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2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.2 A RELAÇÃO DA COMUNIDADE E DO INDIVÍDUO

2.2.3 PERÍODO MODERNO

2.2.3.5 TRANSIÇÃO: NOVO CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO

Voltando ao precedente Chancey v. May, o representante atuou, nesse caso, em nome do grupo, não por força de um formal consentimento ou autorização expressa ao processamento coletivo da demanda, mas por promover, de forma substantiva, os interesses do grupo como todo. Surge, assim, como comentado, uma equivalência substancial entre os interesses do grupo e do indivíduo – equivalência que é recorrente na história, guardadas as suas devidas proporções.

Lembra-se que, na ação popular romana, o cidadão defendia direito próprio, mas qualificado pelo pertencimento a uma coletividade. No período medieval, o indivíduo operava por status. O grupo não era um conjunto de indivíduos, mas, sim, uma categoria própria. Há, desse modo, uma recorrência histórica à interligação de situações jurídico-substanciais plurissubjetivas.

Nessa ordem de ideias, não é mais preciso identificar todos os indivíduos integrantes do grupo, para fins de integração à demanda ou para fins de consentimento ou de autorização expressa ao processamento coletivo da controvérsia. O que é preciso identificar é a equivalência dos interesses substanciais, isto é, em que medida o indivíduo, ainda que em nome próprio, atua como membro do grupo ou de forma conectada, vinculada, entrelaçada a uma comunidade.128

A equivalência dos interesses entre o indivíduo e o grupo identifica as relações substantivas passíveis de serem resolvidas mediante a agregação processual. Os variáveis graus de

intensidade de vinculação do indivíduo ao grupo manifestam-se nos diferentes regimes das ações coletivas, bem como nas diferentes técnicas de agregação presentes no sistema jurídico.129

É possível, por exemplo, a agregação da controvérsia de massa, em uma ação coletiva, mediante a atuação de um portador ideológico dos interesses do grupo em juízo, sem que se exija, necessariamente, a integração de todos os interessados ou o consentimento individual. O regime jurídico da ação coletiva varia conforme a intensidade da identificação do indivíduo e do grupo. De igual modo, é possível a adoção de outras técnicas de agregação, como é o caso do test-case ou bellwether trial (casos-teste), na forma prevista no sistema jurídico estadunidense.

Nessa última técnica, há seleção de uma amostra com um ou mais casos representativos da controvérsia, os quais apresentam as mesmas questões de fato e/ou de direito controvertidas no grupo. O comando normativo, formado no caso-teste, é, posteriormente, reproduzido nos casos sucessivos, com a eficácia preclusiva, própria da coisa julgada. Ou, em outras hipóteses, a técnica é utilizada apenas para melhor conhecer a controvérsia de massa, como se fosse um indicador/termômetro dos interesses ou direitos comuns que envolvem os membros do grupo.130

Só é preciso tomar cuidado para não confundir, agora, o caso-teste com a teoria do precedente. O caso-teste é uma técnica de agregação, assim como a ação coletiva, que visa à adjudicação unitária da controvérsia de massa, obstando a sua contínua rediscussão. Trata-se de instrumento processual que busca extrair uma amostra representativa da controvérsia do grupo, seja de fato, seja de direito. A vinculação pelo precedente, por sua vez, não esfria o debate da agregação, pois a teoria do precedente é uma categoria geral, aplicável tanto ao processo individual, quanto coletivo, é limitada à regra de direito e não visa alcançar uma amostra representativa do grupo.

Não se pode perder de vista, portanto, os aspectos subjacentes da agregação: (i) a necessidade de se investigar a relação substantiva do grupo, da qual se extraem as características

129 Em sentido similar: BONE, 1990, p.218.

130 Nos test cases ou bellwether trials, há uma preocupação em se colher uma amostra representativa do universo coletivo de casos semelhantes. A finalidade do julgamento do caso-teste pode ser preclusiva, para evitar a rediscussão das questões comuns controvertidas no grupo ou, ainda, pode ser informativa. Nesse último caso, o objetivo é melhor conhecer o universo coletivo do grupo. Depois do conhecimento e do julgamento levado a efeito no caso-teste, surge um indicador suficiente para informar os interesses e as questões comuns do grupo e, ainda, incentiva-se as partes à formulação de um acordo, já que agora elas já sabem o resultado de uma demanda relativa à mesma controvérsia (cf. NAGAREDA, Richard A. The law of class action and other aggregate litigation. New York: Foundation Press, 2009, p.542).

homogêneas que o definem em abstrato; (ii) a necessidade de se analisar o grau de coesão entre o indivíduo e o grupo, a definir a técnica processual adequada e o seu regime jurídico.

Por fim, é importante salientar que as técnicas processuais de agregação dirigem-se ao processamento e à resolução unitária da controvérsia de massa e ao atendimento dos escopos do processo. Os instrumentos de agregação são variados e cada um deles tem seu espaço próprio no sistema, adaptando-se às diferentes situações da vida coletivas ou plurissubjetivas.

Discute-se hoje, no Brasil, por exemplo, um Novo Código de Processo Civil, em que instrumentos diversos de agregação, como a conversão de ações individuais em ações coletivas ou como o incidente de resolução de demandas repetitivas (que se aproxima da técnica do caso- teste), são estudados e anunciados com entusiasmo pelos processualistas. Há espaço para todos.

Propostas como essa apenas reforçam a necessidade de se investigar o tema das ações coletivas e de outras técnicas de agregação, verificando em que circunstâncias elas são adequadas e necessárias à resolução da controvérsia de massa e, por fim, as possibilidades e os limites em se adotá-las no sistema brasileiro – é o que se pretende investigar no decorrer do trabalho.

Esses pontos serão retomados posteriormente. Por ora, o que é importante destacar é que essas questões, surgidas na modernidade, são ainda discutidas. E, reclamam, nessa medida, uma teoria que não foi plenamente desenvolvida e continua a merecer nossa atenção hoje.