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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA COGNITIVA E DA

2.4.7 Consciência lexical e semântica

A consciência lexical refere-se ao estabelecimento de critérios gramaticais para segmentar a linguagem. Quando a criança já é capaz de segmentar, isolar ou quantificar a linguagem oral em palavras, reconhecendo primeiramente palavras com função semântica, como os substantivos, adjetivos e verbos, e posteriormente palavras com função sintática, como conjunções e preposições, diz-se que a criança desenvolveu o conceito de palavra e possui consciência lexical. (DINIZ, 2008, p. 25). A consciência lexical é importante para o processo de alfabetização na medida em que o reconhecimento das palavras nas frases e parágrafos e o entendimento de sua função auxiliam na construção do léxico e na compreensão leitora.

A consciência semântica é relacionada à habilidade do sujeito em reconhecer o sistema da linguagem como um código arbitrário e convencional.

“Desta forma, pode-se dizer que quando se fala em semântica fala-se também em

conhecimento sobre os significados de palavras familiares”. (BARBOSA, 2013, p.

43). A pesquisadora se baseia em Armengaud (2006) para dizer que, à luz da Linguística, a semântica “trata da relação dos signos, palavras e frases com as coisas e com os estados das coisas; é o estudo do conjunto do sentido, da referência e da verdade”. (ARMENGAUD, 2006, p. 12). Para conceituar uma palavra, o sujeito deve desenvolver tanto a consciência lexical quanto a semântica. (BARBOSA, 2013). O desenvolvimento da habilidade metalexical, mesmo sendo distinto do metassemântico, é algo difícil de ser notado isoladamente na observação de um comportamento linguístico real, “uma vez que os elementos do léxico constituem unidades mínimas de significado [...] (exceto talvez em estudos neuropsicológicos de indivíduos manifestando problemas específicos em processos lexicais ou semânticos)”. (GOMBERT, 1992, p. 63). A seguir abordam-se algumas pesquisas referentes ao desenvolvimento da consciência lexical.

Quanto aos estudos anteriores à década de 90, Abaurre e Silva (1993) realizaram uma revisão de literatura acerca daqueles que buscaram explicar os critérios utilizados pelas crianças em fase inicial de alfabetização, ligados à segmentação da fala e da escrita. Dessa forma, com relação aos critérios de segmentação, no início da aquisição da linguagem oral a criança está imersa em um constante fluxo de sons da fala. É desse fluxo que a criança extrai pedaços,

atribuindo-lhes significado. (PETERS, 1983).14

Para a segmentação na escrita, Abaurre e Silva (1993, p. 90) colocam a necessidade de se utilizarem critérios morfológicos, base de muitos sistemas de escrita, que determinam os espaços em branco entre as palavras. Segundo os autores, trabalhos com relação à segmentação na escrita infantil são relacionados com a elaboração do conceito de “palavra” pela criança, o que a fará utilizar adequadamente os espaços em branco. Nesse sentido, descrevem o trabalho de

Karpova (1955)15, que solicitou a crianças de 3 a 7 anos que identificassem o

número de palavras em sentenças. Os resultados indicaram que crianças com menos de 7 anos não são capazes de dividir sentenças em unidades lexicais. Já as crianças mais velhas conseguiram distinguir nomes e dividir as sentenças entre

14

PETERS, A. The units of language acquisition. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

15KARPOVA, S. N. Osonznanie slovesnogo sostava rechi rebekon doshkol’nogo vograsta (The pre-schooler’s realization of lexical structure of speech). Voprosy Psikhologii, 1955, 4.

sujeito e predicado. As preposições e conjunções foram as unidades mais difíceis de serem identificadas e isoladas.

Os autores também descrevem o trabalho de Holden e MacGinitie (1972)16,

que investigaram as concepções das crianças pré-escolares acerca dos limites da palavra oral e escrita. Os resultados demonstraram que as crianças tiveram mais dificuldades de perceber as palavras ditas funcionais como unidades autônomas do que as palavras referenciais, que representam maior conteúdo lexical. O contexto rítmico de alguns enunciados foi considerado como pistas para as crianças segmentarem sentenças. Nesse caso, percebe-se que as crianças podem dar respostas episódicas e singulares a respeito da segmentação. Abaurre e Silva (1993) também citam o estudo de Ferreiro e Teberosky (1979), que discutem os critérios de segmentação oral e escrita de crianças. Os resultados demonstraram que os critérios utilizados pelas crianças pré-escolares são bem diferentes dos convencionais. Primeiramente, elas consideram o todo como semanticamente indivisível. Algumas crianças do estudo propuseram separações entre o sujeito e o

predicado ou em três partes – sujeito, verbo e complemento. Os autores concluem

que, em todos os trabalhos mencionados, a hipótese seria de que as crianças já estariam tomando a linguagem como um objeto de análise e manipulação, porém destacam que as crianças podem ainda estar tentando realizar um recorte da própria realidade. O exercício de segmentação poderá possibilitar que as crianças percebam

a linguagem separada da realidade que ela simboliza. Dessa forma, “recortar o

mundo” e “segmentar a linguagem” são duas fases de um mesmo processo. Os autores consideram que uma boa forma de se avaliar a escrita infantil são os textos

espontâneos, utilizados por Abaurre (1988a, 1988b17) em vários estudos. Os

resultados demonstraram a ocorrência de hipossegmentações, como (omebateu

homem bateu; pediarvere – pé-de-árvore e eufui – eu fui). Abaurre e Silva concluem

que as crianças pequenas têm dificuldades de perceber a segmentação de itens em que elas semântica e fonologicamente se apoiam constituindo grupos de força ou

grupos tonais (ex. minhatia; apata; aminhacaza). Esses grupos de força ou grupos

tonais são unidades rítmico-entonacionais (prosódicas) da fala. Nesse caso, a sugestão é que a própria prosódia pode envolver e delimitar enunciados linguísticos,

16 HOLDEN, M. H.; MacGINITIE, W. H. Children’s conceptions of word boundaries in speech and print.

Journal of Educational Psychology, 63 (6), 1972.

17

ABAURRE, M. B. M. The interplay between spontaneous writing and underlying linguistic representations. European Journal of Psychology of Education, III (4), 1988b.

determinando porções fônicas que correspondem a recortes possíveis da realidade. Por meio desses recortes a criança pode começar a perceber os recortes da linguagem. (ABAURRE; SILVA, 1993, p. 100-101).

Com relação a estudos mais recentes, uma das pesquisas realizadas objetivou analisar qual a concepção que possuem acerca de palavra crianças no final da primeira fase do Ensino Fundamental que segmentam as palavras fora da norma padrão. Para a coleta dos dados, foi realizado um ditado de ditos populares, no intuito de verificar a capacidade de segmentar as frases (ditos populares) em palavras gráficas e a competência ortográfica. Os participantes foram 40 crianças,

divididas em quatro grupos: Grupo 1 (crianças que demonstraram

hipossegmentação em suas produções); Grupo 2 (as que demonstraram

hipersegmentação); Grupo 3 (crianças que demonstraram hipo e

hipersegmentação); Grupo 4 (controle - crianças que não demonstraram incorreções em suas produções). Os resultados apontaram que a competência ortográfica dos alunos estava relacionada ao seu nível de consciência lexical. A sugestão é que a prática pedagógica da alfabetização contemple atividades que possibilitem o desenvolvimento dessa habilidade, com o objetivo de propiciar maior domínio da escrita pelas crianças. (BARBOSA; LIMA; GUIMARÃES, 2007).

Outro estudo avaliou a ocorrência de hipersegmentação na escrita e o desenvolvimento do conceito de palavra morfológica. Para examinar a influência exercida pela fala nas hipersegmentações realizadas por crianças em produções textuais, as autoras analisaram 72 narrativas escritas por crianças do 1.º ao 3.º ano de uma escola pública. Os textos apresentaram maior complexidade em termos semânticos e sintáticos de acordo com a escolaridade. Foram encontradas 42 ocorrências de hipersegmentação. A conclusão é a de que a conceitualização da palavra escrita se torna evidente ao longo da escolarização da criança, de acordo com o ensino sistemático da Língua Portuguesa e maior experiência com textos escritos. As marcas da oralidade se fazem presentes nos anos iniciais nas hipersegmentações e podem ser explicadas pelo uso que a criança faz das pistas baseadas na tonicidade e pelo fato de a criança substituir a noção intuitiva da palavra pelo conhecimento morfossintático que aprendeu. Como esse conhecimento ainda não está consolidado, os limites entre as palavras ainda são determinados pela noção intuitiva da criança dos elementos prosódicos. As segmentações não convencionais que as crianças fazem não devem ser consideradas como falta de

habilidade linguística, e sim como elementos-chave para o entendimento acerca dos conhecimentos iniciais da criança com relação às convenções da escrita, que são baseados nas representações fonológicas, morfossintáticas e léxico-semânticas. (CORREA; DOCKRELL; ZYNGIER, 2014, p. 53-54).

Com relação às pesquisas explicitadas, pode-se analisar que a consciência lexical e semântica também possui relevância para o desenvolvimento da leitura e da escrita, e programas de formação de alfabetizadores devem incluir em seus currículos conhecimentos acerca dessas habilidades metalinguísticas.