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5. CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

5.4. Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável

Diante dos aportes acima, parte-se do pressuposto de que uma agricultura para ser sustentável deve, antes de tudo, buscar alternativas contrárias ao status quo da agricultura moderna (meramente capitalista), produto da revolução verde. A agricultura sustentável representa o norte a ser alcançado como sistemas produtivos que, simultaneamente, conservem os recursos naturais e forneçam produtos mais saudáveis, sem comprometer os níveis tecnológicos já alcançados de segurança alimentar, como também não venha prejudicar o meio ambiente (BEZERRA e VEIGA, 2000). Portanto, para efeito deste trabalho, deve-se entender Agricultura Sustentável como qualquer atividade agropecuária praticada nas unidades produtivas que permitam a manutenção da produtividade ao longo do tempo, e que sejam constantes, de geração em geração, por intermédio do equilíbrio entre o homem e a natureza. Não basta proteger e melhorar o solo ou a produtividade agrícola se não resulta em melhorias nas condições de vida das pessoas envolvidas. Portanto, agricultura sustentável é um conceito que implica aspectos políticos e ideológicos que tem a ver com o conceito de cidadania e libertação dos esquemas de dominação impostos por setores de nossa sociedade e por interesses econômicos de grandes grupos.

Na ótica de Gliessman (2001), Agricultura Sustentável significa que a produção de alimentos deve ter efeitos negativos mínimos no ambiente e não liberar substâncias tóxicas ou danosas na atmosfera, na água superficial ou no lençol freático; deve preservar e restaurar a

fertilidade, prevenir erosão e manter a saúde ecológica do solo. Sustentável também implica o uso da água de um modo que permita que os aquíferos se recarreguem e que as necessidades de água do ambiente sejam satisfeitas. Além dos cuidados com o solo, a sustentabilidade implica em manter uma diversidade de culturas, usando controles naturais para as pestes, facilitando a economia local, promovendo boas relações com os vizinhos, em geral, preservando a saúde da terra e dos que nela vivem. Gliessman (2002, p. 328), sentencia que “[…] una agricultura sostenible valora a los humanos tanto como a los componentes ecologicos de la producción de alimentos e reconoce sus relaciones e interdependências.”

De acordo com Sarandón et al. (2006, p. 21), agricultura sustentável é aquela que “[…] permite mantener en el tiempo un flujo de bienes y servicios que satisfagan las necesidades socioeconómicas y culturales de la población, dentro de los límites biofísicos que establece el correcto funcionamiento de los sistemas naturales (agroecosistemas) que lo soportan.”

Sarandón e Flores (2009, p. 22), atestam que “[…] un sistema será sustentable si es económicamente viable, ecológicamente adecuado y cultural y socialmente aceptable.” Para tanto, acrescentam os autores, é necessário estudar e compreender as dimensões económica, ecológica, social e cultural.

No campo dos estudos rurais, Terluin (2003), distingue três enfoques a se considerar na busca do desenvolvimento rural: exógeno, endógeno e misto (somatório de ambos). No primeiro, o “exógeno”, o desenvolvimento rural é aplicado de forma cartesiana, verticalizado, ainda existente em várias regiões, como a prática de políticas modernizadoras da agricultura, como forma de estimular o desenvolvimento rural através dos “pacotes tecnológicos”. O segundo enfoque, “endógeno”, está voltado para o desenvolvimento local, promovido pelos agentes locais e baseado nos recursos locais. E por último, a associação de ambos (aquele a ser seguido neste trabalho), no qual o desenvolvimento rural é visto como combinação de forças internas e externas à região, em que os atores sociais das regiões rurais precisam participar ativamente,53 adotando as redes (locais e externas) que devem atuar dinamicamente entre os territórios envolvidos.

O livro “Desenvolvimento Rural: conceitos e aplicações ao caso brasileiro”

(KAGEYAMA, 2008), faz distinção entre dois modelos de desenvolvimento: “modernização da Agricultura” (o agronegócio) e o novo paradigma “Desenvolvimento Rural”. O primeiro modelo refere-se àquele ainda hegemônico implantado pelo processo da revolução verde que culminou com a modernização da agricultura que atua na lógica da economia neoclássica. Esse modelo apresenta como única vantagem a contribuição para o aumento da produtividade, devido ao forte inputs de insumos externos. A modernização da agricultura tem como prática a relação trabalho e capital, que sempre busca obter o máximo de lucratividade, mesmo que o proprietário tenha que exaurir (explorar) sua força de trabalho (empregados) e otimizar o máximo possível o emprego das máquinas e, consequentemente, empregar menor número possível de trabalhadores. Em muitas atividades praticadas por esse modelo, com destaque para a cana-de-açúcar, a relação trabalhista assemelha-se ao processo escravagista.

O processo da revolução verde contribuiu de forma direta para a produção de alimentos, aumento da renda per capita, porém gerou enormes externalidades negativas (CARMO, 1998; MOREIRA e CARMO, 2004; KAGEYAMA, 2008), que perduram até os dias de hoje: aumento das desigualdades sociais, concentrador de riquezas, maior concentração de terras, aquecimento global devido à destruição da camada de ozônio, erosão dos solos, perda da biodiversidade genética, prática do monocultivo, uso intensivo de agrotóxicos, reducionista e simplista no que tange às interações biológicas, poluição ambiental, prática literal da economia de mercado, excludente, entre outras. Por conta desses agravantes, as autoridades internacionais começaram, a partir dos anos 80, a buscar caminhos que pudessem minimizar os impactos socioambientais.

Apesar do modelo modernizador ter contribuído para elevação do produto interno bruto, através das commodities agropecuárias, ele não pode ser entendido como um desenvolvimento rural. A alternativa ao atual modelo consiste na defesa da distribuição de renda e na desconcentração de terras, na expectativa de que se possam melhorar as condições de vida dos agricultores de forma igualitária e equânime, concebida como direito à saúde, a morar bem, a renda digna, ao lazer, ao trabalho, à segurança, entre outras.

Segundo Kageyama (2008), o desenvolvimento rural, deve combinar as dimensões da sustentabilidade, com destaque para as dimensões sociais (obtenção de um padrão de vida socialmente aceitável), dimensão econômica (melhoria e estabilidade da renda familiar), dimensão ambiental (conservação dos recursos naturais), como também a prática da

diversificação de atividades, ou seja, a pluriatividade. O desenvolvimento rural deve ser entendido e adotado de tal forma que se perpetue a longo prazo com a participação das diferentes estruturas sociais existentes nos territórios. Segundo a autora, o desenvolvimento rural consiste na exploração de diversas atividades praticadas pelas famílias dos agricultores adotando diferentes explorações (agropecuárias com policultivos, sobretudo sistemas agroflorestais, artesanais, industrialização da produção, turismo rural, conservação da natureza, serviços ambientais; essas atividades representam a multifuncionalidade do novo espaço rural), cujos produtos devem ser ofertados inicialmente no local. Dessa forma, além de otimizar a mão-de-obra familiar a multifuncionalidade do espaço rural permite obter maior grau de autonomia.

Na Tabela 6, apresentada por Kageyama (2008), consta de forma sintética as principais características que distinguem os modelos: Modernização Agrícola e Desenvolvimento Rural.

Dada a preocupação com os impactos negativos causados no meio rural e, consequentemente, ao meio ambiente em 1987 a World Commission on Environment and Development (WCED)54 elaborou o “Relatório Brundtland” com propostas para que se

adotasse um novo paradigma, o “Desenvolvimento Sustentável” (EHLERS, 1994; DELAI e TAKAHASHI, 2008). O ponto de partida para esse novo olhar ocorreu na Conferência de Estocolmo em 1972, quando pela primeira vez (GUIMARÃES, 1998), foi alertada a cúpula mundial sobre outro desenvolvimento e não aquele predominante, que tinha como espelho a dimensão econômica que estava provocando sérios impactos negativos ao meio ambiente e ao tecido social.

De acordo com Sen (2010, p. 55), somente nas “visões mais estreitas” é que consideram o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB)55 ou a industrialização como desenvolvimento. É necessário distingui-las para que não ocorra confusão quanto ao seu emprego. Crescimento é utilizado para caracterizar, por exemplo, a renda per capta de uma determinada região, ou os dividendos oriundos da produção de bens e serviços, sem levar em consideração os aspectos sociais. Enquanto, que o desenvolvimento aqui empregado leva em

54 World Commission on Environment and Development (WCED), ou seja, a Comissão Mundial para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento foi criada em 1983 e reuniu representantes de governos, de organizações não governamentais e da comunidade científica.

55O PNB é um indicador monetário relativo aos bens e serviços produzidos pelos fatores de produção nacionais,

consideração os avanços econômicos, mas insere as melhorias sociais (saúde, educação, lazer, entre outras), as quais para serem satisfeitas são necessárias à obtenção de renda individual mínima para atender as necessidades sociais básicas das famílias (SEN, 2000). O autor, Prêmio Nobel de Economia de 1998, em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” descreve que

Tabela 6. Principais características da Modernização agrícola e Desenvolvimento Rural.

Modelos Principais características

Modernização agrícola

 Agricultores como empresários agrícolas  Especialização

 Aumento de escala

 Intensificação do uso de insumos modernos*  Produção orientada pela lógica de mercado  Aumento do grau de commoditização

 Dependência crescente de poucos mercados específicos  Pouca ou nenhuma prática da sociabilidade*

 Reduzida diversidade biológica*

 Concentrador de renda e terras (promotor da desigualdade social*

Desenvolvimento Rural

 Agricultores que moram e trabalham conforme a lógica camponesa

 Esforço para reduzir a dependência de mercado de insumos externos à unidade produtiva, visando à redução de custos e melhorar aproveitamento dos recursos naturais

 Introdução de novas atividades que permitam utilizar mais os recursos internos

 Produção ambientalmente mais adequada

 Introdução de práticas de cooperação e pluriatividade  Diversificação de produtos e busca de economia de escopo  Maior controle sobre os processos de trabalho

 Prática diuturna da sociabilidade entre os diferentes sujeitos (vizinhos e familiares)*

 Grande diversidade biológica pelo uso de policultivos*  Desconcentração de de renda e de terras*

 Promove a equidade social*

Fonte: Redigido por Veiga (2001), organizado por Kageyama (2008, p. 61). * Características acrescentadas e/ou ajustadas pelo autor (2012).

“[...] o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de

desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do PNB, aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas).” (SEN, 2000, p. 17).

Segundo Sen (2010), para se alcançar o desenvolvimento é necessária a expansão da liberdade como fim primordial, com ênfase às liberdades substantivas56 para o enriquecimento da vida humana, proporcionando condições para que as pessoas façam sua opção de vida. O conceito mais usado sobre desenvolvimento sustentável é proveniente do Relatório Brundtland, que destaca que o desenvolvimento sustentável é aquele que se preocupa com o presente, mas também com as gerações futuras. Para maior visibilidade desse paradigma, WCED (1987), destaca que desenvolvimento sustentável é

“... para garantir que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. O conceito de desenvolvimento sustentável não implica limites - não limites absolutos, mas limitações impostas pelo presente estado da tecnologia e da organização social sobre os recursos ambientais e a capacidade da biosfera de absorver os efeitos das atividades humanas. Mas a tecnologia e organização social pode ser gerenciado e melhorado para criar uma nova era de crescimento econômico." (WCDE, 1987, p. 8, tradução nossa).

O desenvolvimento que se busca neste trabalho é inerente à sustentabilidade dos agroecossistemas. Figueira et al. (2011), defendem o desenvolvimento rural sustentável como um processo de mudança que contempla em sua construção a consolidação de processos

56As liberdades substantivas “[...] incluem capacidades elementares como, por exemplo, ter condições de evitar

privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas ao saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão, etc.” (SEN, 2010, p. 55).

educativos e participativos que envolvem as populações rurais e demais atores sociais ligados direta e indiretamente ao espaço rural. Segundo os autores, para que haja o desenvolvimento rural sustentável é imprescindível que ocorram mudanças substanciais, sob a ótica de solidariedade e ética, tais como: melhorias sociais, políticas, culturais, econômicas e ambientais.

Ormond (2006), conceituando desenvolvimento rural sustentável, ressalta que ele consiste no

“[...] estabelecimento de programas que promovam o acesso à terra, estimulando a agricultura familiar e a diferenciação das economias rurais através da utilização de políticas públicas que despertem a diversificação das atividades econômicas locais, a valorização e conservação da biodiversidade e dos recursos ambientais e a diminuição das desigualdades sociais, através de melhor distribuição de renda e do tratamento adequado quanto ao gênero, etnia e idade.” (ORMOND, 2006, p. 101).

O desenvolvimento implica em liberdade de expressão, de participação efetiva das pessoas em atividades políticas e econômicas (SEN, 2000). Segundo Sunkel e Paz (1974, p. 12), o desenvolvimento consiste de um processo intencional onde os “[...] grupos sócio- econômicos até então marginalizados, participam, crescentemente, tanto da definição dos objetivos como das tarefas concretas e dos benefícios do processo.” Para estes autores, o desenvolvimento, como processo de transformação social, busca a equiparação das oportunidades sociais, políticas e econômicas, de tal forma que as pessoas desfrutem de padrões mais altos de bem-estar material.

Acredita-se que o verdadeiro desenvolvimento é aquele que integra, concomitantemente, as multidimensões da sustentabilidade (sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais), haja vista que “[...] não se pode alcançar um nível de desenvolvimento em só um desses aspectos, pois cada um é dependente do outro.” (SOUZA e BERGAMASCO, 2008, p. 80).

O conceito de desenvolvimento rural contemplado neste trabalho, respalda-se no pensamento de Kageyama (2008) e Sen (2010), que não está identificado com o crescimento econômico, medido simplesmente pelo PIB, exceto se agregar a este as melhorias das

multidimensões da sustentabilidade (social, econômica, ambiental, cultural e política). Complementando a visão de desenvolvimento, recorre-se a Sunkel e Paz (1974, p. 13), que ressaltam que mesmo havendo menor taxa de crescimento per capita, pode ocorrer maior desenvolvimento, se “[...] incorporar as aspirações, necessidades, e a possibilidade de benficiar os grupos em cujo nome se pretende realizar o desenvolvimento.”