• Nenhum resultado encontrado

2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.2 A RELAÇÃO DA COMUNIDADE E DO INDIVÍDUO

2.2.3 PERÍODO MODERNO

2.2.3.4 COISA JULGADA (CLAIM PRECLUSION) E PRECEDENTE

A jurisprudência foi bastante vacilante, no período moderno, em relação à extensão subjetiva da coisa julgada coletiva (claim preclusion) aos membros ausentes do grupo ou comunidade.

Por vezes, as doutrinas da coisa julgada e do precedente foram confundidas ou fundidas112,

vinculando os membros ausentes do grupo ao resultado da demanda coletiva por força do precedente dela extraído e não por respeito à estabilidade do julgado coletivo (doutrina do

former adjudication ou preclusion, da qual é espécie a res judicata ou claim preclusion)113.

Na realidade, segundo a doutrina de representação vigente à época, no sentido de consentimento ou autorização pessoal do indivíduo à demanda coletiva, não seria possível – por razões óbvias – estender ao membro ausente do grupo a indiscutibilidade própria da coisa julgada, sem que todos tivessem consentido ou autorizado ao processamento coletivo da demanda, isto é, sido representados em juízo. De igual modo, considerando o grande número de interessados na controvérsia coletiva, não seria viável a integração de todos à demanda, segundo a doutrina da

111 Stephen Yeazell comenta que as doutrinas da coisa julgada e do precedente se imiscuíram nesse período, para o fim de vinculação dos membros ausentes do grupo. Era preciso limitar, de alguma forma, a constante substituição das partes, hábeis a litigar a mesma controvérsia. Caso não fosse limitada a rediscussão da controvérsia, no tocante aos membros ausentes do grupo, a demanda do grupo transformar-se-ia em um vasto e complicado monstro. Para que essa vinculação fosse, então, possível no período moderno, não foi raro o recurso ao precedente judicial, principalmente nas hipóteses de provimentos declaratórios e mandamentais (Cf. YEAZELL, 1987, p. 163 e 180). 112 Ibidem, p. 163.

113 No sistema estadunidense, a coisa julgada e outras formas de preclusão compõe a doutrina do former

adjudication ou preclusion doctrine, ou seja, trata-se da doutrina da decisão prévia que estabiliza os resultados

obtidos em uma demanda em relação aos processos futuros, nos quais se pretende rediscutir a mesma matéria já decidida em outra oportunidade. A coisa julgada (res judicata or claim preclusion) é apenas uma espécie dessa categoria de preclusão (Cf. SHAPIRO, David L. Civil procedure: preclusion in civil actions. New York: Foundation Press, 2001, p. 9-18; CASAD, Robert C. e CLERMONT, Kevin M. Res judicata: a handbook on its theory, doctrine, and practice. Durham: Carolina Academic Press, 2001, p. 13-22; CABRAL, Antônio Passo do.

Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis.

necessary party e indispensable party. Não seria factível, ainda, convocar todos os indivíduos

interessados, em juízo, para autorizar ou consentir com o processamento coletivo da demanda.

Mas, como as controvérsias multitudinárias de grupo ainda existiam no período moderno, era evidente e esperado que alguma espécie de efeito vinculante se fizesse necessário nesses casos. Recorda-se que a justificativa para isso não era a existência de um direito substancial plurissubjetivo ou coletivo, a exigir um processo de igual simetria, mas, sim, a conveniência do processamento agregado da controvérsia, de forma a alcançar eficiência e uniformidade.

A vinculação aos membros ausentes do grupo não poderia ocorrer, como já se disse, por força da representação dos indivíduos (ao menos, sob aquele conceito de autorização ou consentimento pessoal) ou pela integração dos interessados à ação coletiva, de forma a ensejar a extensão subjetiva da coisa julgada aos membros ausentes do grupo. Todavia, o fato é que essa vinculação ocorreu, em algumas vezes, não pela autoridade da coisa julgada, mas com fundamento no comando normativo (ratio decidendi) do precedente da demanda coletiva114.

Como é sabido, a participação ou a representação não são essenciais para efeito de vinculação pelo precedente115. A vinculação pelo precedente ocorre pela necessidade de coerência e

uniformidade do sistema jurídico no tocante à questão de direito decidida e, por isso, alcança as demandas individuais similares. Não se trata, portanto, da autoridade da coisa julgada coletiva, que confere estabilidade ao julgado e obsta a contínua rediscussão da controvérsia.

114 Stephen Yeazell explicita a diferença. O respeito aos precedentes decorre da regra, segunda a qual decidida uma questão de direito em um determinado sentido no caso concreto, a Corte de Justiça deverá aderir a esse mesmo sentido (regra jurídica emanada do precedente) nos casos sucessivos similares. A autoridade da coisa julgada refere-se, no entanto, a uma noção similar, contudo mais estreita de vinculação, a saber, quando uma parte sofrer uma vitória ou uma derrota em dada demanda, ela não poderá rediscutir a questão decidida em outras oportunidades. As duas doutrinas, embora diversas, podem ser confundidas, no entanto, quando a controvérsia envolver a declaração de um direito, que expressa tanto estados de fato pretéritos quanto um regime a ser seguido no futuro. Quando a fonte normativa é um costume, a declaração de um costume passado, enquanto tecnicamente vincula as partes da demanda, também constituirá um precedente a ser seguido no futuro em outros casos similares. Assim, seguindo esse raciocínio, há coisa julgada em relação às partes, bem como há um precedente em relação aos casos similares no futuro. Quando a demanda é coletiva, todavia, uma ressalva deve ser feita. Pode-se dizer que os membros ausentes do grupo também são vinculados pela coisa julgada coletiva. Como os membros ausentes no grupo ocupam a mesma posição das partes e operam pelo status do grupo ou categoria, eles são vinculados pela coisa julgada coletiva e não pelo precedente. Essa matéria será abordada adiante (Cf. YEAZELL, 1987, p.180). 115 Aleksander Peczenik argumenta que o precedente é a decisão de um caso concreto que se transforma em um padrão normativo autorizado para orientar as futuras decisões das Cortes de Justiça. A razão para seguir um precedente é a manutenção da coerência do direito e da previsibilidade dos julgamentos. A vinculação à regra jurídica que emana do precedente (ratio decidendi) não ocorre, portanto, por força da representação ou participação das partes no processo (Cf. PECZENIK, Aleksander. On law and reason. Lund (Sweden): Springer, 2009, p.274).

São técnicas processuais diferentes, portanto. Mas, o fato é que esse raciocínio – vinculação pelo precedente formado na demanda coletiva e não pela autoridade da coisa julgada coletiva – foi aplicado no período moderno, a exemplo do caso Adair v. New River Company116, em 1805.

O caso em questão diz respeito a uma ação coletiva passiva, que envolvia a companhia New River, formalmente incorporada e responsável pelo fornecimento de água à cidade de Londres.

O Rei James I concedeu o status de corporação a essa companhia em troca de dividendos (parcela do lucro apurada pela empresa e dividida entre os acionistas). Posteriormente, seu filho, o Rei Charles cedeu os dividendos a Sir Hugh Midleton, recebendo em troca um aluguel de 500 libras esterlinas. Em seguida, depois da morte do Rei Charles, esse direito real (de recebimento do aluguel) foi transferido pela Coroa para William Adair. Enquanto isso, o direito de receber os dividendos da empresa (parte que originariamente cabia à Coroa e que, posteriormente, foi cedida a Sir Hugh Midleton) foi pulverizado e cedido, em parte, para a própria companhia e também para, pelos menos, 100 indivíduos, que não faziam parte da corporação. A relação substancial foi, em resumo, assim estabelecida ao final, de um lado estava William Adair que fazia jus a um aluguel em decorrência da cessão dos dividendos da companhia e, de outro lado, estava a corporação e, pelo menos, 100 indivíduos, a quem pertenciam os dividendos em questão, vinculados à obrigação do pagamento de aluguel em favor de William Adair.

O autor William Adair ingressou com uma demanda coletiva em face da companhia New River, bem como em face de oito indivíduos (dentre os 100 que compraram os dividendos), rediscutindo a forma de cálculo do valor do aluguel, que era devido pela companhia e pelos outros 92 indivíduos, que não figuravam, formalmente, na demanda. Ele pleiteou, em relação ao grupo, a correção da forma de cálculo do aluguel e as diferenças devidas. E, os demandados, por sua vez, argumentaram a necessidade de integração de todos os indivíduos ao polo passivo na demanda coletiva, por força da doutrina da necessary party e/ou indispensable party.

Na ocasião, o Chanceler Lord Eldon afastou a doutrina da necessary party e/ou indispensable

party, pois essa regra havia sido derrotada naquele caso concreto, sendo impraticável a

integração de todos os interessados. A razão para a derrotabilidade daquela doutrina era que:117

...uma petição (na jurisdição da equidade) é juntada pleiteando a declaração de um direito e não é necessário reunir todos os interessados. Por que? [...]as partes litigarão de forma justa e honesta um direito (legal right) entre elas, todas as outras pessoas e o autor. E, quando é estabelecido o direito segundo a lei, o remédio na jurisdição da equidade é muito simples: basta uma petição, afirmando que o direito foi estabelecido em um processo anterior e, com esse fundamento, a Corte de Equidade concederá ao autor a pretensão em face do réu no segundo processo, apenas representado por aqueles do primeiro [tradução nossa].

Segundo essa tese, não era preciso que todos os indivíduos figurassem na demanda coletiva ou com ela consentissem ou autorizassem. Isso seria, em primeiro lugar, impraticável e, em segundo lugar, desnecessário, pois é possível julgar apenas uma demanda e quando o direito for nela declarado e estabelecido em um precedente, o seu comando normativo (ratio

decidendi118) será aplicável a todos os indivíduos interessados em uma segunda demanda.

Nota-se que algumas questões não podem passar despercebidas no precedente Adair v. New

River Company: (i) há uma pretensão declaratória em relação à forma de cálculo do aluguel,

mas também condenatória ao ressarcimento das diferenças, o que difere dos casos antes mencionados e (ii) as doutrinas do precedente e da coisa julgada coletiva aparecem teoricamente imbricadas nessa hipótese, sob o fundamento de que a questão era de direito.

117 ... a bill (in equity) is filed to establish that right, and it is not necessary to bring all the individuals: why? […] they will fairly and honestly try the legal right between themselves, all other people, and plaintiff; and, when the legal right is so established at law, the remedy in equity is very simple: merely a bill, stating that the right has been established in such a proceeding, and upon that ground a Court of Equity will give the plaintiff relief against the Defendants in the second suit, only represented by those in the first (ENGLAND. Court of Chancery. Adair v. New

River Co, 32 Eng. Rep. 1153 (Ch. 1805)).

118 Segundo Michele Taruffo, ratio decidendi é o comando normativo do julgado (regra jurídica posta como fundamento direto sobre os fatos relevantes e específicos do caso concreto), que se torna um critério de decisão para os casos similares no futuro. José Rogério Cruz e Tucci assinala, ainda, que a ratio decidendi é a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso) que poderá ou não decidir casos similares no futuro. Essa norma não é individuada pelo órgão julgador, no qual se formou o precedente, mas deverá ser extraída a partir dos elementos que compõe o caso concreto julgado, a saber, a) fatos relevantes, b) raciocínio lógico-jurídico e c) juízo decisório (Cf. TARUFFO, Michelle. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. V. 36. N. 199. São Paulo: Revista dos Tribunais, set. 2011, p. 141 e TUCCI, 2004, p.175). Nesse mesmo sentido, Samuel Meira Brasil Jr. ressalta a eficácia normativa da ratio decidendi (regra jurídica) constante no precedente, que é potencialmente vinculante aos demais casos no futuro (BRASIL JR, 2010, p.37).

A conclusão levada a efeito, nesse caso, apresenta-se – isso é, ao menos, tecnicamente – de forma incongruente, pois não se tratava de simples questão de direito, a ser aplicada de forma coerente para todos os casos individuais, relativos aos membros ausentes daquele grupo.

O provimento pretendido por William Adair – declaratório quanto à forma de cálculo do valor do aluguel, bem como condenatório quanto ao ressarcimento das diferenças – vincularia os membros ausentes do grupo, não só porque o direito (o comando normativo do precedente), de uma forma geral, deve ser uniforme e coerente para todos os casos individuais similares, mas, sim, porque não é admissível que a forma de cálculo do valor aluguel seja diferente entre os indivíduos integrantes de um grupo, o qual apenas sucedeu o contratante anterior na relação negocial. A uniformidade é, aqui, mera decorrência da unidade presente na relação substancial.

Todos os indivíduos que adquiriram os dividendos antes pertencentes à Coroa Inglesa e à Sir Hugh Midleton, sucederam a eles na relação substancial estabelecida com William Adair. E são, agora, igualmente devedores do aluguel devido a esse último. Esse aluguel tem uma forma de cálculo una e objetiva, que se aplica ao grupo como um todo. O indivíduo, embora seja pessoalmente afetado pela alteração do método de cálculo, é um anônimo na relação substancial e comunga do mesmo interesse ou do mesmo direito do grupo como um todo. Enfim, se a forma de cálculo for alterada para o caso de um indivíduo, deve ser alterada para o caso de todos os demais indivíduos, pois eles atuam na qualidade de simples membros do grupo litigante.

Fica fácil compreender, desse modo, que: uma coisa é dizer que a regra jurídica cunhada em um caso concreto deve ser aplicada, potencialmente, para todos os casos similares no futuro. Por exemplo, se a responsabilidade omissiva do Estado é subjetiva, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça aplicado em um caso concreto no Rio de Janeiro, esse mesmo entendimento deve ser aplicado para um caso similar de responsabilidade omissiva em Manaus, pois os parâmetros legais são os mesmos. Outra coisa é dizer que a relação substancial é incindível, paritária e impessoal, com fundamento aplicável ao grupo como todo. Nesse caso, a coisa julgada, formada na demanda coletiva, não pode ser rediscutida para os indivíduos, pois os indivíduos operam como membros do grupo, segundo o status jurídico da categoria.

Embora tenha sido vacilante a jurisprudência moderna, no aspecto supracitado, a vinculação dos membros ausentes do grupo não poderia ser imputada, de qualquer modo, ao precedente,

mas, sim, à coisa julgada. Mas, para se alcançar essa conclusão, é preciso antes diferenciar o precedente e a coisa julgada coletiva. E, esta é, sem dúvida, a oportunidade ideal para isso.

Em primeiro lugar, quando um precedente é formado em um caso concreto, o julgador não conhece o universo de casos para o qual ele será aplicado no futuro. Mas, por razões de coerência e uniformidade da questão de direito decidida, o comando normativo (ratio

decidendi) do precedente daquele caso paradigma deverá ser aplicado, por analogia, aos demais

casos similares no futuro. A eficácia do precedente é contida, mas suscetível de extensão.119

Nas palavras de Michele Taruffo120, o comando normativo do precedente, cunhado em um caso

concreto individual e compreendido, segundo essa fattispecie, é universalizável e aplicável de forma prescritiva e normativa, por analogia, aos casos sucessivos no futuro. A analogia não é, portanto, afirmada in re ipsa, mas pode ser afirmada ou excluída no caso concreto sucessivo.

Fato diverso ocorre nas controvérsias de massa ou coletivas. Quando uma questão é decidida em uma controvérsia de massa – em que os indivíduos do grupo se apresentam de forma impessoal e comungam dos mesmos interesses ou direitos – esse universo coletivo (fattispecie) da controvérsia passa a ser previamente considerado no processo de justificação e de decisão.

O julgador considera os interesses ou as questões comuns ao grupo, enfim, o status do grupo, no processo decisório. E, o indivíduo, ao integrar esse grupo ou universo coletivo, passa a ser submetido, por mera derivação lógica, à mesma norma jurídica. Não se trata mais, agora, de simples analogia aos casos individuais futuros. Isso porque o comando normativo do julgado não é apenas universalizável aos casos futuros, como ocorre no precedente, ele já foi universalizado ao considerar o grupo como um todo no processo de justificação e decisão coletiva. E, de igual modo, não se aplica aqui as técnicas de afastamento do precedente, como é o caso da distinção (distinguishing) e da superação (overruling), isso porque as eventuais variáveis já foram, em regra, consideradas para fins de identificação do universo coletivo.

119 Em sentido semelhante, Michele Taruffo salienta que a regra jurídica do precedente é um critério de decisão para os casos sucessivos no futuro, sendo passível de derrota por novas razões (Cf. TARUFFO, 2011, p.147). 120 Ibidem, p.141-145. No mesmo sentido, TUCCI, 2004, p.175.

As práticas e as questões comuns de um grupo que foram, em um primeiro momento, investigadas e abstraídas pelas Cortes de Justiça em uma ação coletiva, transformaram-se, em um segundo momento, em um comando normativo, cuja autoridade se impõe diretamente ao indivíduo, membro do grupo ou comunidade, pois essa controvérsia já foi apreciada e julgada.

Ainda que se insista em se denominar isso de precedente vinculante, pode-se dizer que esse precedente, formado na ação coletiva ou por outra técnica de agregação, tem força diferente dos demais precedentes, formados nos casos individuais. Essa força assemelha-se ou confunde-se com a estabilidade ou a indiscutibilidade própria da coisa julgada, sendo menos derrotável.

Explica-se. Esse “precedente” seria menos derrotável121, pois, ao considerar os costumes e a

prática comum de um grupo no processo de justificação e decisão, grupo na qual se insere o indivíduo, ele reduz as possibilidades de esse indivíduo afastar o comando normativo do julgado para o seu caso particular e proceder à rediscussão da questão controvertida. Essa redução poderá ser, até mesmo, integral, isto é, não sobrar nenhuma questão individual a ser discutida. Essa técnica processual aproxima-se, com isso, da estabilidade típica da coisa julgada.

Essa estabilidade ou indiscutibilidade do julgado, por sua vez, é exatamente uma das propriedades inerentes à coisa julgada coletiva, como uma das técnicas de preclusão.

A coisa julgada tem por escopo evitar a contínua rediscussão do thema decidendum (causa de pedir e pedido), estabelecido entre as mesmas partes ou entre aquelas que ocupam a mesma posição jurídica, como, por exemplo, ocorre com os membros ausentes do grupo nas ações coletivas. Ela se forma, por sua vez, depois do processamento e o julgamento definitivo das questões comuns ao grupo, sendo esse resultado qualificado pela estabilidade própria da coisa julgada. O escopo é conferir segurança e definitividade às relações jurídicas litigadas.122

121 Nesse sentido, Michele Taruffo explicita que o precedente é, em regra, derrotável (defeasible), isto é, ele pode ser afastado ou excluído nos casos futuros sucessivos (TARUFFO, 2011, p.147).

122 No sistema jurídico estadunidense, é válido conferir o artigo de Timothy J. Heinsz a respeito das diferenças conceituais entre o precedente e a coisa julgada (Cf. HEINSZ, Timothy J. Grieve it again: of stare decisis, res judicata and collateral estoppel in labor arbitration. Boston College Law Review. V. 38: 275-300, p. 277-280). No sistema jurídico brasileiro, há também obras de fôlego sobre o tema. Liebman, Ada Pellegrini Grinover, Barbosa Moreira e José Rogério Cruz e Tucci realizaram a análise evolutiva do conceito de coisa julgada (Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Tradução dos textos posteriores à edição de 1945 de Ada Pellegrini Grinover. Notas de Ada Pellegrini Grinover. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Direito Processual

Civil (ensaios e pareceres): ainda e sempre a coisa julgada. Rio de Janeiro: Borsói, 1971; TUCCI, José Rogério

Em segundo lugar, o precedente difere da coisa julgada, pois o seu comando normativo (ratio

decidendi) é aplicável a uma demanda substancialmente idêntica, depois da comparação dos

fatos relevantes em cada caso concreto. A coisa julgada, por sua vez, não é uma regra jurídica potencialmente vinculante aos demais casos concretos, ela é a própria imutabilidade que se agrega à sentença do caso. Quando a coisa julgada é coletiva, os fatos relevantes à causa de pedir e pedido já foram analisados com fundamento aplicável ao grupo como um todo, enfim, a relação substancial analisada não é pessoal e exclusiva do indivíduo, mas plurissubjetiva.

Para finalizar essa distinção, é válido um exemplo. Imagine uma ação coletiva proposta pelo Ministério Público, pleiteando a anulação da questão n. 35 da prova objetiva de um concurso público para ingresso na magistratura do Estado de São Paulo. A anulação é pleiteada, uma vez que a questão da prova objetiva teria inobservado o conteúdo do edital. O bem da vida é paritário e impessoal para todos os candidatos, pois todos fazem jus à concorrência igualitária dos cargos públicos, segundo o edital do concurso. Essa ação é, todavia, julgada improcedente. .

Imagine uma segunda ação sucessiva, agora proposta por uma Associação de Concurseiros, arguindo o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. O que se aplica, nesse segundo caso, a eficácia vinculante do precedente da primeira ação ou a autoridade da coisa julgada? Não é