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1. INTRODUÇÃO

1.1. Por que realizar esta pesquisa?

O ambiente que congrega a Microbacia Hidrográfica Mariana (MBM), no município de Alta Floresta, é ecologicamente frágil, com áreas de declive acentuado, nascentes, matas ciliares, e tem importante papel na recarga dos rios Taxidermista, Telles Pires e, por sua vez, o Rio Tapajós, responsável pela alimentação do sistema aquífero Alter do Chão (ZOBY e OLIVEIRA, 2005). Ela também é a fonte hídrica que abastece a cidade de Alta Floresta. Portanto, a MBM representa um ambiente importantíssimo a ser recuperado e preservado, para o contínuo fornecimento de água, tanto para as famílias rurais como para a população urbana, não somente no aspecto quantitativo como qualitativo desse bem comum.

Dada essa importância, os técnicos e representantes de diversas entidades, de acordo com o Plano de Intervenção em áreas Alteradas (AGENDA 21, 2008), elegeram a Microbacia Hidrográfica Mariana como principal área a ser trabalhada, em caráter de urgência, visando sua recuperação para evitar problemas de abastecimento de água em futuro próximo. O motivo de tal indicação deve-se ao fato de ela apresentar 56% das áreas de preservação permanente (APP), com elevado grau de degradação, necessitando de recuperação imediata. Entretanto, antes de programar qualquer ação para recuperar os mananciais, faz-se necessário ouvir os produtores que residem na MBM. Contudo, esse processo é de grande complexidade, pois têm que ser considerado os aspectos culturais, como saberes e crenças locais, como também os projetos de vida das famílias, autoconsumo, atividades agrícolas e não agrícolas, os meios de produção existentes (insumos, tecnologia, equipamentos), e a relação com os recursos naturais (SANTOS e MARTINS, 2007).

A realização desta pesquisa se justifica tendo em vista que se desconhece qualquer ação que tenha sido realizada nesse ambiente, dentro de uma perspectiva construtivista. Infelizmente, as realizadas até então não têm sido planejadas em consonância com os anseios e as necessidades dos produtores, oportunizando a eles o direito de se manifestarem quanto às ações a serem realizadas nos espaços em que vivem, permitindo-lhes demonstrar seus interesses nos pontos que considerem importante para melhoria socioambiental daquele espaço rural. As metodologias empregadas não têm seguido os princípios imprescindíveis do diálogo horizontalizado com a participação ativa das famílias rurais. De concreto, as decisões, na sua maioria, têm sido tomadas de forma vertical, sem ouvir os produtores, sem dar-lhes tempo

para reflexão, seja individual, junto a seus familiares ou de forma coletiva, com as demais famílias da comunidade. De acordo com Bordenave (1997), a participação consiste em um processo de desenvolvimento da consciência crítica, e de autonomia, contribuindo para a transformação das pessoas como atores ativos e críticos. Freire (1983, p. 34) também enfatiza que o diálogo entre os atores ocorre por meio da participação comum, desde que ocorra “[...] a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la [...]”.

Cabe destacar que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente iniciou importante trabalho de recuperação das APP em todo o município, inclusive na MBM, chamado de Olhos D’água da Amazônia, com recursos obtidos do Fundo Amazônia, em 2009, no valor de R$ 2,87 milhões (1ª fase),8 destinados para contratação de profissionais para realizar o Laudo Ambiental Único (LAU), Cadastramento Ambiental Rural (CAR), georreferenciamento das propriedades rurais, doação de 50 % dos materiais (arame e lasca) para cercar as APP, implantação de 20 unidades demonstrativas, entre outras. Esse projeto foi de extrema importância para os produtores da MBM, tendo em vista que a maioria deles não teria condições financeiras para cobrir os custos do CAR e Georreferenciamento, aproximadamente, R$ 11.500,00, por propriedade segundo a SECMA (informação verbal)9.

Com parte do recurso liberado, foram compradas lascas de teca (Tectona grandis), para cercar as APP, através de processo licitatório. Por conseguinte, foi criado um problema, pois as lascas adquiridas foram rejeitadas por muitos produtores, por não ser material apropriado para construção de cerca, como também, segundo muitos, elas eram tão finas que pareciam “um palito”, as quais receberam apenas um tratamento externo, cujo produto não protegia toda a madeira, e, além do mais, muitas rachavam, facilitando a ação dos microorganismos do solo. Enfim, a SECMA comprou esse material sem consultar os produtores e os profissionais especializados na escolha de material apropriado para cercar as APP. Vale destacar que vários produtores estão utilizando essas lascas, porém, descontentes, enquanto outros as devolveram. Essa insatisfação deve-se ao fato de que eles acreditam que as

8 Conforme informação recebida por e-mail da Engenheira Florestal Gercilene Meire da SECMA, a Fase 2 do

Projeto Olhos D’Água da Amazônia iniciou-se em 16/09/2013, com as seguintes ações na MBM: recuperação das APPs, georreferenciamento, unidades demonstrativas (hortas orgânicas, tanques de p iscicultura, meliponicultura e manejo de pastagens).

lascas não aguentarão três anos, no chão. Fato este constatado durante o ano de 2013, por vários produtores. De tal modo, que os produtores terão mais despesas para recuperar as cercas, tendo em vista que terão que substituir as lascas.

Pergunta-se: por que utilizaram esse material? A resposta de muitos agricultores é: de “medo”, porque se não utilizassem o material disponibilizado pela SECMA poderiam ser penalizados pela Promotoria de Justiça, por não ter cumprido o TAC e, como eles não tinham recurso financeiro para comprar madeira apropriada para cerca, acabaram sendo obrigados a utilizar as lascas doadas.

A busca para resolver os problemas ambientais, com destaque para água como bem comum, é através do diálogo horizontal com os atores sociais imbricados no processo, ou seja, os produtores rurais, conforme destaca Goulart (2011), ao afirmar que a solução das questões ambientais deve passar por um processo dialógico com os atores sociais (agricultores), a partir de uma agenda mínima de propostas socioambientais que devem contemplar os interesses desses atores.

Outro aspecto importante que se considera nessa pesquisa é que não basta plantarem árvores para recuperar os recursos hídricos, mas também é imprescindível realizar o trabalho de microbacia, mediante construção de terraços e bacias de captação das águas das chuvas. Esse pensamento é compartilhado pelo Secretário Municipal de Agricultura, o qual ressaltou, na reunião realizada na comunidade central, junto à Secretaria de Meio Ambiente, que é “mais importante fazer um trabalho de conservação dos solos do que o plantio de árvores”.

Além do mais, é imperativo que os produtores se envolvam nesse processo, não por imposição ou medo de serem penalizados, mas por entenderem e compreenderem que é necessário harmonizar a convivência do homem com a natureza, sendo indispensável a supressão da visão antropocêntrica e as metodologias difusionistas (ROGERS, 1962).

Para tanto, é necessário que esse processo de recuperação seja construído, o qual indiscutivelmente é mais lento, pois se trabalha com a complexidade que representa as pessoas, todavia, é duradouro. Logo, cremos que é possível alcançarmos gradativamente a coevolução dos sistemas sociais e ecológicos.

A coevolução é um termo utilizado em biologia que se refere ao processo de evolução onde há respostas recíprocas entre duas espécies estreitamente interagidas. Para Norgaard (1984, p. 161), este conceito pode ser ampliado para “[...] para abarcar cualquier proceso de

retroalimentación (feedback) que ocurra entre dos especies que evolucionan, incluyendo los sistemas social y ecológico.” O autor ressalta que a reprodução das espécies depende de uma relação harmoniosa entre o homem e a natureza “[…] como cualquiera de las especies sociales, nuestra subsistencia depende de lo apropiado de nuestra conciencia social con respecto a nuestra relación con el medio ambiente.” (NORGAARD, 1984, p. 169).

Diante dessa conjuntura, faz-se necessário avaliar a percepção dos agricultores, a qual consiste em um processo mental que ocorre pela interação do indivíduo com o meio, através de mecanismos perceptivos, conduzidos pelos estímulos externos e captados pelos cinco sentidos, através de mecanismos cognitivos, que compreendem a contribuição da inteligência (DEL RIO e OLIVEIRA, 1999). A compreensão do meio ambiente é um dos fatores que o determinam e o caracterizam, através de escolhas e comportamentos. Logo, a percepção que os indivíduos possuem do ambiente reflete a forma como esses se relacionam com o entorno e, desse modo, repercutem sobre suas ações nesse ambiente (DEL RIO e OLIVEIRA, 1999; OKAMOTO, 2003).

A pesquisa sobre percepção não deve consistir simplesmente em uma coleta de dados ou levantamento do ponto de vista dos produtores, muito menos formular uma consulta de opinião sobre os sistemas de produção conduzidos por eles, mas, sobretudo, deve-se avaliar e entender o conjunto de variáveis que integram esses sistemas (OLIVEIRA, 2002), pois estão interligadas e são interdependentes. Portanto, as variáveis e/ou problemas pertinentes às questões ambientais não podem ser entendidos isoladamente, mas sistemicamente (CAPRA, 1996), haja vista que as unidades produtivas consistem em um sistema onde todas as partes estão conectadas. Dessa forma, é possível, junto às famílias rurais e demais atores sociais construir caminhos alternativos para solução dos problemas socioambientais da MBM.

Outro ponto importante é entender as lógicas que levaram os agricultores a se deslocaram do centro sul do país para o extremo norte do Estado de Mato Grosso, para derrubar matas frondosas, enfrentar mosquitos, malárias, cobras, ou seja, uma realidade completamente diferente daquela que viviam, para plantar café e outras culturas. As lógicas para toda essa conjuntura devem ser encontradas no funcionamento interno das unidades de produção, por intermédio dos elementos que determinam sua conduta e o seu comportamento mediante a realidade de vida dos agricultores, bem como os fatores externos as unidades produtivas que os impulsionaram a essa tomada de decisão.

Logo, com essa pesquisa espera-se entender as percepções e as lógicas dos produtores quanto à degradação e à recuperação da MBM, para junto com eles (FREIRE, 1980) colher subsídios visando a elaboração de políticas públicas que venham contribuir para a sustentabilidade social, econômica e ambiental daquele espaço.

Por consequência, ao conhecer a realidade local, entende-se que um dos caminhos é executar um programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que deve ser debatido com os agricultores, para que se constitua um instrumento de melhoria ambiental e de qualidade de vida das famílias rurais, sem que haja a mercantilização dos recursos naturais, de tal modo que contribua para o aumento da biodiversidade e sustentabilidade socioambiental daquele território.

Logo, qualquer ação que vise à recuperação dos recursos naturais necessita de análise e compreensão das diferentes unidades de produção, as quais possuem sistema básico e diversificado com animais e plantas, terra para cultivo, sonhos, desejos e expectativas (AZEVEDO, 2007), pois tudo na unidade produtiva se relaciona, tendo em vista que os sistemas são uma complexa interação entre os processos sociais externos e internos, como também entre os processos biológicos e ambientais. Portanto, é necessário conhecer os agroecossistemas para que se possa compreendê-los e relacioná-los na busca de alternativas para solução dos problemas que os envolvem (SILVA NETO, 2005).