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7.1 Apresentação e Análise dos Dados

7.1.2 Análise do agenciamento deleuziano

Deleuze é um filósofo que se preocupa mais com o processo do que com as essências. Talvez, o que mais confirme isto seja o seu conceito de atualização. Para Deleuze, o Ser se atualiza constantemente. Toda atualização é uma produção, a qual ocorre em via dupla de modo a trazer a diferença ao ser. É a novidade e a criação que depende tanto de uma ida do firmamento ao caos, como de um retorno, do caos à um firmamento. Contudo, o que retorna já não é mais o mesmo, senão a diferença incorporada ao Ser que, portanto, já é outro.

A produção invade e recria tudo, inclusive um corpo social, que podemos compreender como domínio ou comunidade discursiva. A produção é compreendida em si mesma, e não mais como propõe Khun (2009), pela óptica da ciência normal. A ruptura é compreendida por sua própria dinâmica, pela lógica da multiplicidade e do rizoma. Tal perspectiva transforma profundamente as formas de existir: como um corpo individual ou social existe?

Nesse sentido, Themudo (2002, p. 289) afirma que a ―Comunidade é processo, arte dos encontros, criação de problemas, e não reprodução de um único problema, de um único tesão (ganhar dinheiro), alegria da revolução.‖ A comunidade não é passível de congelamento, não é estanque. Há uma constante variação nessa comunidade-processo, variação que afirma a diferença a cada encontro, a cada movimento de força.

O processo de emersão da diferença é descrito por Deleuze em função da ação de um ―fora‖ que é imanente e criador, tal como uma máquina abstrata, um plano de consistência, de onde brotam todos os

territórios existentes, os corpos, as interioridades, mas que após brotarem não se fecham sobre uma essência imutável, mas se ativam em meio a fluxos incessantes de transformação. Aos olhos do filosofo francês, não há estrutura ou organismo que suporte a dinâmica de mutação imposta pelos fluxos. Também não há distinção entre sujeito e objeto, ou entre social e individual.

Nessa conjuntura, Deleuze reafirma a dinâmica entre forças molares e moleculares, aquelas que geram os estratos e os territórios e estas que permitem fugas inventivas, criativas. Assim como em Hjørland, há em Deleuze um tipo de dialética, mas em Deleuze a dialética é em prol da diferença.

Inerente ao processo pendular entre o caos e o estrato, há uma dinâmica de afetação. Os estratos e territórios são atravessados por linha de fuga que, uma força afirmativa que promove o devir. Assim, Deleuze revela o movimento de variação continua nos corpos de conhecimento, nas comunidades, nos indivíduos... Dessa forma, Deleuze constrói um pensamento ético-político, que favorece as forças ativas em detrimento da repetição, da representação, das essências.

Sua ética é uma experimentação, que aceita com fundamento a lógica das afecções. Nesse sentido, as forças ativas são as próprias resistências, as afecções. A experimentação é o que permite a abertura ao caos, às revoluções, às criações. Permite que as minorias subam às superfícies e que elas ressoem a novidade em todo o plano.

Assim, quando voltamos tais perspectivas ao campo da BCI e da OC, trazemos à tona a ontologia prática, a qual ―o conhecer não é mais um modo de representar o (des)conhecido masde interagir com ele, isto é, um modo de criar antes que um modo decontemplar, de refletir ou de comunicar. A tarefa do conhecimento deixa de ser a de unificar o diverso sob a representação,passando a será de ‗multiplicar o número de agências que povoam o mundo‘‖. (CASTRO, 2007, p.96).

Povoar o mundo ou criar conhecimento é reterritorializar, é mergulhar no caos, mas voltar ao estrato. Assim, conforme indica Castro (2007), não basta ao pensamento reconhecer, classificar e julgar, é preciso também pensar a diferença intensiva, e não restringir à substância extensiva.

Se Hjørland afirma o primado do perspectivismo sobre um domínio de conhecimento, inibindo assim as possibilidades de universalismos às representações do conhecimento e da informação, Deleuze vai mais longe, pois em sua Filosofia, não há um analista ou um representador possível; para o francês, coisas e seres, objetos e sujeitos, domínios e representadores estão em mesmo nível, sobre um mesmo

plano. Assim, o perspectivismo deleuziano afirma o perspectivismo não só sobre domínio, mas também sobre o analista. Tal processo se dá por uma linha que arrasta o domínio e seu analista para o ―fora‖, impossibilitando o discernimento entre ambos. Se por um lado, analista e domínio são indiscerníveis, não são os mesmos. São, na verdade, conjuntos de heterogêneos relacionados sob o devir, relações de devir.

Exposto isto, chegamos ao conceito criado por Deleuze (em parceria com Guattari), agenciamento, o conceito que congrega a noção de ―fora‖ e dentro, assim como a ética e as relações entre heterogêneos. O agenciamento enfoca elementos geográficos de um acontecimento, movimentos de (re)territorialização e desterritorialização. Agenciamento é um dos conceitos que revelam a dinâmica do pensamento deleuziano, ao passo em que compreende não só o movimento de atualização, como também as cristalizações dos entes.

Deleuze (1988) e Deleuze e Parnet (1998) descrevem o conceito de agenciamento sob duas duplas de vértices: expressão e conteúdo; (re)territorialização e desterritorialização. A partir disso, formulamos o seguinte esquema:

Figura 6: Agenciamento

Fonte: elaborado pelo autor

Conteúdo e expressão dizem respeito às formalizações, às cristalizações, às codificações, às constituições dos corpos e dos poderes. A dupla ―conteúdo e expressão‖ retrata a solidificação dos corpos, das ordens e das hierarquias, as quais atravessam entidades químicas, biológicas e antropomórficas. Desse modo, conteúdo se revela

nos encontro de corpos, por isso diz respeito às matérias que formam os corpos e aos estados de coisas. Expressão se revela como estilo que conduz as enunciações. São as matérias que, recortadas pelas formas de conteúdo e pelas formas de expressão, constituem substâncias.

Porém, tudo o que é substancial (isto é, extensivo), só o é momentaneamente, numa rede de relações, num rizoma, que conjuga tal substância dessa maneira. O que é não é eterno, mas é sob determinada condição, é enquanto repouso sobre um território.

Nessa óptica, territórios são frágeis, por mais rígidos que sejam, estão sempre sujeitos a linhas transversais, movimentos de fuga, que arrastam suas matérias ao pano de consistência, onde pululam forças intensivas. São movimentos desterritorializantes, os quais permitem a criação, a emersão da diferença. Todavia, o movimento criativo exige um retorno, eterno retorno da diferença, uma reterritorialização na qual a diferença insiste.

O agenciamento articula os heterogêneos, as multiplicidades, podendo elas ser pessoas, paisagens, sons, registros informacionais, saberes, tecnologias, burocracias, fluxos de comunicação, instrumentos normalizadores etc. É uma grande teia, articulada por uma máquina abstrata, na qual as intensidades percorrem linhas molares e moleculares. O agenciamento é retirado de um meio. De início, todo agenciamento é um agenciamento territorial, mas ele se abre a outros agenciamentos, na medida em que um vetor de desterritorialização desencadeia movimentos de fuga.

Embora o conceito de agenciamento seja estruturado em duplas, não devemos reduzi-lo a uma dialética do negativo-positivo. Seu principal intuito é afirmar a vida, o movimento, a criação, o processo. Portanto não preocupa-se com a essência ou a verdade. Não há nada o que descobrir, não há ideologia para a Filosofia de Deleuze. A dialética de Deleuze é positiva e afirma o múltiplo, a diferença.