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5. CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

5.5. Premissas agroecológicas para o desenvolvimento sustentável

Agroecologia representa um paradigma ao modelo predominante que foi impulsionado pelo processo da revolução verde que ainda mantém raízes profundas nas propriedades rurais exploradas por agricultores familiares e não familiares, gerando inúmeros problemas socioambientais (ALTIERI, 1996).

A agroecologia surgiu nos anos 70, e contempla várias correntes de agricultura alternativa (orgânica, biológica, natural, ecológica, biodinâmica, permacultura, entre outras) ao modelo convencional. Cabe destacar que nem todos os modelos alternativos estão inseridos como agroecológico, pois não se pode dizer que um determinado modo de agricultura alternativa seja agroecológico pelo simples fato de que não está mais utilizando fertilizantes químicos ou agrotóxicos em seus processos produtivos, fato esse que tem contribuído para confusão no uso do termo agroecologia (CAPORAL e COSTABEBER, 2004; MOREIRA e CARMO, 2004; CARMO, 2008; CAPORAL, 2009; MELÃO, 2010).

CAPORAL (2009), destaca que há quem confunda agroecologia como um modelo de agricultura; outros, com a simples adoção de determinadas práticas ou tecnologias ambientalmente mais adequadas, sem uso de agrotóxico. O autor ainda destaca que é normal ouvir ou ler frases equivocadas relativo à agroecologia, tais como: “existe mercado para a Agroecologia”; “a Agroecologia produz tanto quanto a agricultura convencional”; “a Agroecologia é menos rentável que a agricultura convencional”; “a Agroecologia é um novo modelo tecnológico”; “agora, a Agroecologia é uma política pública”, “a Agroecologia é um movimento social” ou “vamos fazer uma feira de Agroecologia” (CAPORAL, 2009, p. 3-4).

Para Caporal (2008, 2009), agroecologia representa um campo de estudos relativo ao manejo ecológico dos recursos naturais com a práxis da ação social coletiva de caráter participativo, holístico e sistêmico, visando retomar o curso alterado da coevolução social e ecológica, mediante controle das forças produtivas convencionais que degradaram a natureza e

a sociedade.

A agroecologia representa uma alternativa que tem como práxis a busca do fortalecimento da agricultura de base familiar através da implementação de políticas públicas efetivas visando à autonomia dos agricultores vivendo em harmonia com a natureza sem ter a lógica capitalista como objetivo maior (MOREIRA e CARMO, 2004).

De acordo com Norgaard (1989), Altieri e Nicholls (2000) e Gliessman et al. (2007), agroecologia consiste em uma ferramenta que auxilia no entendimento das relações e inter- relações que ocorrem no funcionamento de um agroecossistema, envolvendo os fluxos de energia, ciclo de nutrientes e os aspectos sociais valorizando as pessoas como parte dos sistemas locais de desenvolvimento.

Agroecologia, na ótica de Hecht (1999), deve ser entendida como um sistema, pois incorpora pensamentos relativos ao meio ambiente devido à preocupação ecológica que ocorre nos ecossistemas manipulados pelo homem, mas também se preocupa com as questões sociais oriundas dos fatores externos como colapsos de preços de mercados, entre outros. Para a autora, a agroecologia extrapola os espaços da unidade produtiva indo muito além da produção, pois também se constitui um modo de vida (CAPORAL e COSTABEBER, 2004).

Segundo Altieri (1999), os pesquisadores têm descuidado sobre o estudo mais aprofundado da natureza dos agroecossistemas e dos princípios que regulamentam seu funcionamento. Para o autor, entender o funcionamento dos agroecossistemas é uma condição imprescindível para que se possa alcançar o desenvolvimento de uma agricultura mais autosuficiente e sustentável. Portanto, essa é base da agroecologia que “[…] provee los principios ecológicos básicos para estudiar, diseñar y manejar agroecosistemas que sean productivos y conservadores del recurso natural, y que también sean culturalmente sensibles, socialmente justos y económicamente viables.” (ALTIERI, 1999, p. 9).

O autor ainda destaca no prefácio do seu livro que

“[…] la salud ecológica no es la única meta de la agroecología. En realidad, la sustentabilidad no es posible sin preservar la diversidad cultural que nutre a las agriculturas locales. Una producción estable solo se puede llevar a cabo dentro del contexto de una organización social que proteja la integridad de los recursos naturales y que asegure la interacción armónica de los seres humanos, el agroecosistema y el

medio ambiente.” (ALTIERI, 1999, p. 9).

Agroecologia pode ser entendida de forma ampla ou restrita. Com uma visão limitada entende-se agroecologia como uma técnica ou como uma metodologia que contribui para o entendimento do funcionamento dos sistemas agrários na busca de resolver os problemas técnicos incentivados pelo sistema convencional de produção praticado nas unidades produtivas. Atuando nesta ótica, demonstra-se que não há preocupação quanto às variáveis sociais que podem afetar o funcionamento dos agroecossistemas, que apesar de considerá-las importantes não se busca a solução global que extrapole o espaço das propriedades (GUZMÁN CASADO et al., 2000). Os autores destacam que esta é uma “agroecología débil” que “[…] no se diferencia en mucho de la agronomia convencional y no supone una ruptura más que parcial de las visiones tradiconales” (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 86). A agroecologia defendida pelos autores representa aquela que contempla uma visão mais ampla, pois destaca o papel relevante das variáveis sociais que precisam ser estudadas de forma indissociável envolvendo as relações entre as pessoas e a natureza, para que se possa galgar a sustentabilidade socioambiental.

Segundo Hecht (2002), agroecologia simboliza

“[...] uma forma de abordar agricultura que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, aos problemas sociais e à sustentabilidade ecológica dos sistemas de produção. O pensamento agroecológico recebeu influência das ciências agrícolas (através das interações ecologia/agronomia/sociologia), de diferentes abordagens metodológicas para as análises agroecológicas dentro das ciências agrárias, do ambientalismo como contribuinte intelectual, da ecologia, dos sistemas de produção indígenas e camponeses, dos trabalhos antropológicos e de geógrafos e dos estudos de desenvolvimento rural por meio das análises dos impactos sociais da tecnologia, dos efeitos perniciosos da expansão do mercado de commodities, das implicações nas mudanças das relações sociais, das transformações nas estruturas de posse da terra e da crescente dificuldade de acesso aos recursos comuns pelas populações locais.” (HECHT, 2002, p. 26).

enfoque a “[…] aplicación de los conceptos y principios ecológicos para el diseno y manejo de agroecosistemas sostenibles.” O autor ressalta que os agroecossistemas devem ser manejados com base

“[...] tanto en el conocimiento practico del trabajo en el campo como del conocimiento teorico. Este requerimiento valoriza el conocimiento practico de los agricultores y de los trabajadores agricolas, dandoles mayor poder en demanda de un tratamiento equitativo.” (GLIESSMAN, 2002, p. 327).

A agroecologia é entendida por vários autores como uma ciência (ALTIERI, 1989; CAPORAL e COSTABEBER, 2004c; GLIESSMAN, 2002 e 2005; GLIESSMAN et al. 2007; CAPORAL, 2008, CAPORAL, 2009), enquanto que outros (MOREIRA e CARMO, 2004) percebem que ela não representa uma ciência acabada, pois se encontra em construção, exigindo dos pesquisadores postura aberta e pouco dogmática, contendo uma visão inter, multi e transdisciplinar, associada aos movimentos sociais e aos setores empresariais comprometidos com a sustentabilidade.

A importância da Agroecologia deve-se ao fato de que ela adota a estratégia da avaliação sistêmica que contribui para interação da ciência e da práxis, promovendo o intercâmbio de conhecimento entre pesquisadores e os saberes locais dos agricultores, por intermédio da pesquisa-ação, tomando decisão conjuntamente com as comunidades envolvidas nos problemas identificados (NORGAARD e SIKOR, 1999; SEVILLA GUZMAN, 2001; MOREIRA e CARMO, 2004).

Para Carmo (2008), agroecologia adota uma visão integradora e o enfoque sistêmico da realidade pesquisada, ressaltando que o potencial local ou endógeno representa uma premissa agroecológica chave. Nesta ótica, a autora, aponta que o desenvolvimento sustentável implica no emprego imprescindível do enfoque agroecológico que precisa ocorrer através da promoção do potencial endógeno por intermédio das forças naturais e sociais do lugar. Deste modo, a pesquisadora ressalta que o desenvolvimento sustentável é “[...] caracterizado pelo conjunto de recursos que vão gerar estratégias na promoção do desenvolvimento local em bases permanentes.” (CARMO, 2008, p. 36).

A agroecologia apesar de ser uma corrente contrária à pesquisa convencional que fomenta o uso de insumos modernos e subestima o conhecimento local, não dispensa a

pesquisa científica, mas se propõe transformá-la de tal forma que possa ser realizada de forma participativa, por intermédio da troca de saberes com os agricultores, os quais são capazes de desenvolver o setor rural com agroecossistemas eficazes, rentáveis e sustentáveis.

O processo de transição do modelo convencional hegemônico para o agroecológico não significa realizar uma nova “revolução modernizadora”, mas sim adotar o processo dialético como práxis para transformar as atitudes empregadas pelos profissionais valorizando e integrando o saber popular ao científico para se buscar as soluções dos problemas socioambientais decorrentes dos manejos dos agroecossistemas, tendo como mote o alcance do desenvolvimento rural sustentável (CAPORAL, 2008). Ainda para o autor, a transição agroecológica

“[...] deve ser entendida como um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, que, na agricultura, tem como meta a passagem de um modelo agroquímico de produção e de outros sistemas degradantes do meio ambiente (que podem ser mais ou menos intensivos no uso de insumos industriais) a estilos de agriculturas que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica. Essa ideia de mudança se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores, seja nas suas relações sociais, seja nas suas atitudes com respeito ao manejo e conservação dos recursos naturais.” (CAPORAL, 2008, p. 19).

A agroecologia, ao invés de estudar a realidade de forma atomizada em conformidade com o modus operandi das ciências convencionais, busca integrar os saberes históricos dos agricultores com os conhecimentos científicos das diferentes áreas do conhecimento. Dessa forma, é possível não somente analisar, compreender e criticar o atual modelo de desenvolvimento das atividades rurais, como também estabelecer novas estratégias para o

redesenho de modelos de agricultura mais sustentáveis, desde uma abordagem holística, multi, inter e transdisciplinar (CAPORAL, 2009).

Guzmán Casado et al. (2000), apresentam a agroecologia como base para um planejamento na busca do desenvolvimento rural. Para tanto, apontam sete características necessárias rumo à sustentabilidade, que devem ser escolhidas cuidadosamente de acordo com a realidade de cada região, para geração de receita complementar, sempre com a participação efetiva da comunidade como forma de valorizar a cultura e o conhecimento local. As características assinaladas pelos autores são:

1) Integralidade: ainda que o manejo dos recursos naturais através da exploração da agricultura, pecuária e silvicultura, sejam os elementos de partida para o desenvolvimento rural, deve-se aproveitar os distintos elementos existentes no território. Desta forma, recomenda-se buscar o estabelecimento de atividades econômicas e socioculturais que abarquem a maior parte dos setores econômicos necessários aos meios de vida da população, visando à melhoria do bem estar da comunidade;

2) Harmonia e Equilíbrio: os esquemas de desenvolvimento rural, gerados a partir dos recursos naturais locais, devem contrabalançar crescimento econômico e qualidade do meio ambiente, buscando exercer atividades agrossilpastoris que permitam a manutenção do equilíbrio ecológico;

3) Autonomia de Gestão e Controle: “[…] Han de ser los próprios habitantes de la zona quienes, em línes generales, gesten, gestionen y controlen los elementos clave del proceso.” (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p.140). A proposta dos autores tem por base o histórico das intervenções públicas junto às comunidades, as quais, muitas vezes inconscientemente, colocam uma barreira à verdadeira participação. Isto porque as intervenções públicas ocorrem, na maioria das vezes, sem que haja uma valorização dos mecanismos socioculturais da localidade onde se está intervindo;

4) Minimização das Externalidades Negativas nas Atividades Produtivas: a proposta apresentada pelos autores consiste no estabelecimento de redes locais de produção (escambo de insumos), como caminho para o enfrentamento à lógica de mercado, imposta pelas multinacionais, induzindo os agricultores a realizarem o manejo industrial dos recursos naturais com insumos sintéticos além de ficarem na “[...] dependencia del mercado y dos agentes de la circulación.” (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 141);

5) Manutenção e Fortalecimento dos Circuitos Curtos: consiste na busca de potencializar e solidificar a comercialização da produção nos mercados locais e que possibilitem aos agricultores o aprendizado e o controle sobre os processos de comercialização, quando se deve, então, passar aos mercados micro e macrorregionais. Se os grupos locais assim decidirem, devem então tentar conquistar mercados externos vinculados às redes globais de mercado solidário. No entanto, destacam as dificuldades para os agricultores chegarem a esse ponto e atestam “[...] en nuestra opinión, lo constituye la tendéncia a minimizar la dependencia del exterior.” (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 142);

6) Utilização do Conhecimento Local Vinculado aos Sistemas Tradicionais de Manejo dos Recursos Naturais: essa característica é central para o enfoque agroecológico voltado para o desenvolvimento rural, incentivando o conhecimento local, para se alcançar a coevolução na lógica do funcionamento dos agroecossistemas, onde ocorra a interação do saber local com o científico, para que seja possível aportar as experiências acumuladas para serem refletidas e, com base nelas, se busquem soluções sustentáveis para os problemas existentes (NORGAARD, 1985; NORGAARD e SIKOR, 1999). Guzmán Casado et al. (2000), destacam que “[...] en los agroecosistemas fuertemente artificializados, donde el manejo tiene una naturaleza rabiosamente industrializada, también es posible generar un conocimiento local que aporte soluciones.” Além disso, continuam os autores, o conhecimento local “[...] ofrecerá respuestas análogas a las que siglos atrás establecieron los habitantes de la zona, realizando un manejo medioambiental de los recursos naturales.” (GUZMÁN CASADO et al., 2000, p. 142). Conveniente recordar a frase de Gliessman (2002, p. 328), que ressalta “[…] Una agricultura sostenible valora a los humanos tanto como a los componentes ecologicos de la producción de alimentos y reconoce sus relaciones e interdependencias.”

7) Pluriatividade, Seletividade e Complementaridade de Rendas: a pluriatividade proposta pelos autores não se restringe a simples ampliação de atividades não agrícolas no meio rural, postura comum entre os agentes promotores de programas de desenvolvimento rural integrado. Todavia, Guzmán Casado et al. (2000, p. 143), amplia a visão de pluriatividade quando escreve que “[…] La pluriactividad que aqui proponemos se has más bien en la complementariedad de atividades, y supone una recuperación de las praticas sustentables que históricamente se realizaban.” Neste caminho os autores apontam o turismo rural como uma alternativa, desde que seja realizado no contexto das estruturas associativas

existentes na comunidade rural para reforçar os laços de solidariedade.