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Criação na encruzilhada da diferença com o virtual

5.1 A Filosofia da Diferença

5.1.3 Criação na encruzilhada da diferença com o virtual

Conforme expõe Williams (2013, p.84), Deleuze discursa em favor da criatividade no pensamento, pois o papel do pensamento é justamente o de ―revivificar as estruturas que tendem à fixidez‖. A fixidez é definida por representação, que nada mais é que a repetição do mesmo, considerada como uma negação – já que não aceita a diferença. A repetição afirmativa é a que acrescenta diferenças e variações à repetição. ―A Filosofia de Deleuze é sobre o repetir tornando algo diferente e evitando a representação‖ (WILLIAMS, 2013, p.84). O que ocorre em Deleuze é o favoritismo da metamorfose à representação, o que implica no primado da diferença em si, a diferença pura, e não na diferença que se dá posterior ao ser idêntico.

Como seu trabalho gira em torno da criação no pensamento, para Deleuze, o que mais interessa não é ―o que é?‖, mas o ―como funciona?‖. A Filosofia deleuziana é comprometida com a abertura e oposta à determinação. Como Berti (2012, p. 123) alega: ―la función del pensar no es el reconocimiento sino abrirse a los encuentros con el afuera.‖. Trata de libertar o pensamento das referências a uma ilusória realidade e uma limitada imaginação humana‖. (WILLIAMS, 2013, p.88). Por isso, Deleuze sempre aborda o pensamento pelo o que é impensável ou irrepresentável, algo que se manifesta antes mesmo do próprio pensamento e que não se adequa às lógicas representacionais (CHIH, 2011).

Chih (2011, p. 255) coloca que o problema de Deleuze é ―chegar ao grau zero, ao campo virtual das multiplicidades e das diferenças, donde a verdadeira criação poderá irromper‖.

A referência é um ponto fixo, mas Deleuze se interessa pelo movimento, um ir e vir que suscita a imagem do pensamento enquanto matéria do ser, múltipla. (ALLIEZ, 1996). Assim, a noção de experimentação é central para Deleuze, pois em um mundo no qual não há verdades finais, se fazemnecessário seleções e experimentações, numa dinâmica dos afetos, dos agenciamentos não só experimentações no mundo atual, mas principalmente no campo virtual das multiplicidades de forma a constituir uma estética da diferença (CHIH, 2011). Daí seu empirismo transcendental.

Essa perspectiva se completa com a dinâmica da imanência, pois todas as coisas estão conectadas e em reciprocidade, não há separação, só há um mundo e nada se configura como externo ou superior, tudo está no ser, na substância, no eterno retorno ou na imanência.É nesse sentido qeu Deleuze e Guattari (2011a) reportam a noção de platô, uma região contínua de intensidades vibrante e sem objetivo, direção ou meta. Um platô está sempre no meio, nem no começo nem no fim. Platôs se intercomunicam por fendas, por onde flui intensidade. Os platôs são povoados por multiplicidade, nunca por representações.

Williams (2013, p. 99) afirma que a Filosofia deleuziana não é um vale-tudo ou uma Filosofia niilista, mas simuma

Filosofia do sempre resistir a falsas representações e verdades limitadas finais e nunca ver uma diferença como sendo uma diferença entre identidades essenciais. [...] É também uma Filosofia do procurar as intensas conexões que relacionam você às vidas dos outros e que intensificam tais relações.

―A Filosofia de Deleuze consiste na criação de novos modos de organização em estruturas6 que levem um conflito bloqueado a se abrir‖ (WILLIAMS, 2013, p. 102); sendo que ―para Deleuze, deve-se resistir aos termos quando eles começam a enrijecer o pensamento‖. (WILLIAMS, 2013, p. 107). Mas como o movimento de criação procede?

Badiou (1997) afirma que o principal nome que o ser, substância ou eterno retorno recebe é o de virtual. Seu funcionamento se dá numa

6Williams (2013) baseado no artigo ―Em que se pode reconhecer o

estruturalismo?‖ (DELEUZE, 1972), trata estrutura como elemento composto por diferenças puras (que se dão no nível das intensidades) de onde as relações emergem.

binaridade opositiva: virtual e o atual. Todo ente que existe se dá por meio da diferenciação, emana do caos, saltando da dimensão virtual à atual. O virtual é uma potencia imanente e se atualiza no ente constantemente. Toda atualização ou diferenciação é criadora em si mesma, pois implica na afirmação do caos ou virtual. Não há semelhanças entre o virtual e o atual, sendo que o atual remonta sempre ao virtual.

Segundo Craia (2009, p. 117), ―O virtual não é mais abstrato que o atual, não é um Espírito ou uma Ideia que anima o material presente‖, e continua: ―o virtual não é um momento primitivo, nem é parte de uma evolução que procura o atual para atingir sua completude; pelo contrario, o virtual coexiste e acompanha o atual no seu desdobrar-se, e não é eliminado no advento da atualidade.‖. Todo ser se atualiza, e toda atualização implica numa diferenciação, diferenciação como movimento de virtualização.

O virtual é absolutamente real, e designa uma multiplicidade pura, que permite os processos de diferenciações, as singularizações. O atual é absolutamente real e designa entes singularizados que não apenas existem, mas insistem enquanto atualização das potencias do virtual. O movimento de atualização provoca uma mudança, uma criação, por isso implica um devir. Deleuze fala que o virtual é um problema, e o atual uma solução, portanto são indissociáveis, não são pólos, mas sim um fluxo.

Para Deleuze, a realidade composta apenas pelo prisma da identidade é incompleta, pois ignora as variações de diferenças que se dão num nível mais profundo, tendo em vista que as identidades são como ―efeitos‖ de um jogo subterrâneo da diferença com a repetição.

A Filosofia da Diferença se interessa pelo que foge do padrão, pois pretende isto e não a mesmice em maior ou menor escala. Se interessa por uma intensa sensação individual associada a um movimento dentro de um todo envolto virtual, portanto o ponto que interessa é precisamente as expressões enquanto variações nas sensações e ideias dos indivíduos envoltos numa determinada situação de criação e/ou experiência. Isto fica claro quando Deleuze critica o platonismo por marginalizar o papel da diferença em sua concepção, entendendo-a como uma cópia da cópia. É entãoque Deleuze procura negar a prevalência do original (modelo) sobre a cópia. Em Deleuze não há um mundo original e genético, apenas uma cadeia externa de diferenças relacionadas, da qual retorna (infinitas vezes) a realidade, mas por meio da diferença. Por isso é crucial nessa Filosofia a inserção de variações na mesmice. A vida deve ser experimental, criativa, inventiva!

A criação permite a volta da diferença e o reposicionamento da identidade. ―As coisas nunca serão as mesmas após cada criação‖ (WILLIAMS, 2013, p. 112), pois ela junta passado, presente e futuro num instante.

Deveríamos resistir às tentações da mesmice (‗Quem sou eu?‘, ‗O que quero ser?‘) e abraçar as da diferença (‗Onde estou me tornando?‘, ‗Onde se pode pôr em prática mais vir a ser?‘). Há um forte sentido de liberdade aqui, mas não de livre- arbítrio. É uma liberdade em relação com o retorno de diferenças, onde a liberdade não pode ser uma relação com uma simples abertura ou lacuna, mas com variações bem determinadas. (WILLIAMS, 2013, p. 112-113)

A seguir, para dar conta desse movimento de criação e do resgate constante da diferença, destacaremos o livro de Deleuze e Guattari,O

que é a Filosofia?,o qual além de tratar do pensamento na Filosofia,

Ciência e Arte, consolida uma linguagem técnica própria que permeará a discussão e os resultados deste trabalho.