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Os pragmáticos projetados na teoria da Análise de Domínio

linguagem de Wittgenstein à Análise de Domínio. Para Wittgenstein, a

linguagem é ―construída em casos particulares‖ (WESOLEK, 2012, p.4), o que implica que a compressão do discurso se dá somente pelo contexto no qual é expresso, são as palavras compreendidas num dado jogo de linguagem. A linguagem e a comunicação estabelecida por ela derivam da atividade, da forma de vida, que as pessoas se engajam, por isso que a linguagem é resultante da negociação num jogo. Para Hjørland (1998), a teoria dos jogos de linguagem é fundamental aos estudos semânticos da BCI. Desta forma, Wesolek (2012) defende que as noções de jogos de linguagem e domínio de conhecimento são estreitamente relacionadas.

A Análise de Domínio de Hjørland é ―strongly linked to Wittgenstein‘s view of language. Talking the social negotiations of concepts, as rooted in humam practice, Hjørland proposes an explorations into the language games played by disciplinarians in hopes of developing pragmatic classifications.‖ (WESOLEK, 2012, p.4).

Wittgenstein não define estreitamente as regras de um jogo de linguagem, quem acaba por utilizar essas bases para descrevê-las numa situação ideal é Habermas em sua Teoria da Ação Comunicativa. Recuperar brevemente o pensamento de Habermas nos ajudará a compreender melhor a perspectiva de Hjørland, tanto suas noções de comunidades discursivas, que são permeadas pelas noções de

linguagem, social e consenso desenvolvidas pelos dois filósofos citados.

O discípulo da Escola de Frankfurt realiza uma pragmática informacional (ou comunicacional) afirmando que a linguagem é o que permeia a comunicação, o meio da troca de informação, que tem seu conteúdo definido pela intersubjetividade dos agentes comunicativos. Assim, a linguagem é o ente regulador das relações sociais. Aqui ela é gerida por regras formais, as quais adéquam os chamados jogos de linguagem de Wittgeinstein. Essas regras modulam um ideal de comunicação, no qual todos nós teríamos competências linguísticas para nos comunicar e nos entender completamente; sendo elas baseadas na confiança e desejo da sinceridade da comunicação. Tais regras são expressas sob quatro pressupostos (RÜDIGER, 1989):

a) Postulado da igualdade comunicativa: todos que participam de uma discussão devem ter chances iguais de fala;

b) Postulado da igualdade de fala: os participantes devem ter chances iguais de problematizar as pretensões de validade do discurso;

c) Postulado da veracidade: as expressões de ideias e sentimentos devem ser expressas sem restrições, por todos os participantes; d) Postulado da correção das normas: todos os participantes devem

ter iguais chances de empregar atos de regulação, tais como mandar, permitir, proibir, de modo que a autoridade seja descentrada.

A pretensão de Habermas é, por meio da substituição da centralidade da noção de trabalho pela de comunicação, salvar o projeto modernista, dotando sua perspectiva de uma unidade, a razão comunicacional, capaz de redirecionar à emancipação a sociedade que caíra na inércia da racionalidade técnica. A comunicação em Habermas é em si uma experiência, além de ser relato sob enunciados de conteúdo de outra experiência, portanto pressupõe certo consenso manifesto pelos participantes da comunicação nas situações específicas, um espaço comum de e para a comunicação. Os quatros postulados listados acima representam a situação de fala ideal e visa o consenso, que seria a legitimação da verdade. Os consensos apresentam um contexto histórico-cultural, lançando-se como modelo interpretativo, fazendo dos participantes da discussão sujeitos na e pela comunicação (MOSTAFA, 1993; RÜDIGER, 1989). Hjørland (1998) chega a indicar que o conceito de esfera pública habermasiana, a qual afirma um espaço de formação de consenso entre o Estado e a sociedade, é um bom caminho para se trilhar uma teoria geral do documento na BCI.

Quando pensamos na identificação e representação de um domínio de conhecimento, consideramos que há jogos de linguagem nesse domínio que geram, por meio de negociações, um consenso. Portanto, a realização da análise de um domínio passa por identificar os jogos de linguagens e seus consensos. O consenso é fundamental na teoria hjørlandiana, pois é o conhecimento do domínio, é o ente emergente do domínio.

Saldanha (2012, p. 103), ao dissertar sobre as bases da Ciência da informação plantadas no pensamento de Habermas, afirma que o ―ser histórico e social está sediado em um ‗mundo da vida‘ estruturado linguisticamente‖. O autor ainda salienta que ―‗A língua não é uma propriedade privada‘, deste modo, a forma como nós, que falamos, e nós, que ouvimos, fazemos uso de nossa liberdade de comunicação será uma questão de arbítrio subjetivo.‖. Sobre esse poder intersubjetivo

personificado na língua, Habermas (2004b, apud SALDANHA, 2012, p. 103) afirma que ele ―é anterior à subjetividade dos falantes e a sustenta‖. Assim percebemos até aqui que o conhecimento nasce da e para a prática, por meio das interações de grupos, que desenvolvem jogos de linguagem e promovem consensos. A noção de que a linguagem é neutra, na medida em que ela não interfere no sentido, mas apenas é o ser material da construção do sentido e permeando a comunicação é presente em Wittgeinstain, Habermas e Hjørland. Para Hjørland, assim como para Habermas, a linguagem é a morada do social, portanto do resultado histórico. Por isso é tão central na Análise de Domínio a noção de comunidade discursiva. É a comunidade quem enuncia signos e desenvolve o consenso, quem joga, quem constrói suas verdades demarcadas social e historicamente.

A função da linguagem é essa, é permitir que o social movimente-se nos discursos. Percebemos que não só na Análise de Domínio, mas em toda a BCI, a linguagem é dotada de transversalidade. Chega-se a argumentar que a Ciência da Informação é uma Ciência das linguagens. Desta maneira, podemos indagar: existe algo de interesse à nós profissionais e cientistas da informação além da linguagem? Há algo além da linguagem para a Análise de Domínio? Embora, em certa medida Hjørland já aponte possíveis saídas do império da linguagem, aprofundamos esta perspectiva no capítulo destinado às discussões e resultados.

5FILOSOFIA DE GILLES DELEUZE

O filosofo francês Gilles Deleuze viveu a juventude em meio à Segunda Guerra Mundial. Estudou Filosofia entre 1944 e 1948,participou ativamente de maio de 68 e foi indicado por Foucault à cátedra de Filosofia da Universidade de Paris (Vincennes VIII), a mesma de Jean Paul Sartre. Na Europa, junto a outros filósofos de sua época, se preocupava com o rumo do pensamento ocidental, que sofria efeitos do pesadelo nazifascista (MOSTAFA; CRUZ, 2009). Pretendia fazer Filosofia por meio do pensamento, ou seja, o pensamento como ato de criação filosófica.

Em um dos seus livros, O que é a Filosofia? Deleuze e Guattarri escrevem que talvez essa questão presente no título do livro deva ser apresentada durante a maturidade, quando chega à velhice. ―Esta é uma questão que enfrentamos, à meia-noite, quando mais nada resta a perguntar‖ (DELEUZE; GUATARI, 2010, p.7), e continuam:

Há casos em que a velhice dá, não uma eterna juventude mas, ao contrário, uma soberana liberdade, uma necessidade pura em que se desfruta de um momento de graça entre a vida e a morte, e em que todas as peças da máquina se combinam para enviar ao porvir um traço que atravessasse as eras.

Foucault (1995, p. 7, tradução nossa) é emissor de uma frase que tomou grande proporção e que justifica nossa escolha pelo pensamento de Gilles Deleuze como norteador deste trabalho: ―Mas um dia, talvez, o século será deleuzeano‖. Essa frase foi publicada em 1970 na revista

Critique, presente na resenha que Foucault fez sobre dois livros de

Deleuze, Diferença e Repetição (1968) e Lógica dos Sentidos (1969), intitulada Theatrum Philosophicum. Orlandi (2006, p.8) propõe uma explicação para a primazia do pensamento deleuziano (e foucaultiano) no século XXI, para ele ―o século XXI estará às voltas com aquilo que mais abrasou o pensamento durante o século XX: a problemática da diferença‖. Ainda relata:

embora seja possível rastrear a incidência de seus componentes ao longo da história da Filosofia, a problemática da diferença ganhou, no século XX, o aspecto de um imenso ovo que se impôs às entranhas de muitos pensadores. As diferenças,

porém, não foram simplesmente anotadas e as idéias que lhes dizem respeito não ganharam apenas expressões magníficas em grandes obras. As diferenças continuam chocando visões, odores e sabores, audições e tatos, sensibilidades e intelecções. Por que? Porque emitem diferentes timbres de gritos e distintas granulações de imagens a partir dos mais desencontrados lugares e a partir de transtopias criadoras de mil e um lugares. Esse ímpeto exigiu noções distintas para exprimir o que acontecia com essa explosão dos diferenciais. Em resumo, a problemática da diferença se impôs de tal modo que forçou o pensamento a alargar visões, bocas, poros e até cloacas, incluindo aquelas que se julgavam higienizadas em universos tão-só linguageiros. [...] Não sabemos ainda quais zonas de intensidade, quais dinamismos espaço-temporais dessa problemática, desse ovo gigantesco, se imporão com virulência mais acentuada no século XXI. Pensadores delinearam várias idéias a respeito disso, mas o campo problemático da diferença permanece como o precursor sombrio que nos envolve neste início de século. Ou seja, ainda estamos tateando como larvas imersas nesse ovo, ali e aqui, em toda parte onde as diferenças nos atingem em lances que nos balançam entre terrores e encantos.

Enquanto pesquisadores da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, talvez não nos caiba a questão que traz o título do livro supracitado, O que é Filosofia?,mas há uma outra questão que, nesse início de século, nos serve: o que é Filosofia da Diferença de Deleuze e no que ela pode contribuir para a Organização do Conhecimento e, mais especificamente, para a Análise de Domínio? Para tanto, adentremos àscolocações deleuzianas.