãos públicos envolvidos, incentivar a participação pública efetiva nas fases de planejamento e de análise da viabilidade ambiental dos empreendimentos, bem como viabilizar diálogos institucionais entre todos os envolvidos na implantação de grandes empreendimentos hidrelétricos.