• Nenhum resultado encontrado

Movimentos do território no agenciamento

5.3 O conceito de agenciamento em Deleuze

5.3.3 Movimentos do território no agenciamento

Como propõe Deleuze (1988), além dos corpos e das enunciações, um agenciamento é composto pelos movimentos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Esses movimentos fixam os agenciamentos, os estados de coisa e os enunciados no plano de consistência, no plano de organização ou nos seus entremeios. A reterritorialização trata de uma (nova) distribuição da terra, conferindo substância ao conteúdo (corpos) e código à enunciação (expressão); mas que não ocorre sem uma desterritorialização, a qual liberta a matéria, arrastando o conteúdo e a expressão sobre uma linha de fuga, uma linha de devir. Nesses dois movimentos, são constituídos blocos de devir, implicando sempre um outro-da-relação entre os componentes do agenciamento, assim nada se conserva em si nessa malha de transformação. São os devires ou as linhas de fuga que produzem o novo, o pensamento. (DELEUZE; PARNET, 1998).

Podemos atrelar adjetivos ao termo agenciamento, reconhecendo assim a existência de agenciamento desterritorializados e agenciamentos (re)territorializados. Um agenciamento territorial detêm componentes dimensionais (infra-agenciamentos) pelos quais ele se organiza, além dos componentes de passagem ou de fuga (interagenciamentos) pelos quais ele se dirige a outros agenciamentos. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b).

O território tem a função de proteção, tal como uma casa que abriga seres vivos. Os pensadores franceses relatam a cena da criança no escuro, com medo, que cantarola em função de se proteger, uma cançãozinha estabilizadora no seio do caos, um começo de ordem no caos. Essa casa não preexiste, ―foi preciso traçar um círculo em torno do centro frágil e incerto, organizar um espaço limitado‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 122), então, há toda uma seleção, eliminação,

extração, que fazem chão, conferem as forças terrestres sua resistência, a capacidade de não submergirem. O território é um ato: territorialização. Ele funciona pela seleção de ―materiais, produtos orgânicos, estados de membrana ou de pele, fontes de energia, condensados percepção-ação‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 127). O território é dimensional, expressivo, por isso revela-se como assinatura, isto é marcação de um território, ou seja, é a marca ou a expressividade que faz o território.

A marca é como um signo do tipo índice, pois indica um limite territorial. É uma expressividade que devém estilo, um tipo específico de fazer. É constituída por matérias de expressão que exprimem a relação entre território e meio associado. A marca revela que o território é antes de tudo uma questão de distância: distância do caos, distância dos outros, sendo ela constituída no limite dessa distância. A distância afasta as zonas de indiscernibilidade, as zonas de vizinhança. O território assegura as diferenças específicas e as identidades. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b).

Todavia, ao mesmo tempo em que ocorre a territorialização, também acontece a desterritorialização, inerente às qualidades expressivas, as matérias de expressão que é feita sob códigos, os quais, por si só, nascem em defasagem com o território. A desterritorialização aparece nas margens desse código. A desterritorialização é o atravessamento do território pelos meios, isto é, a passagem das matérias expressivas do meio aos territórios. Os meios sempre estão em defasagem em relação ao território, por isso possibilitam o surgimento de novas espécies, novas identidades. O território é primeiramente lugar de passagem, assim, Deleuze e Guattari (2012b, p. 139) afirmam que ―O território é o primeiro agenciamento, a primeira coisa que faz agenciamento, o agenciamento é antes territorial‖.

O intra-agenciamento compreende, além do agenciamento territorial, as funções territorializadas, ―No intra-agenciamento, intervém toda a espécie de componentes heterogêneos: não só as marcas do agenciamento que reúnem materiais, cores, odores, sons, posturas, etc.‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 140). A partir disso, a questão que se põe a saber é: como as marcas heterogêneas inter-agenciadas se mantém juntas?, como elas não se dissipam?, como adquirem ou conservam a consistência?

Há também outra questão, que cruza com essas primeiras relativas à consistência. Como um agenciamento se abre a outros? Como se dá essa passagem? É sempre pela matéria de expressão, a qual é um elemento desinibidor de uma desterritorialização, tal como um vetor, um operador, um conversor de agenciamentos, agentes de

desterritorialização. Assim, há novas formações de agenciamentos no agenciamento territorial, um movimento que vai dos intra- agenciamentos aos interagenciamentos. Assim há territorializações e desterritorializações, isto é, constituem-se intra e depois interagenciamentos. Os dois movimentos são distintos, e o movimento de desteritorialização na verdade não cessa de passar dos intra- agenciamentos aos interagenciamentos. São movimentos distintos, porém imbricados.

Voltando à questão da consistência, além de concernir ao modo como os componentes de uma agenciamento territorial se mantém juntos, ela também refere-se a forma pela qual os diferentes agenciamentos são mantidos com seus componentes de passagem e de alternância. A consistência é um problema de coexistência ou sucessão dos heterogêneos. Para Deleuze e Guattari (2012b, p. 146), mesmo num dado agenciamento territorial é o vetor desterritorializante que mantém a consistência do território. Segundo os pensadores franceses, o problema da consistência não se trata mais de ―impor uma forma a uma matéria, mas de elaborar um material cada vez mais rico, cada vez mais consistente, apto a partir daí a captar forças cada vez mais intensas.‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 149). O que deixa o material cada vez mais rico é justamente o que faz com que heterogêneos mantenham- se juntos preservando essa heterogeneidade. Quem os mantém são osciladores, são sincronizadores moleculares. Se tratamos da consistência na desterritorialização, falamos em consolidação quando território, por assim ser, o agenciamento territorial se consolida num meio, ―um consolidado de espaço-tempo, de coexistência e de sucessão.‖(DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 149).

Para tanto, é preciso que as matérias de expressão se caracterizem de forma a possibilitar a tomada de consistência, o que ocorre quando se formam marcas, assinaturas e estilos, as quais reorganizam as funções pela reunião das forças. Segundo Deleuze e Guattari (2012b, p. 150- 151), ―A consistência se faz necessariamente de heterogêneo para heterogêneo: não porque haveria nascimento de uma diferenciação, mas porque os heterogêneos que se contentavam em coexistir ou suceder-se agora estão tomados uns nos outros, pela ‗consolidação‘ de sua coexistência e de sua sucessão.‖. E essa síntese de heterogêneos é maquínica, pois esses heterogêneos são matérias de expressão e sua síntese (ou consistência) forma um enunciado propriamente maquínico.

Sobre os efeitos da desterritorialização, toda vez que esse movimento afeta um agenciamento territorial, se desencadeia uma máquina. Para Deleuze e Guattari (2012b, p. 154), ―uma máquina é

como um conjunto de pontas que se inserem no agenciamento em vias de desterritorialização, para traçar suas variáveis e mutações. [...] uma máquina diretamente conectada com o agenciamento e liberada pela desterritorialização‖ e que gera efeitos maquínicos. Nesse sentido, essas máquinas produzem os enunciados maquínicos que definem a consistência na qual entram as matérias de expressão. Tais produções nunca são simbólicas ou imaginárias, elas detêm um valor real de passagem e de alternância. A máquina liga-se a um agenciamento territorial, podendo-lhe causar três tipos de aberturas: a) o abre à agenciamentos da mesma espécie (interagenciamento); b) o abre à agenciamentos interespecíficos (como no caso de parasitismo); c) o abre ao caos. Ainda, uma máquina pode causar um quarto efeito: ao invés de abrir o agenciamento, pode fechá-lo em si mesmo, fazendo-o cair e girar em torno de uma espécie de buraco negro.

As máquinas, além de abrirem ou fecharem agenciamentos, participam também da emergência das matérias de expressão, o que significa que as máquinas mesmas constituem os agenciamentos territoriais e os vetores de desterritorialização. Ainda, as matérias de expressão, a medida que tomam consistência, constituem semióticas, mas os componentes semiótico não são dissociados dos componentes materiais conectados aos níveis moleculares. São dimensões distintas, molar-molecular, nas quais uma mesma diferença pode se enunciar. Cada agenciamento comporta uma máquina própria,estabelecennddo um relacionamento específico.

―O agenciamento territorial implica uma descodificação, e ele próprio não é separável de uma desterritorialização que o afeta‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 158-159). O agenciamento desterritorializado põe em relação os heterogêneos, sem hierarquia ou ordem, tendo sua consistência garantida pelas transversais. Transversal é um componente que assume o vetor de desterritorialização mantendo junto todos os componentes. É a transversal que mantém o agenciamento desterritorializado, impedindo-o dele se dissolver no fluxo das intensidades. Assim, há oposição entre a consistência dos agenciamentos e a estratificação dos meios. Os meios oscilam entre a reestratificação e a abertura desterritorializante que os conecta com o plano de consistência. Então, é importante ressaltar que ―é no plano de consistência que os estratos endurecem e se organizam, e que é nos estratos que o plano de consistência trabalha e se constrói‖ (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 160).

As forças, sejam do caos ou da terra, não são captadas como tal, são antes refletidas em relação de matéria e da forma, por isso Deleuze e

Guattari as afirmam como limiares de percepção que pertencem a este ou aquele agenciamento. Somente no movimento de desterritorialização que as forças surgem puras e atribuídas ao caos. É necessário que se estabeleçam condições para que as forças subam à superfície, fazendo as forças de um agenciamento de desterritorializado devirem componentes em um novo agenciamento. O que há nos agenciamentos são matérias de um devir, operadas por uma máquina e passando por entre agenciamentos independente de uma ordem fixa ou sucessão determinada. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b).

5.3.4 Agenciamento: possibilidades cartográfias