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3 DA AÇÃO DE CLASSE À AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4 TIPOS DE AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4.1 PROCESSO AGREGADO

3.4.1.2 AGREGAÇÃO REPRESENTATIVA

Dentre as ações representativas, a mais conhecida é a ação de classe ou coletiva, em que o membro do grupo propõe a ação coletiva em seu nome e em nome dos membros da classe. Essa modalidade, segundo Taruffo235, é conhecida como o modelo individualista altruísta.

Na ação de classe ou coletiva, o indivíduo atua não apenas na defesa de sua posição de vantagem, mas defesa da posição de vantagem atinente à categoria que integra. Trata-se de um mecanismo de promoção de direitos e interesses coletivos, bem como um mecanismo de pressão aos demais poderes – Legislativo e Executivo – pela proteção desses interesses ou direitos.236

O individualismo clássico não é esse, todavia. Tipicamente, o individualismo é egoístico, preocupado exclusivamente com os interesses pessoais. Assim, para preencher essa lacuna – pois os indivíduos podem não agir altruisticamente – a proteção dos direitos coletivos ou plurissubjetivos também é conferida a outras entidades e não apenas ao indivíduo interessado.237

Nesse segundo caso de ações representativas, é crescente o número de associações e entes públicos que também propõem ações representativas na defesa dos seus próprios interesses e dos interesses do grupo ou da categoria. Embora essa categoria de ações representativas seja mais comum no sistema europeu, também estão presentes no sistema jurídico estadunidense nas ações associativas, nas ações de entes despersonalizados e nas ações parens patriae.

É preciso destacar que essas últimas espécies não se tratam de ação de classe, na forma prevista na Federal 23. São ações representativas, mas não são as ações coletivas, clássicas do sistema.

234 CEBEPEJ, 2007, p. 74. 235 TARUFFO, 2001, p. 418-419. 236 Ibidem, p. 418-419.

As ações associativas e as ações de entes despersonalizados encontram maior resistência na jurisprudência estadunidense238. Por vezes, exige-se que a associação ou ente despersonalizado

prove o prejuízo individual de alguns de seus membros, para justificar, concretamente, o ajuizamento da ação coletiva naquele caso, bem como atue em litisconsórcio com o indivíduo.

No precedente California Gas Retailers v. Regal Petroleum Corp, um dos indivíduos foi obrigado a integrar a demanda para que a ação coletiva fosse julgada. No precedente Greater Westchester Homeowners Association v. City of Los Angeles, a ação coletiva da associação foi

extinta, pois não havia interesse dos membros componentes da classe. As duas decisões são passíveis de crítica no sistema estadunidense, pois, ainda, que a associação não tivesse interesse corporativo no conflito, há interesse próprio e institucional que possibilita a defesa vigorosa.239

Os entes públicos, por sua vez, podem ingressar com ações representativas (parens patriae) para a defesa dos interesses públicos soberanos ou quase soberanos. O primeiro diz respeito à atuação do ente público no cumprimento da lei e o segundo diz respeito à proteção da saúde e do bem estar dos cidadãos. O interesse defendido pela ação parens patriae não pode ser individual, mas deve ser um interesse geral, atinente a um segmento relevante dos cidadãos.240

Trata-se de ação representativa com origem inglesa medieval, que encontra o seu fundamento na prerrogativa real de proteger o território nacional, bem como de proteger, na qualidade de guardião, os cidadãos e incapazes241. No sistema estadunidense, as ações coletivas, propostas

por entes públicos, dirigem-se principalmente ao ressarcimento governamental em razão de ilícitos de massa que causaram prejuízos aos cofres públicos (déficit nos programas de governo) e, além disso, com fundamento na perturbação da ordem pública e do bem-estar do cidadão.

238 Existe regra específica no direito estadunidense para a ação coletiva proposta por entes despersonalizados. Trata-se da Rule 23.2. As Cortes de Justiça identificam como entes despersonalizados a união de trabalhadores, a liga de atletas, os grupos políticos, as organizações estudantis etc. Embora algumas Cortes de Justiça tenham adotado uma visão restrita da Rule 23.2, outras admitem a invocação da Rule 23.2 mesmo quando tratar-se de associação incorporada, com capacidade de demandar e de ser demandada (Cf. KLONOFF, 2007, p. 354). 239 DEGNAN, Ronan E. Supreme Court of California 1970-1971 – foreword: adequacy of representation in class action. California Law Review, 1972, V. 60: 705-719p, p.713.

240 LEMOS, Margaret H. Aggregate litigation goes public: representative suits by state attorneys general. Harvard Law Review, 2012, V. 26: 486-549p.

241 FENTON, Richard L, HARTMAN, Kendra. Parens Patriae actions and the limits of State sovereignty. In: GREER, Marcy Hogan (editor). A practitioner’s guide to class action. Illinois: ABA Publishing, 2010, p. 637.

As ações de ressarcimento ocorrem, por exemplo, quando, depois de praticado um ilícito de massa, pretende-se o ressarcimento com os gastos públicos realizados. Um exemplo disso são as ações parens patriae, em face da indústria do tabaco para restituição das despesas com saúde pública, decorrentes do tratamento das doenças relacionadas ao cigarro, indevidamente causadas – é ao menos o que se alega – aos cidadãos. De igual modo, também são comuns as ações cuja pretensão é o reconhecimento da responsabilidade do réu em razão da prática atentatória à ordem pública e ao bem-estar do cidadão, a exemplo da degradação do ambiente.242

Exemplo dessa última modalidade é o precedente State v. Lead Industries Association, Inc, em que se argumenta a exposição tóxica dos residentes em Rhode Island, o que constituía um severo problema ambiental naquela localidade, ocasionando notória crise na saúde pública.243

Nessa categoria, diferentemente da ação de classe, não são necessárias a definição da classe e a certificação conforme as categorias de ação previstas na Rule 23(b). As ações coletivas mais comuns, propostas por entes públicos, pretendem provimentos declaratórios ou mandamentais. Não obstante, a partir do Clayton Act, editado pelo Congresso em 1976, autorizou-se ao Procurador-Geral a proposição de ações coletivas indenizatórias em razão dos prejuízos sofridos pelos cidadãos em sua propriedade em razão de qualquer violação ao Sherman Act. 244

Por fim, é preciso destacar que a ações parens patriae são, em regra, consideradas método superior de resolução da controvérsia em relação às ações de classe, de forma que, caso proposta ação de classe privada, essa tende a não ser certificada. A primeira é considerada método superior, por tratar-se de procedimento mais simples. A representatividade do Procurador-geral é presumida e não há, ao menos em regra, direito de autoexclusão ou notificação sobre a ação245.

A situação supracitada ocorreu no precedente Commonwealth of Pennsylvania v. Budget Fuel

Co. No mesmo dia do ajuizamento da referida demanda parens patriae, foi ajuizada uma ação

de classe privada idêntica àquela. Essa última demanda não foi certificada como ação de classe

242 NAGAREDA, 2009, p. 590. 243 Ibidem, p. 598.

244 FENTON, HARTMAN, 2010, p. 638-639. Sherman Act diz respeito à legislação antitruste.

245 Wasserman assinala que as ações parens patriae são vinculantes aos indivíduos (City of Tacoma v. Taxpayers

of Tacoma, 1958) (WASSERMAN, Rhonda. Procedural Due Process: a reference guide to the United States

ou coletiva em juízo, por não ser considerada método superior de resolução da controvérsia, uma vez que já pendia ação representativa parens patriae mais idônea à tutela coletiva pedida.246

Embora a ação parens patriae seja considerada método superior de resolução da controvérsia por algumas Cortes de Justiça, há, ainda, uma desconfiança doutrinária em relação à idoneidade do ente público na defesa da classe, pois a representatividade do ente público é presumida em juízo. Nagareda247 questiona se um ente público seria, de fato, mais adequado do que um

experiente e capitalizado escritório advocatício, contratado pelo autor da ação de classe.

É curioso notar que igual preocupação não existe, com tanta intensidade, no direito brasileiro, cuja representatividade adequada também é presumida (determinada por lei) em relação aos vários legitimados coletivos. Exige-se, apenas, das associações a constituição há, pelo menos, um ano e a pertinência temática com os interesses ou direitos defendidos em juízo. O requisito da constituição prévia pode, todavia, ser dispensado, quando evidenciado o interesse social pela dimensão e pela característica do dano, bem como a relevância do bem jurídico a ser protegido.

E, não obstante a ausência de previsão expressa quanto à aferição judicial da representatividade adequada dos entes coletivos e públicos, a representatividade adequada já é apregoada pela doutrina, bem como aceita, majoritariamente, pela jurisprudência dos Tribunais Brasileiros248

Por fim, é preciso destacar, assim como fez Michele Taruffo249, que tanto as ações coletivas altruístas quanto aquelas ajuizadas por entes privados ou públicos devem ser vistas como complementares. Se o ente público ou privado não agir, agir de forma egoística, indiferente ou negligente na defesa dos interesses do grupo, é importante a intervenção individual. De igual modo, se a intervenção individual for egoística ou indiferente ao grupo, é de igual relevância a atuação subsidiária dos entes privados ou públicos na defesa dos interesses ou direitos coletivos.

No tocante às ações representativas, mais uma consideração se faz necessária: a ação representativa também pode revelar-se insuficiente à agregação ótima da controvérsia de massa.

246 FENTON, HARTMAN, 2010, p. 640. 247 NAGAREDA, 2009, p. 589.

248 COSTA, Susana Henriques da. A representatividade adequada e litisconsórcio – o projeto de Lei n. 5.139/2009. In: In: GOZZOLI, Maria Clara et al (coords.) Em defesa de um novo sistema de processos coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 630-631.

Nem todos os indivíduos estão interessados em ajuizar uma ação de classe ou em realizar a agregação ótima da controvérsia de massa, mesmo quando diante de direitos coletivos. De igual modo, não é possível contar com a iniciativa dos entes públicos no ajuizamento de ações parens

patriae, até porque pode não existir uma interesse que afete parcela substancial dos cidadãos.250

Por essa razão, aborda-se, hoje, a necessidade de conferir ao juízo a iniciativa de receber e certificar, compulsoriamente, como coletiva ação proposta pelo indivíduo, obstando, com isso, a fragmentação da controvérsia de massa e a repetição de demandas similares ou idênticas.

O caso Taylor v. Sturgell251 era, pois, um desses candidatos à agregação processual por iniciativa

oficial. Taylor, presidente da Associação de Aviação Antiga - AAA, pretendia obter documentos técnicos sobre a construção do avião F-45, um modelo vintage produzido em 1930. Ocorre que essa não foi a primeira demanda proposta. Antes de Taylor, Greg Herrick, que também era membro daquela associação, sucumbiu em demanda individual anterior que pretendia a revelação dos referidos documentos. O pedido foi julgado improcedente em razão do reconhecimento do segredo comercial em relação a esse modelo. Os dois autores estavam representados pelo mesmo advogado e ajuizaram, em juízos diversos, demandas idênticas.

Nesse caso, a Suprema Corte estadunidense não reconheceu a autoridade da coisa julgada da primeira demanda em relação à segunda demanda individual, sob pena de transformar, retrospectivamente, uma demanda individual em coletiva. Não obstante, ainda que a preclusão não tenha sido reconhecida, é possível encontrar, hoje, no sistema estadunidense, quem defenda não a preclusão retrospectiva, mas, sim, a agregação compulsória da demanda individual.

A agregação compulsória era possível, segundo Samuel Issacharoff252, uma vez que o direito

pleiteado em juízo era indiferenciado entre os membros individuais da classe. Não havia direito individual de Taylor ou de Herrick, tampouco a controvérsia referia-se aos aspectos pessoais dos autores. Logo, diante de um direito impessoal, com alcance coletivo, possível a agregação.

250 Sobre a atuação estratégica das partes e o comportamento oportunista, conferir: TIDMARSH, Jay, TRANGSRUD, Roger H. Complex litigation: problems in advanced civil procedure. New York: Foundation Press, 2002.

251 UNITED STATES. Supreme Court of United States. Taylor v. Sturgell. 128 S.Ct. 2161 (2008).

252 ISSACHAROFF, Samuel. Private claims, aggregate rights. New York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 93, 2008, p. 2. Disponível em http://lsr.nellco.org/nyu_plltwp/93. Acesso em 13 de junho de 2013.

Para tanto, na certificação da ação individual como ação coletiva, deve-se atentar para o tipo de categoria em que enquadrada a demanda, bem como para os direitos substanciais controvertidos. Isso porque são os critérios dados pelo direito material que indicam a amplitude do conflito: se ele é impessoal e dotado de alcance coletivo e, por isso, passível de agregação.

É preciso destacar que sistemática similar também é ponderada no sistema jurídico brasileiro, bem como já consta em propostas e projetos de lei, os quais ainda serão objeto de abordagem.