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3 DA AÇÃO DE CLASSE À AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4 TIPOS DE AGREGAÇÃO PROCESSUAL

3.4.2 AGREGAÇÃO ADMINISTRATIVA

3.4.2.2 CONSOLIDAÇÃO MULTIDISTRITAL (MULTIDISTRICT LITIGATION – MDL)

Os mecanismos antes mencionados são, notadamente, insuficientes na hipótese de demandas individuais com grande dispersão geográfica no sistema judiciário federal estadunidense.

A técnica de consolidação prevista na Rule 42 é insuficiente, pois somente aplicável às demandas individuais pendentes na mesma divisão da Corte de Justiça Federal. A Rule 28 U.S.C

§1404(a) também é insuficiente, pois cada juiz deverá autorizar a transferência das demandas

individuais pendentes sob a sua relatoria. Nesse caso, será árduo o ônus das partes de protocolar milhares de moções de transferência em cada um dos processos individuais. E, de igual modo, o sucesso da técnica depende de 20, 30 ou 40 juízes, que, agindo de forma independente, reconheçam o preenchimento dos pressupostos legais e autorizem a transferência pleiteada.288

Essa insuficiência pode ser percebida no caso da conspiração para fixação dos preços dos equipamentos elétricos, os quais resultaram em uma avalanche de demandas individuais, dispersas em 35 diferentes distritos do sistema judiciário federal no início dos anos 60. Considerando que não era possível o recurso à Regra 42 e à Regra 28 U.S.C §1404(a), as Cortes de Justiça desenvolveram, ad hoc, uma forma de cooperação para a resolução dessas demandas, a saber, foi criado um comitê, supervisionado por nove juízes federais, para a realização do saneamento e da instrução nacional dos casos individuais pendentes naqueles 35 distritos.289

A experiência, antes mencionada, inspirou a edição do Multidistrict Litigation Act, 28 U.S.C

§1407, que criou o Painel do Contencioso Multidistrital (Panel of multidistrict litigation) em

1968, o qual detém competência para transferir as demandas individuais para um mesmo juiz. A transferência é determinada pelo painel e não pelos juízes relatores das ações individuais.290

287 KLONOFF, 2007, p. 410.

288 TIDMARSH, TRANGSRUD, 2002, p. 33.

289 MARCUS, SHERMAN, ERICHSON, 2010, p. 133. 290 TIDMARSH, TRANGSRUD, op. cit., p. 34.

Os principais aspectos dessa transferência começam pela formação jurídica do painel. O painel é composto por sete juízes federais, nomeados pelo Ministro-Presidente do Tribunal Superior. Não há Tribunal ou sede para o painel, tampouco os juízes são afastados de suas funções regulares. Os juízes reúnem-se, quando necessário, para admitir a transferência pedida ou para discutir a conveniência em determinar a transferência das demandas individuais pulverizadas.291

O painel pode transferir as demandas individuais independentemente da regra de competência originária, bem como pode selecionar a Corte de Justiça mais apta e experiente para receber o quantitativo de processos determinados. De igual modo, pode designar um juiz específico, mais experiente, para compor aquela Corte Distrital, para onde são remetidas as demandas.292

A transferência é efetivada quando a decisão, concedendo a ordem de transferência, é distribuída na secretaria da Corte Distrital destinatária. Essa Corte de Justiça cessionária adquire jurisdição exclusiva, cessando, nesse momento, a jurisdição da Corte de Justiça cedente. 293

Alguns parâmetros são utilizados para orientar a decisão pela transferência e a escolha do destino: (i) a finalidade da transferência é a consolidação, logo é necessária a existência de uma questão comum; (ii) a transferência deve promover a conveniência das partes, das testemunhas, bem como a justa e eficiente resolução da controvérsia; (iii) as partes das demandas individuais devem ser notificadas sobre a pretensão de transferência, bem como o painel deve conduzir uma audiência para determinar se a consolidação deve ser assegurada para a controvérsia em questão; (iv) são exigidas a numerosidade, a complexidade das demandas individuais e a insusceptibilidade de informal coordenação; e (v) o destino escolhido deve observar os distritos pelos quais estão pulverizadas as demandas individuais, o domicílio das partes, o domicílio das testemunhas, o local em que estão as evidências e, como já consignado, a experiência das Cortes Distritais e a de seus magistrados para o processamento do caso. É possível que o painel escolha como destino distrito diverso, que não possua competência territorial para a controvérsia 294

291 SULLIVAN et al, 2009, p. 383.

292 TIDMARSH, TRANGSRUD, 2002, p. 35. 293 SULLIVAN et al, op. cit., 384.

294 HEYBURN II, John G. A view from the panel: part of solution. Tulane Law Review, 2008, V. 82: 2225- 2244p. HEYBURN II, John G. Reflexions on the panel’s work. ABA Section of Litigation Joint Committee’s CLE Seminar, 2012. Em sentido semelhante, HERR, 2012, p. 322.

São também objeto da transferência as demandas individuais ainda não ajuizadas. Caso novas demandas individuais sejam ajuizadas, elas são consideradas tag-along cases295, isto é, as demandas ficam vinculadas à transferência e devem seguir para a Corte Distrital cessionária.

A negativa da transferência é irrecorrível e o deferimento da transferência é recorrível apenas pelo extraordinary writ, a teor da Regra 28 U.S.C §1651296. O writ deve ser julgado pelo

Circuito Federal com competência para reexaminar as decisões da Corte de Justiça cessionária. Por fim, o writ em questão é um remédio excepcional e genérico e visa apenas assegurar o exercício da jurisdição de forma adequada, de acordo com os usos e os princípios de direito.

A transferência pode ser determinada pelo magistrado, bem como pleiteada por um das partes das demandas individuais. A regra 28 U.S.C §1407 limita, todavia, esse mecanismo apenas para a fase de saneamento e instrutória (pre-trial). Ultrapassada essa fase, sem acordo ou julgamento sumário, as demandas devem ser remetidas para o juízo de origem para fins de julgamento.

Até 1998, o magistrado da Corte de Justiça cessionário utilizava o disposto na regra 28 U.S.C

§1404(a), para lograr a transferência para efeito de julgamento. O Painel de MDL adotou,

expressamente, regra, que permitia a transferência supracitada. Ocorre que, no precedente

Lexecon Inc. v. Milberg Weiss Bershad Hynes & Lerach, de 1998, a Suprema Corte dos Estados

Unidos consolidou que a Corte de Justiça cessionária não tem autoridade para efetuar a transferência com fundamento na regra 28 U.S.C §1404(a). Propostas para ampliar o escopo da transferência, incluindo o julgamento, são estudadas, mas não há, ainda, qualquer alteração.297

O Manual de Litigância Complexa298 oferece algumas medidas para contornar o precedente em Lexecon, dentre elas: (i) a realização de um caso-teste para facilitar a realização de acordos ou

para o caso de as partes consentirem em se vincular ao resultado; (ii) as partes podem pleitear a extinção da demanda na Corte de Justiça cedente, ajuizando-a novamente na Corte de Justiça cessionária; (iii) a Corte de Justiça cedente, depois da devolução das demandas individuais para julgamento, pode novamente transferi-las à Corte de Justiça cessionária a teor da regra 28 U.S.C

295 HEYBURN II, 2008, p. 2233. 296 KLONOFF, 2007, p. 416. 297 NAGAREDA, 2009, p. 388.

§1404(a); e (iv) o magistrado da Corte de Justiça cessionária pode ser designado para atuar na

Corte de Justiça cedente para fins de julgamento das demandas individuais antes consolidadas.

Grande parte dos casos, objeto de transferência, não chega a ser devolvido à Corte de Justiça de origem, pois são extintos ou pela realização de um acordo ou pelo julgamento antecipado da lide (summary judgment). O juiz cessionário tem todos os poderes relativos à fase de saneamento e instrução (pre-trial), como homologar acordos, extinguir a demanda e realizar o julgamento no estado do processo. Já houve recurso em face dessas decisões, mas a autoridade do Corte de Justiça cessionária, no tocante aos poderes do juiz no pre-trial, não foi negada.299

Um dos casos considerados bem-sucedidos de MDL é a controvérsia relativa ao implante de silicone300. O Painel de MDL consolidou 78 casos individuais, pulverizados no sistema federal

em 1992. Posteriormente, surgiram mais de 10.000 tag-along cases que também seguiram para a Corte de Justiça cessionária. O processo foi extinto por acordo no valor de R$ 1 bilhão.

Existem outros procedimentos que também permitem a consolidação multidistrital. Por exemplo, em 2002, o Congresso aprovou o Multiforum Trial Jurisdiction Act, que confere competência à Justiça Federal para as hipóteses de acidente de massa, superior a 75 mortes, (i) quando as partes forem cidadãos de estados diversos ou de um Estado Estrangeiro, (ii) quando o acidente ocorrer em localidade diversa do domicílio do réu ou (iii) quando dois ou mais réus possuírem domicílios em estados diversos e (iv) quando o acidente foi fragmentado por dois ou mais estados. A legislação também permite a remoção dos casos ajuizados na Justiça Estadual quando eles poderiam ter sido, originariamente, ajuizados também na Justiça Federal.301

Quando uma Corte de Justiça Distrital presidir questão relativa a esse ato normativo, deverá informar ao Painel de MDL, permitindo ao último aferir a viabilidade de consolidar as demandas pendentes nos vários distritos do sistema federal no tocante à fase do pre-trial.302

Um das técnicas mais poderosas de agregação supera, todavia, os limites da investigação do presente trabalho, mas é válida a sua menção. Trata-se da falência. A distribuição da moção de

299 MARCUS, SHERMAN, ERICHSON, 2010, p. 152. 300 TIDMARSH, TRANGSRUD, 2002, p. 39.

301 KLONOFF, 2007, p. 419 302 Ibidem, p. 419.

falência suspende, automaticamente, todas as demandas individuais na justiça federal e estadual e permite ao devedor paralisar qualquer procedimento que afete seu patrimônio. Depois da suspensão, as demandas individuais são consolidadas, para a distribuição pro rata dos créditos, em um mesmo juízo. Esse procedimento é mais raro, pois depende do ajuizamento de moção de falência. Esse é o único mecanismo que permite a agregação de demandas pendentes no sistema judiciário estadual e federal, muito embora seja restrito à falência.303