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Um olhar metodológico sobre a Análise de Domínio

HJØRLAND, 2008; MOSTAFA, 2012).

O paradigma social na BCI centraliza a abordagem pragmática, a qual acaba tornando-se ―um fundamento essencial para o estudo da informação, uma vez que reconhece a dialética do sujeito com o mundo que o cerca‖ (RENDÓN ROJAS,1996apud SALDANHA, 2011, p. 50). Com isso, metodologias qualitativas adquirem maior presença nas pesquisas da área, atentando-se mais às narrativas, assim como as teorias se aproximam mais dos universos das ciências humanas e sociais, elevando o contexto como fundamento para compreensão dos fenômenos e processos informacionais (SALDANHA, 2011).

4.2 Um olhar metodológico sobre a Análise de Domínio

O Tesauro Brasileiro de Ciência da Informação (PINHEIRO; FERRÉZ, 2014) classifica a Análise de Domínio, sob a classe

organização do conhecimento, como termo relacionado asistemas de organização do conhecimento, o qual é compreendido na categoria Organização do Conhecimento e Recuperação da Informação. O termo

em questão não apresenta nenhum nível hierárquico inferior; além disso, tem ainda mais dois termos relacionados ontologias e paradigmas sociais, conforme demostrado no quadro 3:

Quadro 3: Descritor de Análise de Domínio no Tesauro Brasileiro de Ciência da Informação

Fonte: adaptado de Pinheiro e Ferréz (2014).

Sobre esse arranjo semântico, acreditamos que é coerente a posição do termo análise de domínio sob a categoria ―Organização do Conhecimento e Recuperação da Informação‖, assimo como sob a categoria de segundo nível ―Organização do Conhecimento‖. Mas, com relação a essa categoria de segundo nível, é possível um entendimento dúbio. A Análise de Domínio é concebida por Hjørland, um pesquisador atuante na OC, o que justifica o enquadramento da análise de domínio incluída ao nível 2.1, como demostra a figura acima. Contudo, essa classificação não pode ser vista restritivamente, pois Hjørland afirma que a Análise de Domínio não tem funções exclusivas à OC, mas a diversos assuntos relativos à Biblioteconomia e a Ciência da Informação

(HJØRLAND; ALBRECHTSEN, 1995; HJØRLAND, 2002a;

HJØRLAND, 2008), como demonstra nas onze abordagens de sua teoria (HJØRLAND, 2002a).

Em relação aos termos relacionados, concordamos com as suas posições, contudo são poucos termos, visto a diversas utilidades e ferramentas que envolvem a proposta hjørlandiana. Constatamos que o tesauro não trata com a devida especificidade a teoria de expressiva presença na área de OC e da BCI. Ainda, consideramos que a definição

do termo apresentado em nota explicativa é bem fundada no tesauro, embora não cite as dimensões explicitadas por Hjørland e Hartel (2003) ou as categorias analíticas inspiradas em Whitley (HJØRLAND; ALBRECHTSEN, 1995). Segue a nota explicativa do termo análise de

domínio:

Conceito inicialmente formulado na ciência da computação. Na ciência da informação é a abordagem da "informação construída" pelas comunidades discursivas, nas suas formas de linguagem e comunicação e que, a partir da estrutura da informação da disciplina, tamanho e distribuição da literatura, campos de assuntos e temas, terminologia, representação do conhecimento, estrutura nacional e internacional, circunscreve e configura uma área, no espaço social e cultural.(PINHEIRO; FERRÉZ, 2014, p. 25).

Existem alguns trabalhos que se propõem a realizar a Análise de Domínio em situações diversas. Hjørland (2005, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012; HJØRLAND; HARTEL, 2003; HJØRLAND; HANSSO, 2005; HJØRLAND; NISSEN, 2005) cita recorrentemente o trabalho de Ørom (2003), que propunha averiguar o domínio das Artes visuais. Neste artigo, Øromanalisa, com tendência historicista, como diferentes discursos e paradigmas se manifestam em três níveis de organização do conhecimento no domínio da Arte: exibições de Arte; documentos impressos, audiovisuais e multimídias; e por fim, sistemas de classificação, bibliografias e tesauros. Considera que as necessidades de informação dos usuários são articuladas sob diferentes visões de mundo ou paradigmas.

Ørom identificou quatro paradigmas manifesto nos estudos acadêmicos de Arte: o paradigma iconográfico, paradigma estilístico, o materialista e o new art history. Já no universo das instituições de Arte verificou a constituição de três perspectivas: visão renascentista que fundamentava a concepção das obras em relação a biografia dos artistas e em ciclos culturais; a visão definida pela Academia Real de Pintura e Escultura de Paris, por volta de 1660, baseada em motivos (humanos, religiosos, retratos, etc); e, como consequência da Revolução Francesa, o século XVIII adota uma perspectiva evolucionista e geográfica da Arte (exposição).

A análise de Ørom se dá sobre discurso que geralmente surgem nas exposições e nos documentos primários e depois são disseminados aos

documentos terciários e sistemas de representação do conhecimento, discurso que são ―marked by social values, worldviews, scholarly paradigms and pre-paradigms.‖ (ØROM, 2003, p.132). O enfoque de Ørom destaca a epistemologia, mas não só já que diferencia sociologicamente as instituições artísticas da esfera de estudos acadêmicos sobre Arte, levantando assim diferentes visões existentes num mesmo domínio e que interferem diretamente na forma de pensar e conceber os produtos da organização do conhecimento e a classificação dos documentos desse domínio.

Em outra oportunidade,Hjørland (2011) cita o trabalho de Luyt (2011) como um exemplo da intenção da Análise de Domínio, pois retrata várias vozes no corpus textual, e não só a dominante. Luyt compara a história de Singapura e das Filipinas apresentada no site da Wikipédia, justificando sua seleção por esses dois países devido as diferentes abordagens correntes de história nos mesmos. O objetivo desse trabalho é de constatar se as historiografias dominantes nos dois países são refletidas nas páginas de cada nação. Parte do entendimento da história como seleção e organização de evidências, portanto uma prática científica arbitrária. Assim, espera-se que a história de alguém, algo ou alguma coisa seja não umaverdade, mas uma perspectiva dentre diversas outras possíveis (LUYT, 2011). A perspectivade história da academia de Singapura privilegia fatos econômicos e políticos em detrimento dos aspectos sociais e culturais, sobrepujando o papel das elites e ignorando grupos marginalizados, tais como as mulheres e minorias étnicas; além disso, esse discurso simplifica o contexto de globalização e as relações exteriores que proporcionaram o crescimento econômico do país. Já nas Filipinas, que tem uma produção acadêmica da história há mais tempo que Singapura, além dessa história contadapor um viés da modernidade, há uma outra vertente, que considerada o lado das pessoas conquistadas e exploradas, ou seja, uma perspectiva que emanou das próprias pessoas que constituiam comunidades pequenas e autênticas e que formaram sua imagem de comunidade e nação.

Luyt (2011, p. 1063) constatou que ―The different historiographical traditions have a significant effect on the nature of the Wikipedia account of each nation‘s history‖, e ainda nos lembraque a história é feita por pessoas que já carregam consigo uma bagagem cultural e influenciadas por necessidades políticas e econômicas. Assim, aponta que mesmo a internet tendo grande potencial para libertar diversas vozes de uma perspectiva dominante, isso é de difícil efetivação, visto que em Singapura há uma história mais fechada, contada de uma única perspectiva, diferentemente do caso das Filipinas que, por já ter

consolidado em sua historiografia visões alternativas, transpôs de forma mais aberta seus relatos na plataforma Wiki. Nesse contexto, Luyt (2011, p. 1064) afirma que ―the information professional‘s aim becomes to provide maps for the knowledge claims of the various disciplines‖, devendo buscar

explore plausible and documented alternative historical narratives to make sure that these voices are not lost in the clamor of dominant historiographical traditions. In this way, the promise of digital technology to allow for multiple voices would be closer to realization. (LUYT, 2011, p. 1064).

Hjørland (2013) referencia igualmente o trabalho de Blake (2011) a fim de ratificar a importância do profissional da informação em estudar as teorias que constituem um domínio, não apenas enfocar os usuários ou as instituições. Blake se propõe a estudar o caso dos mamíferos e sua manifestação na CDD. Elealega que a classificação dos mamíferos é inerentemente fluída, pois muda constantemente as relações seriais, devido ou a novas teorias (advindas mais de estudos moleculares, atualmente) ou a novas informações que são importantes na composiçãoda taxonomia (novos relacionamentos ounovas [sub] classes). Destaca que a eficiência na recuperação da informação deve ser priorizada em detrimento de uma maior cientificidade na taxonomia, alertando que novos estudos devem priorizar a precisão da recuperação, mantendo a cientificidade das classificações até o ponto que isto não dificulte nessa recuperação.

Zins e Guttmann (2003) desenvolveram uma abordagem mais empírica da Análise do Domínio, buscando um método cientificamente válido para aplicação no domínio do serviço social. Sua metodologia é dividida em quatro etapas, das quais a primeira busca compreender de forma racionalista conceito de serviço social enquanto um fenômeno; dela se formulou sete facetas principais do domínio. As três fases seguintes são todas caracterizadas como empiristas. A segunda fase ajustou as facetas de acordo com uma sistemática coleta e análise de dados em documentos secundários e terciários da área, utilizando a metodologia teoria fundamentada. A terceira fase consistiu num levantamento de termos fornecidos por fonte previamente determinada, assim como foi estabelecida a quantidade de termos desejada; os termos foram necessariamente atribuídos ao menos a uma categoria. A quarta

fase foi de classificação de artigos nas classes estabelecidas; tais artigos tiveram seus textos analisados e que foram retirados de revistas e períodos previamente definidos. Parece-nos que a proposta de Zins e Guttmann (2003) tem um perfil bastante distinto da proposta de Hjørland, visto que ela enfoca mais a análise de documentos primários e terciários que propriamente a epistemologia, as teorias ou as estruturas sociais do domínio.

Smiraglia (2014, p. 87) afirma que embora a Análise de Domínio seja composta por um conjunto de métodos que devem ser modelados de acordo com o domínio, é possível realizá-la com base em métodos quantitativos: ―In fact, most domain analysis is informetric, using combinations of citation analysis, author cocitation analysis, co-word analysis, and network analysis to compare visualizations of a domain.‖. O método infométrico mais comum é a análise de citação. Citações formam redes sociais acadêmicas, à medida que associam pesquisas, e podem revelar evidências e conferir substância a um domínio. A análise de citação pode indicar quantas citações os artigos receberam em um domínio, ou qual a distribuição desses artigos por países; ou ainda pode- se efetuar triangulação de dados e verificar quais tipos de documentos são citados e sua distribuição ao longo do tempo. A análise de coocorrência utiliza softwares para calcular a frequência de determinado termo no corpo do texto, podendo comparar palavras com alta frequência num evento ou revista em relação ao domínio, a partir de títulos, palavras-chave, resumos ou o texto completo.

Outro método citado por Smiraglia (2014) é a análise de cocitação de autoria, a qual considera que autores que citam o mesmo material podem apresentar semelhanças em suas pesquisas ou perspectivas, e geram gráficos que representam a opinião do domínio em conjunto de clusters, revelando proximidades e afastamentos em relação à abordagem de um domínio entre diversos autores. Há também a análise de redes que mapeia as relações entre os autores de modo mais complexo, com base em simetria ou assimetria dada sua proximidade, nos ajudando a visualizar o grau de interconexões entre grupos temáticos e as forças dessas associações.

A última técnica de análise abordada por Smiraglia (2014) é a análise cognitiva do trabalho (cognitive work analisys). Essa análise vinda da etnografia é recente na OC e configura-se como qualitativa. Consiste na imersão do pesquisador no ambiente de trabalho visando compreender como os atores interagem interna e externamente, como é gerado e compartilhado o conhecimento e como eles organizam seu próprio trabalho. Pretende-se gerar resultados sobre os dados coletados

que permitam a visualização de uma ontologia compartilhada e uma heurística baseada em tarefas. Essa técnica possibilita identificar diferentes situações de usos de distintos vocabulários.

A explanação de Smiraglia (2014) demonstra formas de aplicarmos um estudo de domínio, mas, assim como a proposta de Zins e Guttmann (2003), é focada também numa abordagem demasiadamente empírica em relação à proposta de Hjørland. Percebemos que essa é uma tendência na BCI: diversos autores abordam a Análise de Domínio como significado para um conjunto de aplicações infométricas num campo simbólico científico determinado, talvez pela forte presença do cognitivismo na área, que traz consigo essa marca do positivismo e do empirismo. (HJØRLAND, 1998). Hjørland afirma em diversos trabalhos que sua proposta não é restrita a esse tipo de método, além da perspectiva empírica, há outras possíveis abordagens: a racionalista, a historicista e a pragmatista, conforme segue o quadro:

Quadro 4: Abordagens epistemológicas para Organização com Conhecimento

Objeto de pesquisa Visão sobre documento

Empirismo estudos baseados em estatísticas

conjunto de documentos baseados em algo em comum, como um termo ou uma citação

Racionalismo estudos baseados em operações (divisões) lógicas

categorias construídas por divisões lógicas e consideradas eternas e imutáveis

Historicismo estudos baseados em perspectiva evolucionista construção do conhecimento em comunidades em relação Pragmatismo estudos baseados na análise de metas e seus efeitos parte de análises críticas sobre o estado e o desenvolvimento do

conhecimento Fonte: conforme de Hjørland(1998).

Como denota o quadro acima, o maior exemplo de Análise de Domínio promovida pelo próprio Hjørland (1998) se deu no artigo em que era proposto um estudo sobre a classificação do domínio da psicologia. Nele Hjørland afirma as diversas possibilidades de classificações que, portanto, nunca são neutras e sempre estão articuladas a paradigmas e epistemologias. Assim, o dinamarquês percorre os seguintes passos:

 Trata da origem do termo ―psicologia‖;

 cita os primeiros pensadores desse campo (iniciando em Aristóteles);

 cita a emergência dessa ciência de modo independente no século XIX e o principal responsável pela sua fundação (Wundt);

 trata das principais correntes de pensamento na área, destacando que sempre há conflitos e relações de poder entre elas (casos de hegemonia);

 destaca a importância de inicialmente distinguir os conceitos de disciplina (e subdisciplina), categorias científicas, área de assunto e abordagens (escolas, sistemas, paradigmas) como unidades de classificação;

 afirma que as disciplinas são institucionalizadas e que a divisão social do trabalho acadêmico interfere em suas abordagens temáticas, teóricas e metodológicas, mas que seus critérios podem variar;

 define as subdisciplinas: são como objetos de estudo especializados e estudados por grupos de dentro da disciplina e que podem se tornarem mais conectadas com seu desenvolvimento. Elas também podem existir antes da própria institucionalização da disciplina;

 define movimentos, visões, escolas, paradigmas, correntes etc.: são teorias que orientam a interpretação das ideias, desenvolvendo categorias e teorias do conhecimento;

 define categorias: são os termos que representam os conceitos fundamentais, que devem ser estudados em sua formulação e suas variadas significações;

 afirma que deve-se compreender a interação entre as disciplinas, subdisciplinas, paradigmas e categorias, começando pela identificação dos pressupostos filosóficos e teóricos e, depois, identificar as abordagens básicas e os paradigmas interdisciplinares e disciplinares. Estabelece uma tabela que cruza as abordagens teóricas com as abordagens básicas;  distingueos paradigmas existentes no domínio;

 afirma a importância do campo organizado e independente das pressões externas para que se consiga desenvolver um corpus consistente.

Dessa forma, Hjørland (1998, p. 176) destaca a importância de conectar as abordagens da Ciência com as teorias epistemológicas, defendendo que ―basic epistemological theories like empiricism, rationalism, historicism, and pragmatism can provide a basis for the classification of knowledge fields.‖. Para ele, ―empiristic and rationalistic theories have so far been very dominating, but that the broad family of historically and culturally oriented epistemologies has much to contribute.‖ (HJØRLAND, 1998, p. 176).

Assim, constatamos a necessidade do desenvolvimento de mais trabalhos sobre a Análise de Domínio, sobretudo sob viés menos quantitativo (menos empírico), visto que tal abordagem parece ser privilegiada nos estudos de domínios realizados até o momento na OC. (HJØRLAND, 2001; 2009; 2013a). Para o bibliotecário europeu,

Methods based on citation analysis (e.g. co- citation analysis and bibliometric coupling) represent social organizations and cannot as such be expected to correspond fully to theory-based KOS. They are valuable but cannot substitute domain-analytic studies concerned with substantial theory. [...] Although bibliometrics is often associated with domain-analysis, I here argue for considering these approaches separate. (HJØRLAND, 2013, p. 13).

Um caminho recém-aberto é a proposta da análise cognitiva do trabalho, como demonstra Smiraglia (2014). O objetivo desta pequisa passa por isso, pelo entendimento do que o bibliotecário dinamarquês compreende por ―comunidade discursiva‖, ―domínio‖ e ―linguagem‖, justamente para desenharmos possibilidades teórico-metodológicas a partir da Filosofia de Gilles Deleuze, trazendo o problema da diferença para o centro da OC e da BCI.

4.3 Os conceitos de “comunidade discursiva”, “domínio” e