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3. AGROECOSSISTEMAS E AGRICULTURA FAMILIAR

3.5. Agricultura familiar

3.5.1. Tipos de agricultura familiar

A Lei 4.504 (BRASIL, 1964, p. 2) que criou o Estatuto da Terra, definiu, no inciso II do artigo 4º, propriedade familiar como sendo

“[...] o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros [...]”.

No entanto, o Estatuto da Terra não identificava qual seria o tamanho do imóvel rural, através do qual a propriedade familiar se enquadraria.

O Governo Federal, em 1965, por intermédio da Lei n° 4.771 (Código Florestal) no artigo 1º, § 2º, inciso I, descreve que “pequena propriedade rural ou posse rural familiar é aquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo…” desde que a área não seja superior a “cento e cinquenta hectares se localizada nos Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso” (BRASIL, 1965, p. 1).

Dezoito anos depois, o governo brasileiro criou a Lei nº 8.629 (BRASIL, 1993, p. 2), em que define “pequena propriedade” (artigo 4º, inciso II) como imóvel rural cujo tamanho está compreendido entre um e quatro módulos fiscais e a “média propriedade” com área maior que quatro e até 15 (quinze) módulos fiscais, e consequentemente, as grandes propriedades, com área maior do que 15 módulos32.

Os estabelecimentos familiares, segundo Bergamasco (1993), são aqueles administrados e conduzidos pela própria família e não por contrato. A autora destaca que para diferenciar o agricultor familiar é preciso considerar a heterogeneidade da produção familiar e levar em consideração “[...] a presença e peso relativo do trabalho contratado (externo à família), já que se atribui a este elemento um peso qualitativo fundamental que permite definir os diferentes tipos de produção familiar.” (BERGAMASCO, 1993, p. 8).

O INCRA, na expectativa de distinguir os produtores familiares do conjunto patronal, utilizou alguns critérios de forma simultânea, dentre as seguintes condições: i) a direção do trabalho é exercida pelo produtor; ii) não existem despesas com serviços de empreitada; iii) número de empregados permanentes e temporários menor ou igual a quatro temporários (sem permanente) ou três temporários (no caso de no máximo um permanente), calculada a média anual; iv) com área total menor ou igual a quinhentos hectares para as regiões Sudeste e Sul, e mil hectares para as demais regiões (FAO/INCRA, 1996).

Quatro anos depois do estudo da FAO/INCRA, a classificação dos estabelecimentos familiares passou a adotar três critérios simultâneos mais sintéticos distinguindo-os dos

32 Módulo Fiscal é a unidade de medida agrária que representa a área mínima necessária para que as propriedades

latifúndios: i) a direção dos trabalhos do estabelecimento deve ser exercida pelo produtor; ii) o trabalho familiar é superior ao trabalho contratado; iii) estabelecimento de uma área máxima regional para cada região brasileira como teto para os estabelecimentos familiares, para evitar que grandes latifúndios improdutivos fossem enquadrados como familiares (GUANZIROLI e CARDIM., 2000, p. 50)

A procura de mecanismos para identificar os agricultores familiares tem sido perseguida por vários autores. Nos estudos realizado com base no Censo agropecuário de 2006 Kageyama et al. (2008), conseguiram identificar duas classes de agricultores, levando em consideração as estimativas de pessoal ocupado contratado e familiar: i) agricultura familiar; e ii) agricultura não-familiar ou patronal. A agricultura familiar pode ser composta de três tipos: tipo 1) assentados (agricultores originários de projetos de Reforma Agrária); tipo 2) exclusivamente familiar (opera apenas com mão-de-obra da família do produtor, sem nenhum tipo de pessoa contratada; e tipo 3) familiar com contratado (possui mão-de-obra contratada, mas em quantidade menor ou igual, em equivalentes-ano, à mão-de-obra familiar). Do outro lado, está a agricultura não-familiar ou patronal (tipo 4), que representa o estabelecimento sem mão-de-obra familiar ou com mão-de-obra contratada em quantidade maior, em equivalentes- ano, que a mão-de-obra familiar.

De acordo com Schmitz e Mota (2007, p. 2), a partir de 1990, o termo “agricultura familiar” ganhou força com o advento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), apesar da predominância do emprego das denominações “camponês” e “pequenos produtores”, por diversos autores33.

Os agricultores familiares, até então conhecidos como “pequenos produtores” (SCHMITZ e MOTA, 2007; SCHMITZ e MOTA, 2008), ganham legitimidade, em 2006, pelo Governo Federal, com a criação da Lei 11.326 (BRASIL, 2006), que ficou conhecida como Lei da Agricultura Familiar, a fim de facilitar o modus operandi do crédito rural. No entanto, essa Lei, apesar de ter dado visibilidade legal, teve conceituação política mais operacional, pois visava identificar os beneficiários do PRONAF. Segundo essa Lei, para ser considerado agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, ele precisa atender, simultaneamente, os seguintes requisitos:

33 A terminologia “pequenos produtores” ainda vem sendo utilizada em alguns países, dentre eles a Argentina

“[...] i) não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; ii) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; iii) tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; e iv) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família”. (BRASIL, 2006, p. 1).

A supracitada Lei ainda destaca que são beneficiários do PRONAF: os silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; os aquicultores que explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2 ha (dois hectares) ou ocupem até 500 m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; extrativistas que exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores34; e os pescadores que exerçam a atividade pesqueira de forma artesanal.

No entanto, para identificar agricultura familiar é necessário muito mais elementos do que os acima citados. Inclusive cabe destacar que empreendedor rural é contrastante ao conceito de agricultura familiar defendido neste trabalho e respaldado dentro da ótica de vários autores como veremos a seguir.

A definição conceitual universal de agricultor familiar, segundo Wanderley (1997), refere-se àquele que associa família ao trabalho e a produção em um determinado estabelecimento rural, onde a família trabalha, consome o que produz, vendendo o excedente quando for o caso, e sempre procura garantir a segurança alimentar e a reprodução familiar. Neste contexto, os agricultores familiares podem ser proprietários, parceiros, meeiros e arrendatários. A autora conceitua agricultura familiar como categoria genérica a qual deve ser entendida como “[...] aquela família em que ao mesmo tempo ela é proprietária dos meios de produção e assume o trabalho no estabelecimento produtivo.” (WANDERLEY, 1997, p. 2). A complexidade de um estabelecimento familiar rural continua a autora, respalda-se na frase de Lamarche (1993, p. 14.) na qual destaca que “[...] a agricultura familiar não é um elemento da diversidade, mas contém, nela mesma, toda a diversidade.”

Schmitz e Mota (2007), apontam cinco tipos de categorias sociais de agricultura

familiar (não patronal ou empresarial): i) campesinato; ii) pequena produção; iii) agricultura familiar; iv) produção familiar rural; v) produção (familiar) coletiva. Ainda, segundo estes autores (2008), muitos pesquisadores adotam o tamanho do estabelecimento para distinguir agricultura familiar da agricultura patronal dado a facilidade de constatação.

A “Pequena Produção” consiste na terminologia utilizada a partir dos anos 70, por ocasião da criação da Embrapa, para realizar pesquisas que atendessem diretamente o aumento da produtividade a ser difundido pelos serviços de Extensão Rural no Brasil a fora. Nessa época, a diferenciação entre os produtores era quanto ao tamanho da propriedade ou do valor da produção obtida, através dos quais eram identificados para acessar os programas de crédito do governo. Dessa forma, a nosso ver, os agricultores familiares mais uma vez eram diferenciados dos demais como algo pequeno, deixando a entender, como “sem importância”. Além do mais, pode-se encontrar pequenas propriedades, em termos de área, mas que se apresentam altamente capitalizadas, ou seja, com altíssimo valor da produção.

Wanderley (1997, p. 10), entende que “[...] agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações específicas e particulares.” Para a autora uma das formas sociais de agricultura familiar é a Agricultura Camponesa Tradicional, pois adota a associação do trinômio família-propriedade-trabalho, a qual tem como particularidades pertinentes a forma de pensar e agir no tocante a sociabilidade, aos objetivos das atividades econômicas e também à forma de sua inserção na sociedade globalizada. Nesse particular, a agricultura camponesa tem autonomia, pois independe do mundo globalizado, haja vista que ela produz o suficiente para atender as necessidades da família e ter condições de garantir sua reprodução familiar. Dentre suas características destaca-se o saber tradicional, cultura própria, regras de parentesco, forma de pensar e agir sobre herança e de formas de vida local.

A agricultura familiar camponesa foi muita defendida por Chayanov (ABRAMOVAY, 2007), que questionava as teorias marxistas defendidas por Lenin e Kautsky que advogavam as condições de reprodução e transformação da agricultura camponesa pela lógica capitalista. Chayanov, entretanto, defendia a agricultura familiar com base nas suas especificidades e estratégias de produção e reprodução social, ou seja, ele defendia que “[...] o campo é o lugar da preservação das tradições, da família, das raízes nacionais, da força comunitária espontânea - em cujo poder transformador acredita a maioria dos revolucionários russos [...].”’ (ABRAMOVAY, 1998, p. 71).