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3 DA AÇÃO DE CLASSE À AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4 TIPOS DE AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4.3 AGREGAÇÃO PRIVADA

A agregação privada é uma das formas de agregação informal, que é realizada pelas partes e por seus advogados, sem supervisão ou controle oficial pelos órgãos do Poder Judiciário.368

Isso ocorre em função da concentração das causas similares e repetitivas em um mesmo escritório, da especialização dos escritórios de advocacia, que são contratados para essas demandas de massa, e dos contatos profissionais estabelecidos entre advogados, que encaminham causas e clientes para outro profissional, segundo o procedimento referral.369

Referral é um tipo de encaminhamento de clientes e demandas entre escritórios de advogados,

que facilitam a concentração das demandas de massa sob o controle de um único escritório.370

366 MARCUS, SHERMAN, ERICHSON, 2010, p. 774.

367 SHERMAN, Edward F. The MDL model for resolving complex litigation if a class action is not possible. Tulane Law Review, 2008, V. 82: 1-29p. p. 17.

368 AMERICAN LAW INSTITUTE, 2010, p. 14. 369 Ibidem, p. 34-35.

Normalmente, as partes mais vulneráveis da controvérsia, como as vítimas ou os consumidores, apresentam maiores dificuldades de identificar o advogado mais especializado sobre aquela controvérsia. A técnica do referral cria incentivos para que os advogados menos experientes encaminhem seus clientes e causas para advogados mais experientes no tocante àquela controvérsia, facilitando, com isso, uma agregação informal de demandas sob o controle de um mesmo escritório. Cria-se, com isso, uma microestrutura para facilitar a resolução agregada.371

Ainda que não seja utilizada a técnica do referral, alguns escritórios de advocacia experientes, todos defendendo múltiplas demandas individuais, tendem a associar-se para, juntos, negociarem a resolução da controvérsia com o requerido e seus advogados. Práticas como essa podem originar, por força de contrato, um acordo coletivo extrajudicial, fora da ação coletiva.

De igual modo, tanto o referral quanto a associação de escritórios podem ser combinados com outras técnicas de agregação. Por exemplo, a coordenação ou a associação dos escritórios ou a reunião das causas sob a defesa de um único escritório facilita a formação de um conselho de advogados por ocasião do contencioso multidistrital, bem como possibilita o oferecimento de peças postulatórias e instrutórias unitárias para todas as partes das demandas individuais.

Ademais, é preciso destacar que, na agregação privada, o próprio modelo de resolução alternativa ou autocompositiva das controvérsias é, parcialmente, alterado. Nesse caso, a autocomposição não está subordinada à supervisão judicial. Igualmente, não se exigem os mesmos requisitos e a aprovação do acordo pelo magistrado, como ocorre nas ações coletivas.

Lembra-se que o acordo na ação de coletiva exige a prévia certificação da ação de classe, bem como a adoção, pelo juiz, de medidas de garantia ou de ressalva dos direitos dos membros ausentes da classe e dos membros futuros do grupo. Na ação coletiva, a aferição da representatividade adequada é realizada de forma estreita, considerando a potencial vinculação dos indivíduos, que não ingressaram em juízo e que não escolheram aquela representação.372

371 AMERICAN LAW INSTITUTE, 2010, p. 34-35.

372 Principalmente nos casos de danos causados por vício do produto, a resolução da controvérsia em uma ação de classe, mesmo por força de acordo entre as partes, é matéria complexa, uma vez que o magistrado deverá certificar a ação de classe como coletiva, bem como aferir a representatividade do autor coletivo em relação aos membros ausentes e futuros da classe. Todos os requisitos da ação de classe devem ser satisfeitos para fins de aprovação do acordo na ação de classe. Essa maior restrição e exigência das Cortes de Justiça é perceptível nos precedentes Amchem e Ortiz (Cf. UNITED STATES OF AMERICA. Supreme Court of United States. Amchem

Products, Inc v. Windsor. 521 U.S. 591 (1997). UNITED STATES OF AMERICA. Supreme Court of United

Igual preocupação é, em grande parte, afastada nas hipóteses de acordos coletivos realizados fora da ação de classe. Esses acordos coletivos podem ser realizados por ocasião da reunião de demandas individuais no contencioso multidistrital, bem como podem ser pré-processuais. As causas repetitivas podem estar concentradas nos mesmos escritórios de advocacia, os quais iniciam, junto à parte contrária, as tratativas do acordo coletivo em relação à controvérsia.373

O acordo coletivo fora da classe não suscita tantos problemas quanto ao acordo realizado na ação coletiva, pois, no primeiro caso, não há necessidade de certificação da ação de classe, tampouco vinculação dos membros ausentes e futuros do grupo. Os indivíduos alcançados pelo acordo são aqueles cujas demandas individuais pendem em juízo, bem como aqueles cujos advogados, por eles escolhidos, negociaram o acordo, considerando a situação dos clientes.374

Estudos dogmáticos sobre a agregação informal privada são mais difíceis, pois, como a agregação privada independe de aprovação da Corte de Justiça, esses casos não são reportados. É cediço, no entanto, que, por força do estatuto de ética profissional dos advogados, eventual acordo coletivo realizado pelo advogado, em seu portfólio de causas repetitivas, deve ser objeto de esclarecimento ao cliente, bem como de consentimento formal pelas partes interessadas.375

Uma solução híbrida, relativa à agregação privada, ocorreu no caso VIOXX. Nessa ocasião, foi negociado, em um contrato, um acordo coletivo entre a empresa ré e os escritórios advocatícios, responsáveis pelas demandas individuais que pendiam no sistema judiciário federal e estadual.

O acordo envolvia a formação de um fundo no valor de R$ 4.85 bilhões de dólares, que seria distribuído entre os autores individuais por um programa administrativo, que avaliaria os seguintes aspectos para a concessão da reparação: (i) comprovação médica de ataque cardíaco

373 AMERICAN LAW INSTITUTE, 2010, p. 188.

374 Em sentido semelhante, conferir: ERICHSON, Howard M. A typology of aggregate settlements. Notre Dame Law Review, 2005, V. 80: 1784-1792p. p. 1788.

375 Linda Mullenix é uma das críticas do acordo coletivo extrajudicial, na forma como realizado no sistema jurídico estadunidense, pois a Corte de Justiça não pode assegurar a observância das garantias processuais do devido processo legal. O acordo coletivo é transformado em um mero arranjo contratual realizado pelos advogados, que não necessariamente assegura os interesses das partes. Há um movimento na jurisprudência, no entanto, pelo reconhecimento da “quasi class action”. Se houver assistência judicial e incentivos judiciais (nomeação de um

special master, audiências) à formulação do acordo, como ocorre, por exemplo, no contencioso multidistrital, é

possível reconhecer um grau de controle pelo Poder Judiciário, o que autorizaria a supervisão judicial sobre os termos e sobre a justiça do acordo para as partes. A doutrina da “quasi class action” foi enunciada no caso Zyprexa pelo magistrado Jack B. Weinstein (Cf. MULLENIX, Linda. Aggregate litigation and the death of democratic

ou acidente vascular cerebral isquêmico; (ii) comprovação de receita médica, prescrevendo, ao menos, 30 pílulas de VIOXX e; (iii) proximidade da prescrição médica com o evento lesivo, que suporte a presunção de que o medicamento foi ingerido 14 dias antes da lesão alegada.376

Todos os escritórios de advocacia deveriam recomendar a 100% dos seus clientes o ingresso no programa administrativo, ao menos aqueles que sofreram ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral isquêmico. Caso o autor individual, representado por aquele escritório, não aceitasse a inscrição no programa, o escritório deveria renunciar a representação, encaminhando-o para outro profissional. Essa medida foi utilizada para evitar o cherry-picking, isto é, a atuação estratégica do advogado de recomendar para o programa apenas os casos individuais fracos, permanecendo com as causas individuais mais robustas e com melhores chances de vitória.377

O programa foi considerado vantajoso pelo comitê de partes, que atuava no contencioso distrital, pois a comprovação do nexo de causalidade específico era muito complexa, exigindo um processo longo e arrastado, que já pendia fazia mais de três anos nas Cortes de Justiça.378

Por todo o exposto, comenta-se, hoje, o fenômeno da hibridização379 da resolução das

controvérsias de massa. As demandas individuais são iniciadas nas Cortes de Justiça, mas, posteriormente, resolvidas por mecanismos alternativos de resolução da controvérsia levado a efeito por sujeitos privados. A satisfação individual é assegurada, em regra, pela criação de um fundo administrativo, o qual, segundo os parâmetros negociados pelas partes, é responsável pelas indenizações devidas. O Poder Judiciário torna-se um dos veículos para autocomposição.