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3 DA AÇÃO DE CLASSE À AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4 TIPOS DE AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4.2 AGREGAÇÃO ADMINISTRATIVA

3.4.2.3 COORDENAÇÃO (COORDINATION)

Todas as técnicas de transferência e consolidação, com exceção da falência, aplicam-se, exclusivamente, ao sistema federal. Não há mecanismo de agregação direto para demandas individuais pulverizadas entre o sistema judiciário federal e estadual. Mesmo nas ações coletivas, há resistência à certificação de ações coletivas mandatórias ou de vinculação obrigatória (mandatory class action) quando existem demandas individuais e/ou coletivas duplicadas e essas demandas estão fragmentadas entre o sistema judiciário federal e estadual.304

Para essas hipóteses, incide, então, técnicas de coordenação informal das demandas individuais e coletivas pendentes, surgindo uma cooperação entre os magistrados e as Cortes de Justiça.305

Por vezes, há uma cooperação voluntária entre a Corte de Justiça Estadual e Federal, principalmente quando as demandas individuais estão pendentes em um mesmo Estado. Os juízes coordenam, entre si, a instrução, o apontamento do conselho de advogados e administrativo, o agendamento das fases do procedimento etc. E, mais, o Painel de MDL transfere, eventualmente, as demandas individuais para a Corte Distrital Federal, localizada no Estado com maior pendência de demandas individuais, para que surja essa cooperação.306

Em 1994, o American Law Institute307 realizou uma proposta robusta para possibilitar a

agregação processual de demandas individuais pendentes em sistemas judiciários diversos. A

303 KLONOFF, 2007, p. 421.

304 SCHWARZER, William W. WEISS, Nancy E., HIRSH, Alan. Judicial federalism in action: coordination of litigation in state and federal courts. Virginia Law Review, 1992, V. 78: 1689-1751p. p. 1694.

305 HERR, 2012, p. 334. MARCUS, SHERMAN, ERICHSON, 2010, p. 172. 306 HERR, 2012, p. 335.

307 SULLIVAN et al, 2009, p. 438-439. KLONOFF, 2007, p. 428. No mesmo sentido: SCHWARZER, William W. Judicial federalism: a proposal to amend the multidistrict litigation statute to permit Discovery coordination of large-scale litigation pending in state and federal courts. Texas Law Review, 1995, V. 73: 1529-1568p.

proposta consistia em permitir a remoção dos casos pendentes na Justiça Estadual para a Justiça Federal, quando as demandas fossem relativas à mesma transação ou ocorrência ou quando compartilhassem questões comuns de fato ou de direito. A remoção seria ordenada por um Painel de Contencioso Complexo, a quem caberia decidir a Corte Distrital Federal de destino. A lei aplicável deve ser uniforme, embora as demandas tenham surgido em Estados diferentes.

Essa proposta foi criticada, principalmente, em razão da preocupação com o federalismo e com a autonomia dos entes federados (Estados). Não foi, por isso, analisada pelo Congresso. Klonoff308 salienta, no entanto, que a proposta é séria e criativa e merecia uma melhor discussão.

Atualmente, o Manual do Contencioso Complexo309 confere algumas recomendações para

auxiliar os magistrados a cooperar em prol da resolução agregada e unitária da controvérsia. A Corte de Justiça deve, em um primeiro momento, identificar as demandas pendentes em outras cortes e sistemas judiciários, bem como identificar o estágio do procedimento e o juiz responsável por essas demandas. A partir desse momento, os juízes devem entrar em contato uns com os outros, criando uma agenda de cooperação e práticas uniformes a serem adotadas.

De igual modo, é possível reuniões para discussões de preocupações comuns e sugestões a serem, eventualmente, adotadas. De igual modo, os magistrados podem designar um mesmo conselho administrativo e um mesmo conselho de advogados, bem como indicar um mesmo

special master, isto é, espécie de perito investido de poderes para praticar alguns atos

processuais, bem como para conduzir tratativas para a resolução alternativa da controvérsia.310

A coordenação não é o ideal. O ideal é a existência de técnicas mais previsíveis e formais de agregação311. Porém, na falta delas, o procedimento deve ser adequado aos contornos do direito

substancial. Ainda que por força dos mecanismos de cooperação ou de colaboração das Cortes de Justiça, o método de resolução de controvérsias deve alcançar os seus escopos jurídicos.

308 KLONOFF, 2007, p. 429.

309 FEDERAL JUDICIAL CENTER, 2004, p. 227-228.

310 Ibidem, p. 227-228. No mesmo sentido, mencionado as técnicas de cooperação entre magistrados, conferir: MCGOVERN, Francis F. Rethinking coooperation among judges in mass tort litigation. UCLA Law Review, 1997, V. 44: 1851-1870.

311 Howard Erichson assinala que a controvérsia de massa atraí a agregação. Na falta de mecanismos formais de agregação, ela tende a acontecer de qualquer maneira. É importante atenção com a técnica de agregação informal, para que não se reúna o pior dos dois mundos, nem uma autonomia individual plena, nem uma agregação processual plena com a resolução unitária da controvérsia. (ERICHSON, Howard M. Informal aggregation: procedural and ethical implications of coordination among counsel in related lawsuits. Duke Law Journal, 2000, V. 50: 381-471, p. 467-469).

Exemplos bem sucedidos de agregação informal entre o sistema judiciário federal e estadual podem ser encontrados nos seguintes casos, mencionados por SCHWARZER, WEISS e HIRSH312:

(i) Federal Everglades air crash, relativo a acidente de avião que viajava de Nova York

para Miami e que culminou no óbito de 96 passageiros e em grave lesão aos demais tripulantes. Nessa hipótese, foram ajuizadas demandas individuais nas Cortes Estadual e Federal da Flórida e na Corte Federal de Nova York. As demandas pendentes na Corte Estadual da Flórida foram atribuídas a um mesmo juiz, que cooperou com o magistrado responsável pelas demandas pendentes na Corte Federal da Flórida, lá centralizadas pelo Painel do Contencioso Multidistrital. Foram julgados dois casos-teste pendentes na Corte Federal, para fins de apuração da responsabilidade, sendo que as partes concordaram com a vinculação ao resultado obtido nos casos-teste. A quantificação dos danos foi, por sua vez, objeto de resolução individual, sem coordenação das demandas.

(ii) Beverly Hills Super Club fire, relativo a incêndio em um clube noturno de Kentucky,

matando mais de 300 pessoas. Múltiplas demandas individuais foram ajuizadas tanto na Corte de Justiça Estadual (Kentucky State Court) quanto na Corte de Justiça Federal (States District Court for the Eastern District of Kentucky). Os dois juízes – federal e estadual – coordenaram entre si toda a fase de saneamento e instrução, evitando a duplicação de esforços, bem como dividiram as demandas em grupos para instrução. Os dois juízes procederam a certificação de uma ação coletiva estadual e outra federal.

(iii) A mesma espécie de coordenação, antes mencionada, ocorreu nos seguintes acidentes

Chicago Air Crash, MGM Grand Hotel Fire, Hyatt Skywalk cases, L’ambience Plaza colapse, Sioux City Air Crash, Exxon Valdez oil spill e muitos outros.

As técnicas de coordenação mais comuns, aplicadas aos casos, foram aquelas antes citadas: saneamento e instrução cooperada, agenda compartilhada (designação de um mesmo perito, disponibilidade comum de documentos para os dois procedimentos), plano de gerenciamento comum da demanda, audiências comuns presididas pelos dois juízes (estadual e federal),

programa comum de resolução alternativa da controvérsia e, por fim, julgamento conjunto, os dois juízes presidiriam o julgamento no mesmo dia, com um júri estadual e outro júri federal.313