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7.3 Interpretação dos Resultados

7.3.2 Reflexos dos resultados na BCI e na OC

Na seção 3 deste trabalho, verificamos que o ato de classificar é inerente ao reconhecimento do mundo, e que a linguagem se relaciona com tal ato fortemente. Ao reconhecermos ou ao conferimos um nome qualquer a um objeto, definimos um conjunto de relações que marcam fronteiras de pertencimento e de exclusão de outros elementos em relação com o objeto referido. Se classificar depende do reconhecimento, estamos no cerco da recognição, desta imagem do pensamento. Nessa imagem, o ser é entendido sob o princípio da identidade, isto é, ele só é reconhecido porque tem uma identidade. Esse princípio afirma que o ser é idêntico a si mesmo, ele não pode ser diferente ou mutável, ele é sempre o mesmo. Assim, a identidade é sua própria verdade e, nesses termos, o ser é uno. (DELEUZE; GUATTARI, 2010; MOSTAFA, 2008).

Apoiando-se em outros pensadores, Deleuze propõe outra imagem do pensamento, uma imagem rizomática, criativa, viva. Por meio da preservação da diferença, o filósofo francês considera o múltiplo ao invés da identidade. A preservação ocorre nos processos de atualizações, os quais podem ser identificados nas propostas de ordenação dos saberes.

A arte da retórica e da memória foram desenvolvidas a fim de conservar de modo ordenado conhecimentos de possível expressão. Dentre as inúmeras técnicas, destacamos o posicionamento de símbolos em diferentes cômodos de uma casa como forma de indexar conteúdos mentais, de maneira que os símbolos atuem como etiquetas de rememoração. Esse exercício de indexação é atualizado diversas vezes, mas é com Otlet e Kaiser que verificamos a consolidação técnica utilizada ainda hoje pelos profissionais da informação. A indexação do

século XIX e XX necessitou de uma atualização a fim de ir além das propostas de classificação bibliográficas; assim preservou a fragmentação do conteúdo, que na classificação o via como unidade, não mais posto em cômodos, mas tratados individualmente objetivando uma recuperação mais precisa. Já, o século XXI a indexação colaborativa, sem tanto rigor científico quanto as suas antecedentes, despontam como o principal caminho a indexação a ser explorado.

Percebemos os movimentos de desterritorialização e reterritorialização também nas classificações dos livros e das informações. Grande parte das reterritorializações preserva uma dinâmica transcendental, na qual a categoria superior é a categoria divina ou a categoria homem. Nessa dinâmica, encontramos hierarquias mais consistentes, construídas principalmente de um olhar top-down. Essa perspectiva passa por Platão, com sua supra categoria de Ideia, e por Aristóteles, quem reterritorializou a noção de Ideia em gêneros e substância, ambas sem correspondência com o mundo real. Ideia, substância ou os gêneros são formas ideais, perfeitas, concebidas apenas intelectualmente, creditadas como verdade, das quais o mundo reconhecido decorre.

Deleuze destrona tais verdades em prol de uma perspectiva mais maleável e fluida. Assim, defende a mutabilidade em detrimento das definições essenciais. Com Guattari, Deleuze questiona a noção de ideia platônica pela sua concepção de conceito. Se há nos pensadores clássicos um confiança de uma origem verdadeira subjacente às suas noções, Deleuze e Guattari (2010, p. 12) afirmam que é ―necessário substituir a confiança pela desconfiança, e é dos conceitos que o filósofo deve desconfiar mais‖. Assim, os autores franceses defendem a inexistência de verdade absoluta, o que inviabiliza qualquer classificação premeditada.

A classificação, enquanto ato da razão, encontra seu ápice no século XIX, quando há grandes esforços dos países europeus e norte- americanos para ordenar livros e informações. Encontramos uma vertente marcada pela herança aristotélica, e outra na qual há uma tendência na horizontalização das relações entre os entes e na ampliação de suas intersecções.

O primeiro grupo se utiliza do princípio da identidade e se baseia em ações transcendentais. Assim é compreendida a máquina classificatória de Aristóteles, denominada ―diferença específica‖. Ela opera pelo estabelecimento de um gênero padrão e suas experiências acrescidas de diferenças específicas. Assim, define a existência de uma Ideia e sua manifestação por categorias ontológicas.

A máquina aristotélica é reterritorializada sob outra esfera de afecção na árvore de Porfírio, a qual segmenta ainda mais o esquema grego, ao adicionar a função dicotômica à produção da diferença específica. Ainda é presente nos processos classificatórios, a árvore de Porfírio se opõe a noção de rizoma de Deleuze. Segundo Deleuze e Guattari (2011a, p. 18), o rizoma não tem sujeito ou objeto, pois é uma multiplicidade. Assim, um livro (consideramos também um documento ou uma informação) não tem uma essência, seja de conteúdo ou de forma, mas apenas ―segmentariedade, estratos, territorialidades‖, assim como ―linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação‖. O livro segundo a lógica binária da árvore pretende dizer a lei da natureza como ―Uno que devem dois‖, contudo a natureza não respeita esta lógica ―velha e cansada‖, ela age por numerosas ramificações não dicotômicas. Ainda, segundo Deleuze e Guattari (2011a, p. 21),

É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da maneira simples, com força e sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-1 (é somente assim que o uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele).

Assim, para Moreira (2010, p. 34):

O pensamento rizomático deleuzeano permite instaurar um novo olhar para as redes de informação, para uma nova pragmática das ações de informação, sem a necessidade de adoção de um modelo regulado por um eixo específico, o que é, aliás, condição necessária para a organização e recuperação da informação no ciberespaço.

Na primeira vertente, asseada na concepção de árvore e com a fé depositada no princípio de identidade, notamos seguidas reterritorializações, tais como nos currículos das universidades medievais, nas taxonomias de Gesner e de Lineu, e até mesmo na concepção do conhecimento segundo as proposições de Kant. Com relação à disposição dos livros, percebemos o movimento de árvore já na época medieval, quando os livros seguiam o Trivium e o Quadrivium, na classificação bibliográfica de La Croix du Maine do século XVI, de

Francisco Aráoz e do filósofo Leibniz (século XVII), todas que definem a primeira categoria atrelado ao divino, e decorrendo daí os outros saberes (considerados seculares). Ainda, segundo tal perspectiva, podemos notar a afirmação de Decembro (século XVI) que confere ao bibliotecário a tarefa de ―aperfeiçoar‖ os conteúdos dos livros quando necessário, isto é, de fazer os conteúdos registrados se aproximarem da perfeição da ideia da qual ele deriva. Além disso, encontramos também a classificação enciclopédica de Diderot e D‘Alambert e a de Hegel, as quais, embora questionassem os valores religiosos, substituem a transcendência divina pelo do homem. (ALMEIDA; CRIPPA, 2009; BLAIR, 2006; BURKE, 2003; GRAFTON, 2006; OLSON, 2011; POMBO, 2008)

A segunda vertente de classificação se aproxima mais da concepção de rizoma. Consideramos esta vertente como representativa do distanciamento da operação estritamente logico-racional nas definições de hierarquias. Assim, reconhecemos aqui a classificação proposta por Plínio-o-Velho, quem considerou uma ordem do mundo mais mística. Buffon pode ser enquadrado na categoria anterior, mas por reconhecer que toda classificação não está alinhada a uma verdade natural por ser arbitrário, destacamos a importância de sua taxonomia botânica para o universo mais rizomático das classificações. (BLAIR, 2006; FABRIS, 2004; POMBO, 2008).

A concepção extremamente pragmática de Naudé sobre a biblioteca, nos permite vê-lo também nessa óptica, na qual, mais importante que uma classificação racionalista dos livros, mas importante é a efetivação da leitura. Destacamos também a atitude de William Reading que, no século XVIII, desenvolveu classes mistas pelas quais os livros podiam ser movidos nas estantes. Contra essa ideia, Gabriel Peignot (século XIX), compreendido na vertente aristotélica, defendeu a fixação do livro em classes e endereços físicos estanques. (CHARTIER, 2006).

Nessa conjuntura, o século XIX é responsável pela emergência de uma ―vontade de método‖ na área, momento em que Pombo (1998) destaca como áureo da classificação bibliográfica, e que Almeida e Crippa (2009) notam a reinvindicação dos bibliotecários enquanto agentes institucionais na classificação do conhecimento. Surgem as diversas classificações bibliográficas, mas que assistiram uma nova linha de fuga que se concretizou com Ranganathan e seu método analítico-facetado. Essa linha de fuga corrói a noção de unidade temática, visto que a unidade de assunto por documento pode ser fragmentado numa diversidade variante. As possibilidades de

combinações dos fragmentos temáticos são variadas, o que remete, por exemplo, a classificação flexível de Reading. O que ocorreu foi uma desterritorialização da unidade macro de assunto e uma reterritorialização que minorou tal unidade (n-1), por meio de Kaiser, Otlet e Ranganathan. Ainda, assistimos no século XX outras reterritorializações, ora mais segmentadas, ora mais flexíveis, tal como a proposta do Memex, as contribuições do CRG e a concepção dos tesauros. Para os próximos anos, verificamos os esforços da criação no âmbito da engenharia de ontologia, da folksonomia e do Big Data.

O que desejamos mostrar não se trata de uma ideia de evolução histórica da classificação, pelo contrário, não há evolução alguma, visto que a folksonomia abre margem às classificações tão místicas quanto a de Plínio-o-Velho, o que enfocamos são justamente estes saltos mutantes, as desterritorializações, que promovem encontros diversos, nos quais antigas crenças e práticas são resgatadas em detrimento de algumas descartadas. O cenário parece de questionamento à razão pura, sob qual muito tempo procuramos desenvolver as classificações.

Nasubseção 6.2 deste documento, destacamos que as instituições interferem em como as comunidades produzem, organizam, distribuem e utilizam a informação e o conhecimento. No que se refere a esses aspectos, podemos acompanhá-los também pelos movimentos desterritorialização-reterritorialização. Observamos que Otlet difere as ações informacionais das ações sobre o conhecimento, atribuindo a esaa última ao universo institucional, isto é, pelas sociedades profissionais ou científicas, pelos congressos, o ensino, os avanços teóricos e práticos etc...

Segundo Bliss, há uma continuidade que passa da organização do conhecimento biológico e mental. Dessa forma, compreende tal organização em sua síntese subjetiva, comunitária, linguística e documentária, em um campo do saber e, por fim, em sistemas enciclopédicos e nas bibliotecas. O bibliotecário americano confere maior destaque à ciência e à Filosofia, enquanto instituições organizadoras do conhecimento num nível macro, mas que deve harmonizar-se com o nível micro, compreendida nas revistas científicas e bibliotecas. A própria noção de organização de conhecimento de Bliss já soa diferente na área e, assim como Deleuze não se restringe a uma compreensão do processo de atualização no âmbito antropomórfico, o americano também aceita que há uma organização de âmbito biológico (DELEUZE; GUATTARI, 2011a; MURGUIA; SALES, 2013).

Embora Dahlberg (1978; 1993; 2006) centre a teoria e prática da OC na linguagem, afastando assim as considerações sobre as

instituições e sua interferência direta nos processos da área, sua obra passa pela fundação de instituições que constrangem ou formatam estes processos. Assim, identificações que a ISKO, seus congressos, suas revistas, sua estrutura, normas, regimentos, hierarquias, tudo isso tem impacto nas formas de organizar, representar e recuperar informação e conhecimento.

É valido ressaltar que a noção de conceito sobre a qual Dahlberg pousa o pesquisador da OC não se aproxima do conceito filosófico deleuziano. Além, a inconsistência destacada no referencial teórico sobre a nomenclatura da área revela não ser apenas uma questão terminológica, pois a reterritorialização não envolve apenas tais aspectos. Notamos retorritorializações que revelam perspectivas específicas de produção teórica, tal como revela Guimarães (2008). A tradição americana é a mais pragmática (sobretudo nos aspectos administrativos) e voltada aos produtos. Nela encontramos o processo de catalogação, o qual pode enquadrar na noção de organização e representação da informação (BRÄSCHER; CAFÉ 2010), assim como o processo de estruturação dos cabeçalhos de assunto, que corresponderia ao que Bräscher e Café (2010) denominaram de organização e representação do conhecimento. A tradição inglesa, por ser mais empírica, destaca-se por sua abordagem focada no usuário, além das pesquisas especialistas, compondo assim uma reterritorialização que favoreceu o aparecimento dos estudos do CRG (que uniu os interesses e necessidades dos usuários com a facetação dos assuntos especializados). Essa tradição favoreceu o surgimento dos novos instrumentos de organização do conhecimento e empreendeu o âmbito informacional a indexação segundo tais informações. Por fim, a reterritorialização francesa, que se encontrou com os estudos estruturais da linguagem e, assim, dotou os processos informacionais de maior referência científica, favorecendo também o surgimento de diversas relações entre os termos nas representações do conhecimento e a aplicação com mais precisão para construção da representação da informação. (BRÄSCHER; CAFÉ 2010; GUIMARÃES, 2008).

Nesse contexto que compreendemos as inovações nos SOCs e nos estudos da OC.

7.3.3 Discussão dos resultados por meio das teorias de Hjørland e