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Agenciamento: possibilidades cartográfias

5.3 O conceito de agenciamento em Deleuze

5.3.4 Agenciamento: possibilidades cartográfias

Não há funções de linguagem, e sim regimes de signos que conjugam, a um só tempo, fluxos de expressão e fluxos de conteúdo, determinando sobre esses agenciamentos de desejo, sobre aqueles agenciamentos de enunciação, uns imbricados nos outros. A linguagem nunca é o único fluxo de expressão; e um fluxo de expressão nunca está sozinho, mas sempre em relação com fluxos de conteúdo determinados pelo regime dos signos. Quando se considera a linguagem sozinha, não se faz uma verdadeira abstração, fica-se privado, ao contrário, das condições que tornam possível a assinalação de uma máquina abstrata. Um agenciamento é sempre uma multiplicidade construtora das condições das formas de conteúdo e expressão, das formações dos sujeitos, por meio de processos de aceleração, de afetos e de diferenças.

Sobre os enunciados, eles não são apenas descrição dos estados de coisas ou corpos, são formalizações de expressão e de conteúdo, as quais as heterogeneidades, signos e corpos se agenciarem numa mesma máquina. Assim, há sempre um agenciamento coletivo de enunciação e outro, um agenciamento maquínico de efetuação; não há sujeitos senão agentes coletivos, como não há objeto senão estados maquínicos. Esses dois tipos de agenciamento entrecruzam continuamente seus segmentos (DELEUZE; PARNET, 1998).

Com relação aos corpos, eles são definidos segundo sua longitude (velocidades-lentidões) e latitude (afetos, intensidades). As velocidades e lentidões (intensidades no virtual) crescem sempre no meio, no entre.

Nesse sentido, Deleuze e Parnet (1998, p. 81) relatam que: ―Datar um agenciamento não é fazer história, é dar-lhe suas coordenadas de expressão e de conteúdo, nomes próprios, infinitivos-devires, artigos, hecceidades‖. É preciso descobrir o que ocorre no meio, cada indivíduo está no meio de uma (sua) política, e a descoberta depende mais da ação da cartografia que da interpretação. Assim, o filosofo francês destaca que primeiramente é necessário identificar num dado regime a máquina abstrata definidora dos agenciamentos concretos; em seguida, qual seu regime de signo, como produz seus sentidos, sua subjetivação; posteriormente identificar a pragmática responsável pela fixação dos agenciamentos coletivos de enunciação no fluxo de expressão e, ao mesmo tempo, responsável também pela fixação dos agenciamentos maquínicos nos fluxos de conteúdo.

A cartografia é uma experimentação pragmática, que se efetua pelos seguintes passos: 1) identificação da função do nome próprio que individualiza o agenciamento, o nome próprio designa não o sujeito da enunciação ou uma subjetividade, mas os estados de coisa ou corpos, conferindo ao agenciamento uma consistência particular, ―como se ele se destacasse então de um regime mais geral para ganhar uma espécie de autonomia‖. (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 97). O nome próprio advém de quem reúne e constitui o regime de signos, como um médico que individualiza um conjunto de sintomas e define uma nova doença, como Parkinson, reunindo regimes até então separados. 2) identificar num agenciamento de enunciação os fluxos de expressão e os fluxos de conteúdo (entendendo por conteúdo não apenas os temas e assuntos da enunciação, mas os estados de coisas e os corpos que se compõem com a enunciação que forma zonas de ―vizinhança‖). Seria preciso estudar como se dão os regimes de signos que funcionam num dado enunciado, os processos de significação que se associam à um nome. O pensador francês nos lembra que novos regimes de signo podem surgir, podem até mesmo tornar a expressão em conteúdo. 3) A questão mais fundamental é identificar como os regimes de signos traçam um plano imanente e real, e que é a intersecção de todos os regimes de signos, um plano é um componente diagramático, no qual não mais perdura a distinção conteúdo-expressão, não se distinguem os fluxos, pois tudo se torna fluxo. Já não sabemos se é um fluxo alimentar, verbal, químico, pois tudo se compõe em relações de vizinhança. Há apenas partículas que se definem pelas relações de movimento e repouso, de velocidades diferenciais, que se definem por afetos ou potencias.

Plano e agenciamento são contíguos, já que o agenciamento traça as linhas do plano ao mesmo tempo em que só existe num plano. Agenciamento produz ―sobre um campo de imanência ou plano de consistência, continuums de intensidades, conjugações de fluxos, emissões de partículas de velocidades variáveis.‖ (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 79).

Voltando a atenção a região segmentada do agenciamento, podemos identificar seu funcionamento também por três elementos característicos: 1) Máquinas binárias de classes sociais, de sexos (homem-mulher), de ideias, criança-adulto, de etnia (branco-negro), de setores (público-privado), de subjetivações (em casa-fora de casa), elas podem operar dualisticamente, ou, por meio da dicotômica, podem operar diacronicamente, quando impõem a escolha sucessiva (você não é a nem b, então é c). 2) Dispositivos de poder diversos que fixam o código e o território do segmento correspondente. Para Deleuze eParnet (1998, p. 105), cada dispositivo de poder é um código-território, e o agenciamento tem uma máquina de sobrecodificação que erige o dispositivo de poder, uma máquina abstrata que ―organiza os enunciados dominantes e a ordem estabelecida de uma sociedade, as língua e os saberes dominantes, as ações e sentimentos conformes, os segmentos que prevalecem sobre os outros‖, ela é quem assegura a homogeneização dos diferentes segmentos regulando as passagens de uns nos outros, efetuando-se num campo social. Há sempre um dispositivo de poder que codificam os segmentos, uma máquina abstrata que os sobrecodifica e regula suas relações, e o agenciamento que efetua essa máquina. 3) Toda segmentariedade se faz sobre um plano de organização, um plano molar, o qual se opõe ao plano de imanência, de consistência ou molecular. Este plano de organização envolve as formas e os sujeitos e ele que abafar o outro plano, a máquina abstrata. (DELEUZE; PARNET, 1998).

Para Deleuze e Parnet (1998, p. 107), ―agenciamento é precisamente uma multiplicidade. Ora, um agenciamento qualquer comporta, necessariamente, tanto linhas de segmentariedade dura e binária, quanto linhas moleculares, ou linhas de borda, de fuga ou de declive‖. Dessa forma, os filósofos ratificam sua perspectiva: ―Não falamos, portanto, de um dualismo entre duas espécies de ‗coisas‘, mas de uma multiplicidade de dimensões, de linhas e de direções no seio de um agenciamento.‖ (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 108).

Noutro momento, Deleuze e Parnet (1998, p. 117) afirmam que em sua pragmática, três tipos de perguntas sobre as linhas que compõem um agenciamento: 1) ―Quais os segmentos duros, suas máquinas

binárias e de sobrecodificação?‖ 2) ―Quais são suas linhas flexíveis, quais os fluxos e quais limiares? Que conjunto de desterritorializações relativas, e de reterritorializações correlativas?‖ Como se dá a distribuição dos centros de densidade interpretativa, isto é, os centros que conduzem a produção de sentido?3) ―Quais são suas linhas de fuga, lá onde os fluxos se conjugam, lá onde os limiares atingem um ponto de adjacência e de ruptura?‖.

Assim, destacamos que as explicações de como experenciar pragmaticamente, de como identificar as individuações segmentares e as perguntas sobre as linhas componentes de agenciamentos podem ser úteis para este trabalho, sobretudo quando mostra que todo reconhecimento pode trazer a diferença. Cartografar é mais que analisar, é produzir diferenças.

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta seção compreende a caracterização da pesquisa, a identificação do corpus e do instrumento de coleta de dados e a delimitação das etapas para atingir os objetivos da pesquisa. Para Lakatos e Marconi (1991, p. 83) podemos considerar o método científico como um ―Conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimento válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando nas decisões do cientista‖. Portanto, nesse capítulo, anotamos os procedimentos adotados para viabilização deste trabalho.