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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.5 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Os estudos referentes à necessidade de alfabetizar e letrar os estudantes estão amplamente divulgados e presentes em documentos oficiais e em diferentes bibliografias relacionadas à alfabetização. Esses estudos, desenvolvidos principalmente pela Linguística e Psicolinguística, têm contribuído como aporte teórico para a elaboração dos programas de formação docente ofertados na última década para os professores alfabetizadores, incluindo os programas analisados por esta pesquisa.

A proposta de alfabetizar e letrar os estudantes está presente no texto das Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba, implementadas no ano de 2006, que embasaram a elaboração dos Cadernos Pedagógicos, entre eles o de Alfabetização. As Diretrizes

compreendem a importância do domínio da Língua Portuguesa falada e escrita como condição para as aprendizagens escolares e para a sobrevivência digna dos cidadãos em uma sociedade letrada e informatizada. Devido às dimensões do analfabetismo nos diferentes âmbitos nacionais, têm como meta primordial o aprimoramento e a efetivação dos processos de alfabetização e letramento. Mesmo porque é por meio deles que os estudantes terão condições para a aprendizagem das demais áreas do conhecimento. (CURITIBA, 2006, p. 18).

As referidas Diretrizes utilizam-se dos conceitos elaborados por Magda Soares. Por alfabetização, entende-se “o processo decifrativo do código na leitura e o processo composicional do código da escrita”. (SOARES, 1998) e, por letramento, “o estado ou condição de quem não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e de escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugando-as com conjugando-as práticconjugando-as sociais de interação oral”. (SOARES, 1998). Dessa forma, não basta alfabetizar as crianças, mas deve-se também, gradativamente, desenvolver o letramento. Para que isso aconteça, é necessário que o professor utilize-se dos gêneros textuais que circulam socialmente como objeto de estudo da Língua Portuguesa, procurando realizar um ensino efetivo e contextualizado, baseado na

análise e compreensão dos diferentes enunciados, auxiliando cada indivíduo a interagir no mundo em que vive.

Com relação às pesquisas na área da alfabetização, Sigwalt e Guimarães (2012) observam que estudos recentes têm procurado unir a alfabetização – aquisição da tecnologia do saber ler e escrever – e o letramento, para fazer uso efetivo do ler e do escrever em suas diferentes funções sociais, na busca para que todos os alunos possam ter acesso e permanência no mundo da escrita. As autoras dizem que as ideias de Paulo Freire poderiam ser consideradas como idealizadoras da proposta de “alfabetizar-letrando”, num momento em que esta expressão ainda nem existia. (SIGWALT; GUIMARÃES, 2012, p. 334). Para Paulo Freire (1989), o processo de escrever envolve

[...] uma compreensão critica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto [...]. (FREIRE, 1989, p. 9).

Refletindo acerca das palavras de Paulo Freire, percebe-se que ele não conseguia ver a alfabetização desvinculada das questões do mundo, o que hoje se pode considerar como um processo de letramento.

Atualmente, o conceito de alfabetização e letramento como processos indissociáveis é amplamente divulgado nos meios acadêmicos e escolares. Segundo o texto do documento Pró-Letramento, do Ministério da Educação,

o desafio que se coloca para os primeiros anos da Educação Fundamental é o de conciliar esses dois processos, assegurando aos alunos a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e condições possibilitadoras do uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. (BRASIL, 2007b, p. 13).

Para Sigwalt e Guimarães (2012, p. 336), o Programa Pró-Letramento é a expressão de um período em que se procura a superação das visões tradicional e construtivista e se concebe a alfabetização e o letramento como ações indissociáveis.

Com relação ao programa de formação posterior ao Pró-Letramento – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, foco desta pesquisa, dois objetivos da formação presentes no Caderno de Apresentação são relacionados à

Alfabetização na perspectiva do letramento: “Entender a concepção de alfabetização na perspectiva do letramento, com aprofundamento de estudos utilizando,

sobretudo, as obras pedagógicas do PNBE19 do Professor e outros textos publicados

pelo MEC” e “Planejar o ensino na alfabetização, analisando e criando propostas de organização de rotinas da alfabetização na perspectiva do letramento”. (BRASIL, 2012, p. 31).

Carvalho (2005) também defende a proposta de alfabetizar letrando. A autora concorda com as ideias de Soares (1998) quando esta diz que alfabetizar e letrar são processos distintos, porém interligados, sendo possível alfabetizar letrando. Dessa forma, se pode ensinar adultos e crianças a lerem, conhecendo os sons que as letras representam e, ao mesmo tempo, convidá-los a se tornarem leitores, participando da aventura implícita no ato de ler. (CARVALHO, 2005, p. 9).

A Psicologia Genética e a Psicolinguística vêm exercendo saudável influência na alfabetização, com relação ao aspecto convencional-gráfico da escrita e ao aspecto simbólico na notação gráfica, porém é necessário o avanço para além da etapa inicial de acesso à língua escrita. Dessa forma, sugere-se a alteração das condições de leitura e produção de textos na escola, de modo que a criança conviva com as regras discursivas do texto escrito, construindo seu conhecimento e fazendo uso delas. (SOARES, 2007, p. 113).

Nesse sentido, Morais (2012, p. 122-123) defende que, para o ensino da linguagem escrita, é preciso, intencionalmente, planejar a cada dia dois tipos de situações: uma relacionada à aprendizagem da escrita alfabética e outra relacionada à linguagem que se usa para escrever. O pesquisador alerta para a importância das atividades de reflexão acerca do sistema de escrita alfabética serem diárias, podendo ou não estar vinculadas aos textos lidos e produzidos na sala de aula. O autor concebe o texto como unidade fundamental de trabalho com a língua na escola, reconhecendo que as perspectivas teóricas relacionadas à linguística textual, às teorias de enunciação e à análise do discurso contribuem para a inovação no ensino. Porém, alerta que não é necessário ficar preso ao que chamou de “ditadura do texto”, como se fosse proibido realizar atividades de reflexão sobre palavras e

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PNBE: O Programa Nacional Biblioteca da Escola, desenvolvido desde 1997, tem o objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. “Hoje, o programa atende de forma universal e gratuita todas as escolas públicas de educação básica cadastradas no Censo Escolar”. (BRASIL, 2014).

suas unidades menores (sílabas, rimas e letras). O autor reitera que, sendo a escrita alfabética um objeto de conhecimento em si, um sistema notacional, seu aprendizado requer que o estudante foque palavras e suas partes constituintes. Lembra que, “para compreender o alfabeto e aprender suas convenções, o principiante precisa ‘partir’ o signo linguístico, esquecer, provisoriamente, o significado e focar, de forma muito especial, o significante (oral e escrito)”. Para ele, as situações de reflexão sobre as palavras podem partir ou não de um repertório de palavras extraído de textos previamente lidos, ou seja, não acredita que seja obrigatório trabalhar necessariamente com vocábulos retirados de textos conhecidos. Para não cair na “ditadura do texto” em um “suposto paraíso de contextualização”, Morais sugere o uso de atividades com textos e atividades com palavras, que podem ser realizadas por meio de jogos, por exemplo. (MORAIS, 2012, p. 122-124). Em síntese, a perspectiva de alfabetizar letrando destaca a possibilidade de se aprender a tecnologia de ler e escrever, fazendo uso dessa tecnologia nas práticas sociais.