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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA COGNITIVA E DA

2.4.6 Consciência sintática/morfossintática

A consciência sintática refere-se à habilidade de refletir, manipular e mostrar controle intencional sobre a sintaxe da língua. (GOMBERT, 1992). Significa reconhecer que a linguagem possui um sistema de regras e combinar categorias gramaticais ou palavras entre si de modo a produzir frases que tenham sentido. Essa habilidade favorece os processos de decodificação e os de compreensão de leitura e de escrita. (DINIZ, 2008, p. 25).

Correa (2009, p. 57) cita estudos que explicam a influência da consciência sintática para a leitura, que pode ser compreendida de duas formas: as habilidades metassintáticas teriam papel auxiliar na detecção e correção de erros na leitura, maximizando o processo de monitoramento da compreensão leitora na criança.

(TUNMER; BOWEY, 1984)10. A consciência sintática auxiliaria também o

reconhecimento de palavras no texto, na medida em que a criança usaria o contexto sintático para compensar dificuldades na decodificação das palavras. (TUNMER;

HOOVER, 1992)11. Porém, a pesquisadora observa que essa relação entre a

consciência sintática e a leitura não é de todo clara, sendo mediada pela memória de trabalho e pela consciência fonológica.

Segundo Corrêa (2009), a avaliação da consciência sintática, em pesquisas empíricas, tem enfatizado a ordenação dos vocábulos nas frases e a concordância verbal e nominal nas frases em que há emprego inapropriado ou ausência de alguns morfemas. Um dos grandes desafios relacionados à pesquisa acerca da origem e do desenvolvimento das habilidades metalinguísticas é sua mensuração por meio de atividades em que a criança realmente reflita e empregue seus conhecimentos acerca da língua. Nesse sentido, Corrêa descreve e analisa diferentes tarefas que

10

TUNMER, W. E.; BOWEY, J. A. Metalinguistic awareness and reading acquisition. In: TUNMER, W. E.; PRATT, C.; HERRIMAN, M. (Eds.). Metalinguistic awareness in children. New York: Springer-Verlag, 1984, p. 144-168.

11

TUNMER, W. E.; HOOVER, W. A. Cognitive and linguistic factors in learning to read. In: GOUGH, P. B.; EHRI, L. C.; TREIMAN, R. (Eds.). Reading acquisition. Hillsdale: Erlbaum, 1992, p. 175-214.

vêm sendo utilizadas para mensurar a consciência sintática e morfológica, observando as possibilidades e fragilidades de cada uma.

Investigações acerca das habilidades metalinguísticas abordam a contribuição da consciência morfológica e da consciência sintática de forma independente, refletindo a diferenciação feita pela gramática entre sintaxe e morfologia. Porém, do ponto de vista empírico, é possível observar a dificuldade de

avaliar de forma independente a consciência sintática e a morfológica, pois muitas

tarefas de consciência sintática contemplam informações de natureza morfológica. Os estudos relacionados à avaliação da consciência morfológica também contemplam informações sintáticas quando focalizam a manipulação dos morfemas flexionais (desinências nominais ou verbais) ou morfemas derivacionais que possuem propriedades gramaticais (modificam a categoria gramatical da palavra derivada em relação à primitiva). A pesquisadora coloca que a morfologia e a sintaxe não aparecem de forma independente na organização da linguagem e questiona essa independência na construção de modelos teóricos que possam explicar a representação e o funcionamento cognitivo no aprendizado da língua escrita. (CORRÊA, 2009, p. 58-70).

Concluindo: do ponto de vista didático e de pesquisa, é conveniente usar o termo consciência morfológica quando se quer enfatizar a estrutura mórfica das palavras e o termo consciência sintática quando se quer enfatizar a organização dos elementos nos sintagmas oracionais. Porém, os usuários da língua, tanto oral como escrita, se defrontam com as tarefas de escolher uma forma (morfologia),

relacionando-a com outra (sintaxe). Bizzocchi (2007)12 e Sautchuk (2004)13

esclarecem que os elementos da linguagem se organizam em dois tipos de relações: escolha de elementos de mesma função, dentro de um conjunto de formas possíveis (eixo paradigmático ou das simultaneidades), e relação entre as formas escolhidas pelo falante da língua (eixo sintagmático ou das sucessividades). Sautchuk (2004) afirma que a língua funciona morfossintaticamente, e o termo “consciência morfossintática” poderia ser utilizado para designar a capacidade de reflexão e manipulação intencional dos aspectos morfológicos e sintáticos da língua e de sua aplicação. Segundo Corrêa,

12

BIZZOCCHI, A. De linguagens, planetas e empresas. Revista Língua Portuguesa, 2007, 20, p. 50-52.

13

SAUTCHUK, I. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo) sintática. Barueri, SP: Manole, 2004.

A consciência morfossintática seria assim um construto multidimensional envolvendo uma série de habilidades relacionadas à representação, ao monitoramento e planejamento, por parte do sujeito, de sua atividade de processamento linguístico relativo quer à morfologia, quer à sintaxe. (CORRÊA, 2009, p. 71-72).

Utilizando a denominação consciência morfossintática, é possível designar a consciência dos níveis da gramática que permitem executar as tarefas que requerem uma particular atenção, tanto aos aspectos morfológicos quanto aos sintáticos da língua, relacionados às produções orais e escritas dos aprendizes. (CORRÊA, 2009, p. 72).

A contribuição da consciência sintática e morfossintática para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita tem sido pesquisada também no contexto do português brasileiro. (DINIZ, 2008; GUIMARÃES, 2003; GUIMARÃES, 2005a; GUIMARÃES, 2011; MOTA et al., 2009; MOTA; PAULA; GUIMARÃES, 2014, entre outros).

Com relação à consciência metassintática, foi realizado um estudo com o objetivo de investigar a influência de um programa de intervenção baseado em atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades metafonológicas e metassintáticas em leitura e escrita. Participaram 44 crianças de duas classes (2.ª série) de uma escola pública, com idade entre 8 e 12 anos, que apresentavam diversidade em termos de desempenho em alfabetização. As crianças foram divididas em um grupo experimental e um grupo controle. O estudo aconteceu em três fases: pré-teste e pós-teste para todas as crianças e intervenção para o grupo experimental. Foi realizada avaliação coletiva de tarefas de escrita e individual de leitura, consciência fonológica e sintática, antes e após a intervenção. Foram 16 sessões coletivas de tarefas lúdicas de atividades metafonológicas e 15 sessões de atividades lúdicas metassintáticas.

Os resultados demonstraram que apenas o grupo experimental apresentou diferenças significativas na comparação das médias pré e pós-teste nas tarefas de habilidades metafonológicas e de escrita, porém a melhora ao escrever palavras não facilitou a escrita de frases que exigiam maior complexidade cognitiva. Nas tarefas de leitura e habilidades metassintáticas ambos os grupos progrediram significativamente. As atividades de leitura e escrita desenvolvidas em sala pela professora para o grupo controle podem ter auxiliado as crianças no desempenho acerca da consciência metassintática, mas o mesmo não ocorreu com relação à

consciência fonológica. A conclusão é de que a efetividade do programa de intervenção constitui uma importante implicação pedagógica, evidenciando que é possível recuperar atrasos de linguagem escrita por meio do treino em consciência fonológica, correspondência grafema-fonema e consciência sintática em situações reais de sala de aula. É recomendado que as escolas reflitam acerca das práticas que podem efetivamente favorecer aprendizagens significativas em leitura e escrita, incluindo mais sistematicamente atividades que possibilitem aos educandos refletir acerca dos aspectos fonológicos e sintáticos da linguagem. (DINIZ, 2008, p. 138-139).

Outro estudo também encontrou correlações entre consciência sintática e desenvolvimento da escrita no contexto escolar. O objetivo foi de investigar o papel da escolarização sobre o desenvolvimento da consciência metassintática. Participaram do estudo 26 crianças de primeira série (13 de escolas privadas e 13 de escolas públicas) e 28 crianças de segunda série (16 de escolas privadas e 12 de escolas públicas). Foram aplicadas três tarefas de consciência sintática (julgamento de sentenças corretas, julgamento de sentenças incorretas e correção). Não foi observado um efeito estatisticamente significativo com relação à série, mas sim com relação ao tipo de escola. As crianças das escolas particulares tiveram desempenho melhor do que as crianças das escolas públicas. Os resultados demonstraram correlação entre medidas de consciência sintática e tarefas de escrita, sugerindo que a experiência das crianças no seu meio ambiente tem um papel no desenvolvimento da consciência sintática. (MOTA et al., 2009).

Outra investigação analisou o desempenho de crianças sem e com dificuldades de aprendizagem. Para isso, foram utilizadas três tarefas de avaliação da consciência fonológica e três tarefas de avaliação da consciência sintática/morfossintática, além da avaliação do desempenho na leitura e na escrita de palavras isoladas. Os participantes do estudo foram divididos em três grupos: Grupo 1 (20 crianças do 4.º e do 5.º ano com dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita); Grupo 2 (20 crianças do 2.º ano com o mesmo nível de leitura e escrita dos participantes do Grupo 1); Grupo 3 (20 crianças do 4.º e do 5.º ano sem dificuldades de aprendizagem e mesma idade cronológica do Grupo 1). As crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram um déficit no processamento fonológico. Com relação às tarefas de consciência sintática/morfossintática, não

foram encontradas diferenças estatísticas entre os Grupos 1 e 2. Já o Grupo 3 obteve resultados superiores aos dois primeiros grupos.

As análises apontaram que os resultados podem não retratar a real influência das habilidades morfossintáticas sobre a capacidade de escrita e leitura de palavras isoladas, tendo em vista que as tarefas envolviam conhecimentos da morfologia flexional, não avaliando conhecimentos da morfologia derivacional, além de uma tarefa possuir um componente semântico que pode ter influenciado as respostas do Grupo 1. A conclusão é que as habilidades medidas nas tarefas sintáticas e morfossintáticas são aperfeiçoadas com as experiências em leitura e escrita, o que explicaria os resultados do Grupo 3. Também foi observado que alguns participantes do estudo, falantes de dialetos orais diferentes da norma padrão, não conseguiram bom desempenho na tarefa de correção das variações gramaticais contidas nas frases. Por isso, foi desenvolvido um estudo posterior, com o objetivo de testar a hipótese de que tanto o nível de variação linguística quanto a consciência morfossintática exercem influência nas diferenças de desempenho em leitura e escrita. (GUIMARÃES, 2003).

Outro estudo foi realizado com o objetivo de investigar a influência da variação linguística e da consciência morfossintática nas diferenças de desempenho em leitura e escrita de alunos da 2.ª, 3.ª e 4.ª série do ensino fundamental. Foram investigados dois grupos de crianças de escolas públicas do Município de Curitiba: Grupo 1 (18 alunos de 3.ª e 4.ª série – média de idade de 11 anos e 8 meses), que apresentavam dificuldades em leitura e escrita e frequentavam, além das aulas regulares, salas de recurso; Grupo 2 (17 alunos de 2.ª e 3.ª série – média de idade de 8 anos e 7 meses), sem dificuldades em leitura e escrita e que frequentavam somente as aulas regulares. Foram utilizados três instrumentos de coleta de dados: uma tarefa para avaliar o nível de variação linguística dos alunos; três tarefas para avaliar a consciência morfossintática (uso gerativo de morfemas, analogias morfológicas e correção das violações gramaticais contidas nas frases) e três provas para avaliar a linguagem escrita (leitura de palavras, avaliação da compreensão da leitura e avaliação da escrita – ortografia). De acordo com os resultados, a hipótese

principal do estudo – de que níveis de variação linguística se correlacionariam

negativamente com os desempenhos em leitura e escrita, enquanto a consciência

morfossintática se correlacionaria positivamente – foi confirmada. A análise dos

escrita. O estudo corrobora os resultados de outras pesquisas, ilustrando como as diferenças de desempenho em leitura e escrita podem estar relacionadas com o desenvolvimento da consciência morfossintática. (GUIMARÃES, 2005a).

Nessa pesquisa, a autora também salienta que a hipótese pela qual os sujeitos com menores índices de variação linguística apresentariam escores elevados de consciência morfossintática não foi confirmada. Assim, é possível aos falantes de variantes linguísticas não padrão o desenvolvimento da consciência morfossintática que possibilite uma capacidade de expressão escrita adequada. Diante dos resultados, a sugestão é que os episódios de variação linguística não sejam desconsiderados nem corrigidos de forma puramente normativa, como “linguagem errada”. Os professores devem aproveitar esses episódios para discutir a legitimidade das variações linguísticas e refletir acerca da variedade padrão, levando os alunos à tomada de consciência dos aspectos formais e estruturais da linguagem oral e sua relação com a escrita. (GUIMARÃES, 2005a, p. 261-271).

Uma terceira pesquisa teve como objetivo analisar as relações entre a capacidade de segmentação convencional das palavras de alunos de 4.º e 5.º ano e seu desempenho em tarefas de consciência morfossintática, escrita (ortografia) e compreensão leitora. Integraram o estudo 30 alunos, que apresentaram em suas escritas segmentações não convencionais e 10 alunos que não apresentaram problemas de segmentação. Com o intuito de avaliar as habilidades morfossintáticas, foram utilizadas cinco tarefas (uma de categorização gramatical, duas de morfologia flexional e duas de morfologia derivacional). O desempenho na escrita foi avaliado por meio da escala “Avaliação da aprendizagem da escrita” e a compreensão leitora por meio de quatro textos (dois utilizando a técnica Cloze e dois com perguntas literais e inferenciais). Os resultados demonstraram uma relação positiva e significativa entre os escores de consciência morfossintática – tanto com o desempenho em escrita quanto com a compreensão leitora. (GUIMARÃES, 2011).

Mota, Paula e Guimarães (2014, p. 60-61) analisaram as segmentações não convencionais da palavra “enfarinhado”, realizadas pelos participantes deste último estudo e concluíram que, se os estudantes tivessem recebido um ensino explícito acerca dos prefixos “em-” e “en-”, que aparecem em várias formações de palavras com o sentido de “passagem para um estado ou forma”, conciliando com a regra ortográfica de contexto morfossintático (formação de palavra envolvendo prefixação)

e n antes das demais consoantes), teriam utilizado esse conhecimento para escrever corretamente a palavra.

Analisando o que as pesquisas sobre o processamento morfológico e a linguagem escrita demonstram, Mota, Paula e Guimarães (2014) concluem que a consciência morfológica é um constructo que contribui de forma consistente para a aquisição da leitura no português do Brasil. Essa contribuição acontece desde a fase inicial da alfabetização, aumentando na medida em que a criança avança no processo de escolarização. Outra evidência é que as habilidades fonológicas e morfossintáticas começam a se desenvolver antes do processo formal de alfabetização. Crianças com dificuldades no processamento fonológico ficam impedidas de desenvolver a consciência morfossintática. A sugestão é que os professores alfabetizadores levem as crianças a refletir acerca da estrutura fonológica das palavras, bem como da sua estrutura morfossintática, possibilitando maior domínio da escrita e compreensão leitora. (MOTA; PAULA; GUIMARÃES, 2014, p. 63-64).

Apesar de as pesquisas relacionadas à consciência morfológica e à consciência sintática (morfossintática) não serem tão frequentes como as relacionadas à consciência fonológica, já se pode encontrar na literatura evidências empíricas da importância do desenvolvimento dessas habilidades metalinguísticas para a aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita.