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2. HISTÓRIA DE ALTA FLORESTA

2.2. Colonização dirigida para abertura de Alta Floresta

Uma das frentes de ocupação do norte mato-grossense ocorreu no município de Alta Floresta, criada pelo Colonizador Ariosto da Riva, conhecido popularmente como “o último bandeirante” devido à coragem de penetrar, a partir do km 652 da BR 163, 150 km no meio da mata, até chegar ao local destinado a implantar o projeto de colonização e fundar a cidade de Alta Floresta. A primeira clareira foi aberta no dia 19 de maio de 1976, três anos após o começo da abertura das estradas para chegar a Alta Floresta. O nome do município foi dado devido à natureza da região, com matas altas e ricas em angelins, mognos, castanha-do-pará, entre várias outras espécies florestais. Segundo Rosa et al. (2003), o espaço territorial do município de Alta Floresta provém da compra de 400.000 ha de terras que a Indeco S.A (Integração, Desenvolvimento e Colonização) adquiriu da CODEMAT,15 através do edital de concorrência nº 03/73, de 25/07/1973. Esta área vinha de um lote maior de 2.000.000 de hectares de terras devolutas estaduais, localizadas no município de Aripuanã-MT, a qual somou à área comprada anteriormente de uma empresa privada, para fins exclusivos de colonização. Os autores ainda destacam que:

“[...] Esse processo de ocupação foi realizado de forma ordenada e seletiva, controlando a entrada e permanência dos habitantes nas terras que pertenciam a empresa de colonização. Para efetivar esse controle, a Indeco, usou de muitas ações e atitudes, às vezes até de força, para ocupar essas terras e criar um ambiente favorável à adaptação e fixação do colono. Dentre essas ações estava a entrada controlada das pessoas, realizada por meio de uma balsa no rio Teles Pires, onde só tinha acesso os compradores de terra ou funcionários e/ou pessoas autorizadas pela Indeco.” (ROSA et al., 2003, p. 4).

Os primeiros produtores começaram a chegar em 1978, para abertura das primeiras propriedades rurais, que tinha como incentivo do Colonizador Ariosto da Riva o plantio de lavouras permanentes (café, cacau, guaraná e seringueira), que as denominava de “bem de raiz”, pois fixava o homem à terra. O marketing utilizado pela Colonizadora Indeco era um

15 Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso que tinha como objetivo incentivar, subsidiar e

chamamento extremamente alvissareiro, pois conclamava os colonos do centro-sul do país para a construção de um sonho, o imaginário, o esplendor de um novo dia para aplacar a dor padecida (GUIMARÃES NETO, 1986), uma nova opção de vida, onde as famílias poderiam alcançar melhor qualidade de vida. Para ilustrar esse “chamamento” segue uma das propagandas utilizadas pela empresa colonizadora:

“[...] Abra a porta, escute, sinta, veja, eu lhe apresento: A Indeco S/A, oferece a você agricultor e sua família, uma nova opção de vida. Venha plantar conosco, nas terras férteis dos projetos de Alta Floresta e Paranaíta, as rentáveis culturas do café, arroz, feijão, milho, mandioca e outras. Desfrute da infra-estrutura que a cidade de Alta floresta já lhe oferece. Energia elétrica, hospitais, escolas rurais e urbanas, Bancos: do Brasil, BASA, Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), culturas financiadas, comercialização garantida [...], Tudo que sua família precisa para uma vida melhor. Participe desta nova filosofia de colonização das terras nobres da Amazônia, com agricultura perene, que a Indeco está desenvolvendo.” (Cartaz exposto no escritório da Indeco em Alta Floresta).

Com esse forte chamamento e a esperança de dias melhores, as famílias vendiam seus bens e vinham para Alta Floresta. Inicialmente, na sua maioria, foram em grupos e/ou ônibus disponibilizados pela colonizadora para conhecerem in loco o município, onde havia algumas propriedades modelos destinadas à visitação para verem o comportamento vegetativo e reprodutivo dos principais cultivos: i) Fazenda Caiabi, de propriedade do grupo Indeco (café e cacau); ii) Fazenda de 200 alqueires, de propriedade do grupo Indeco (guaraná); iii) Dorival Piloto16 (café); v) Pedro Firmino (cacau), entre outras. Indiscutivelmente, o visual das culturas era tão entusiasmante que aguçava o espírito dos cafeicultores, maravilhados pela exuberância das lavouras de cacau e guaraná, ainda desconhecidas por esses colonos. Obviamente, que todas essas áreas eram muito bem cuidadas, para que os produtores constatassem a potencialidade produtiva daquela terra e visualizassem os cifrões que poderiam ganhar com cada uma delas.

16 A propriedade do Senhor Dorival, conhecido como Dorival Piloto, ficava a 2 km do centro da cidade (hoje

Essas culturas foram plantadas sem nenhum respaldo de pesquisa científica, e até mesmo conhecimento empírico, com as condições de solo e clima completamente diferentes do centro sul do país, tendo em vista que se tratava de uma nova fronteira agrícola. Assim, os cafeicultores trouxeram consigo a experiência do café arábica (Coffea arábica) e plantaram milhares de hectares, apesar da recomendação do Instituto Brasileiro do Café, bem como dos técnicos da EMATER-MT, para não plantar essa espécie, por não ser recomendada para regiões quentes e com grande período de estiagem.

A colonizadora, para atrair os produtores do centro sul do país para o município, tinha como grande aliado o Governo Federal, que instalou o escritório da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), responsável pela implantação e condução das lavouras cacaueiras e Governo Estadual que instalou o Escritório Local da Empresa Mato- grossense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER),17 responsável pelas demais atividades agropecuárias (café, guaraná, seringueira, culturas anuais, bovinocultura de corte e leite).

Inicialmente, a colonizadora disponibilizou espaços para funcionamento desses órgãos, até que eles pudessem construir seus próprios escritórios em terrenos doados pela colonizadora, os quais eram constituídos de uma boa equipe de profissionais (técnicos agrícolas, técnicos agropecuários e agrônomos), para elaborar projetos técnicos, visando à liberação de recursos para implantação das culturas supramencionadas, bem como prestar assistência técnica utilizando as metodologias individuais e grupais, segundo a concepção Rogeriana18. Importante destacar que os financiamentos eram extremamente subsidiados, contendo bom período de carência, juros baixos e longo prazo para pagamento, processo desburocratizado, ou seja, havia toda uma decisão governamental de apoio para que o produtor de fato conseguisse um financiamento para investir em sua propriedade. O objetivo do governo era propiciar todas as condições possíveis para atrair as famílias dos produtores para ocupar aquele território.

17 O serviço de Extensão rural no Estado de Mato Grosso oficialmente iniciou-se em setembro de 1964 por

intermédio da ACARMAT (Associação de Crédito e Assistência Rural de Mato Grosso). Em 1977 ela é extinta e é criada a EMATER, a qual em janeiro de 1992 se funde com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Empa), a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Mato Grosso (Codeagri) para criar a EMPAER (Empresa Matogrossense de Pesquisa e Extensão Rural).

18 Carls Rogers nasceu em Chicago em 1902 e faleceu em La Jolla/Califórnia em 4/02/1987, foi um dos

principais percursores da difusão de tecnologia adotada durante a revolução verde e até os dias atuais. Sua teoria difusionista foi a base de todos os programas de Assistência Técnica no Brasil e em toda América Latina (NAVARRO, 2005).

O Colonizador demonstrava preocupação com os colonos19, a fim de que eles

obtivessem a melhor produtividade possível para alcançarem dividendos e, consequentemente, melhorar suas condições de vida. “Senhor Ariosto”, como era popularmente conhecido, mesmo após sua morte continua sendo respeitado e às vezes idolatrado por muitas pessoas, sobretudo por uma parte dos “colonos” pioneiros, pois, segundo eles, o “Senhor Ariosto foi um Pai para nós”. Dentro dessa visão, o colonizador estimulava as pesquisas científicas, as quais eram realizadas nas áreas cedidas da Fazenda Caiabi S.A (pelos técnicos da Fazenda ou por técnicos da EMATER), como também em uma área de, aproximadamente, 500 hectares, doada por ele à CEPLAC, para realizar pesquisa com a cultura do cacau. Também participava e apoiava as atividades na busca de alternativa para união dos produtores, através das organizações de classes, tais como: Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicato Patronal, Cooperativas de Produtores Rurais e Associações Comunitárias Rurais.

No governo do presidente Ernesto Geisel, a EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural)20 criou o Prêmio Produtividade Rural para premiar os

produtores que tinham obtido melhor produtividade21, sobretudo com culturas anuais. Como

prêmio, o produtor recebia uma medalha por ter obtido a melhor produtividade do município. O objetivo da premiação era mais uma forma encontrada pelas autoridades, sem custo nenhum, para incentivar os produtores a plantar, posto que a premiação era realizada em reunião com a presença de autoridades municipais, lideranças comunitárias e produtores. Esse ato enchia de orgulho o produtor e seus familiares, motivando-os ainda mais a cultivar a terra. Infelizmente, os técnicos que trabalhavam nos órgãos governamentais que faziam o trabalho de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) haviam sido formados nas Escolas Técnicas e Faculdades onde predominavam os ensinamentos e os princípios da revolução verde, bem como seus superiores hierárquicos. Não havia naquele momento preocupação ambiental, pois, o pensamento predominante era produzir alimentos com a certeza de que a natureza recuperaria todos os impactos dessa antropia22. Portanto, inexistia o pensamento topofílico no qual há um elo efetivo entre as pessoas e o lugar ou ambiente físico, onde há

19 Forma como Sr. Ariosto da Riva chamava os produtores rurais, sobretudo os agricultores familiares tendo em

vista que a maioria vinha do centro-sul do país, como eram denominados, pois viviam em colônias.

20 EMBRATER criada em 06/11/1974 no Governo do Presidente Ernesto Geisel que tinha como objetivo

principal promover, estimular e coordenar os programas de assistência técnica e extensão rural, visando à difusão de conhecimentos científicos de natureza técnica, econômica e social (BRASIL, 1974).

21 Produção por unidade de área (kg/ha).

identificação dos moradores com o lugar e o conhecimento pessoal de cada um em relação ao ambiente em que residem (TUAN, 1980).

A orientação predominante, repassada para os produtores, era derrubar a mata para plantio das mencionadas culturas, sem nenhuma avaliação das consequências que poderiam advir pela supressão das matas que, além de outros benefícios, protegiam os recursos hídricos. Tal comportamento foi adotado pelos técnicos dos órgãos de ATER (EMATER e CEPLAC), os quais, ao elaborarem os projetos para obtenção de crédito rural junto aos agentes financeiros (Banco do Brasil S.A e o Banco da Amazônia S.A), destacavam nos projetos a preservação das áreas de preservação permanente (APP) conforme a legislação (BRASIL, 1965). Entretanto, só constava nos projetos, pois, não havia uma orientação detalhada para os produtores sobre a legislação ambiental. Tal comportamento foi seguido também pelo órgão de fiscalização ambiental, na época o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF),23 que também não tinha essa preocupação.

A preocupação maior dos que vieram para o município (colonizadora, técnicos dos Órgãos Governamentais, seja de ATER ou de fiscalização ambiental como o IBDF, agentes financeiros e produtores), era abrir as terras e explorá-las com atividades agropastoris recomendadas pela pesquisa, visando obter maior retorno econômico possível para melhoria das condições de vida dos colonos. Dessa forma, motivados pela ilusão da propaganda, bem como dos princípios do processo da Revolução Verde, os atores sociais alimentavam o pensamento antropocêntrico,24 negligenciando a necessidade da proteção dos recursos naturais, sem preocupação com efeitos colaterais que seriam provocados ao meio ambiente. Segundo Scandurra (2002, p. 139), os que adotam esse pensamento são partidários do “[...] pressuposto antropocêntrico que, no máximo, faz da natureza um valor meramente ético, mais do que uma condição biologicamente dada, no interior de uma visão ecossistêmica.” Completando, Guimarães Neto (2002), destaca que as pessoas, sobretudo na década de 80 e 90, trabalhavam dentro da lógica da necessidade, que, por sua vez, trabalhavam sob a lógica do capital, transformando os recursos naturais em atividades econômicas, sobretudo com as

23 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje denominado de Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

24 Antropocêntrico significa o entendimento do homem como sendo ele o centro de todas as coisas do universo,

ou seja, o ambiente está a serviço dele. De acordo como Milaré e Coimbra (2004), antropocêntrico vem a ser o pensamento ou a organização que faz do homem o centro de um determinado universo, ou do Universo todo, em cujo redor (ou órbita) gravitam os demais seres, em papel meramente subalterno e condicionado. Assim, é o homem o eixo principal de um determinado sistema, ou ainda, do mundo conhecido.

culturas do café, cacau, arroz, milho e feijão, buscando autonomia financeira. Patamar esse, não alcançado pela maioria dos pequenos produtores rurais do município, devido à completa falta de apoio dos governantes com políticas agrícolas contínuas, em especial, para garantia da comercialização da produção obtida.

Para Almeida (2007), há uma visão equivocada, mas ainda prevalecente, de que os sistemas naturais respondem aos impactos, independentemente de sua magnitude, retornando as suas condições originais, assim que cessar os fatores de exaustão, ou seja, não importa o que o homem faça, a natureza encontrará maneiras de sobreviver.

De fato, inicialmente, foi um tempo de bonança para os agricultores devido ao bom preço dos produtos agrícolas cultivados, e também a fertilidade natural dos solos. Esse binômio conduziu os produtores a um bom retorno econômico, estimulando-os a expandirem seus plantios, tendo sido também uma forma de atrair mais produtores. Entretanto, com o passar do tempo, os solos foram se esgotando, ou seja, perdendo a fertilidade, posto que não havia reposição dos nutrientes extraídos pelas plantas. Assim, como a exploração era intensiva, os solos tornaram-se ácidos, com baixa fertilidade, refletindo diretamente na diminuição drástica da produtividade. Esse esgotamento é fruto da modernização da agricultura que conduziu os agricultores a substituir a vegetação natural por atividades agropastoris, os quais, inicialmente, obtinham boa rentabilidade, mas provocou a exaustão dos solos, gerando várias externalidades negativas, tais como: i) elevação do nível de pobreza no campo; ii) forte êxodo rural; iii) concentração de terras; iv) assoreamento dos rios e nascentes; v) contaminação dos recursos hídricos; vi) incremento da perda da biodiversidade; vii) diminuição da fertilidade do solo; viii) desigualdade social; ix) conflitos territoriais, entre outras (GUZMÁN CASADO et al. 2000; PAGIOLA, 2004).