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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA COGNITIVA E DA

2.4.5 Consciência morfológica

A consciência morfológica refere-se à habilidade de refletir sobre os morfemas das palavras. O aprendiz, durante a escolaridade, vai se deparando com palavras mais complexas, do ponto de vista morfológico, nos textos que lê. São duas as formas nas quais a consciência morfológica poderá influenciar a leitura: a sensibilização à morfologia pode contribuir para a habilidade de decodificação e promover a compreensão leitora. A sensibilização envolve entender que as palavras

são formadas a partir da combinação de unidades mínimas de significação – os

morfemas. Essa sensibilização permitiria a expansão do vocabulário pela derivação de novas palavras a partir das já conhecidas, além da definição de novas palavras a partir do significado das partes constituintes. (CORREA, 2009, p. 57-58). Assim, o trabalho com a consciência morfológica pode contribuir para a alfabetização na medida em que um léxico mental vai se constituindo e é acessado posteriormente na tarefa de compreensão leitora.

A escrita combina dois tipos de princípio sem os quais ela não poderia existir, nem funcionar: o fonográfico e o semiográfico. O fonográfico envolve a correspondência entre os grafemas e os fonemas ou sílabas. O outro princípio, o semiográfico, envolve estabelecer como os grafemas representam significados. O sistema ortográfico representa simultaneamente os níveis fonológico e morfológico da língua oral. Dessa forma, ambos são suscetíveis de desempenhar algum papel na aprendizagem da leitura. (MAREC-BRETON; GOMBERT, 2004, p. 106).

As palavras podem ser morfologicamente simples, compostas de um morfema, como no caso da palavra “flor”. Outras podem ser morfologicamente complexas, como no caso da palavra “florzinha”, que possui dois morfemas: “flor” (raiz da palavra) e “zinha” (sufixo que significa “pequeno”). A ortografia de muitas palavras do português depende da morfologia. É o caso da palavra “laranjeira”, de

ortografia ambígua. Se sabemos a origem da palavra “laranja”, acessamos o significado e a ortografia. (MOTA, 2008, p. 190).

Existem duas classes dos morfemas: as raízes e os afixos. A raiz se refere ao núcleo mínimo de uma construção morfológica. Os afixos podem ser de dois tipos: prefixos (adicionados antes da raiz) ou sufixos (adicionados depois da raiz). Em relação à função na palavra, os afixos podem representar um papel derivacional ou um papel flexional. Os morfemas flexionais são sempre sufixos e determinam o gênero e o número dos substantivos e adjetivos. Nos verbos constituem os sufixos temáticos, modo-temporais e número-pessoais. Os morfemas derivacionais podem

ser prefixos (ex.: “re-” na palavra “refazer”) ou sufixos (ex.: “-eiro” na palavra

“leiteiro”). As flexões possuem caráter morfossintático e estabilidade semântica; já as derivações tratam da estrutura das palavras. (LAROCA, 2005).

Pesquisas têm demonstrado que crianças reagem de forma diferente com relação à morfologia derivacional e à flexional. Em uma dessas pesquisas, foi aplicado um teste de escrita em crianças de cinco a oito anos. As crianças deveriam escrever palavras com um e dois morfemas, e metade das palavras de dois morfemas eram palavras derivadas; a outra metade eram palavras flexionadas. As palavras tinham o mesmo som final. A hipótese era que, se as crianças processam a morfologia da língua, teriam mais facilidade em escrever o som final das palavras quando eram morfemas do que quando não eram. Os resultados demonstraram que as crianças escreviam mais corretamente o som final das palavras quando eram morfemas, mas somente no caso das flexões. Com isso, os pesquisadores concluíram que seria mais fácil entender as relações morfêmicas nas flexões do que nas derivações. (DEACON; BRYANT, 2005).

Nesse sentido, Mota (2008, p. 191) explica que, com relação à morfologia derivacional, não há regras claras que os aprendizes possam utilizar para formar as palavras. A autora coloca que conhecer a raiz da palavra derivada auxilia o aprendiz a compreendê-la, pronunciá-la e saber escrevê-la. Por exemplo, “laranjeira” é escrita com “j” e não com “g” porque sua origem é a palavra “laranja”. Os morfemas também podem ser analisados de acordo com a estrutura fonológica. Nesse caso, as raízes denominadas “presas”, não têm autonomia morfossintática (exemplo: na palavra “racional”, a raiz é “racion” – essas palavras são fonologicamente opacas). Já as raízes denominadas “livres” possuem autonomia morfossintática (exemplo: na palavra “felizmente”, a raiz é “feliz” – essas palavras são fonologicamente

transparentes). Dessa forma, o entendimento das raízes “livres” torna-se mais fácil para os aprendizes.

A mensuração da consciência morfológica em pesquisas empíricas tem

enfatizado a sensibilidade aos processos de derivação lexical – morfologia

derivacional –, observando-se a formação de palavras por meio do acréscimo de

prefixos e sufixos a um radical ou a decomposição de palavras derivadas nas primitivas – ou a sensibilidade às flexões de palavras variáveis – morfologia flexional – observando-se as flexões de gênero e de número dos nomes e adjetivos e flexões de modo-tempo e número-pessoa dos verbos. (CORREA, 2009, p. 59).

Estudos em português do Brasil têm analisado a relação entre a consciência morfológica e o desempenho em leitura e (ou) escrita. (MOTA; SILVA, 2007; MOTA, 2007; MOTA; ANNIBAL; LIMA; 2008; GUIMARÃES, 2003; GUIMARÃES, 2005a; GUIMARÃES, 2011, entre outros). No contexto brasileiro, somente o trabalho de intervenção de Barbosa (2013) investigou se o treinamento em morfologia pode influenciar o desempenho em ortografia e compreensão leitora.

Esse estudo foi realizado com o objetivo de buscar evidências empíricas que pudessem indicar o papel que as habilidades morfológicas desempenham no aperfeiçoamento da linguagem escrita. Para isso, foi implementado um programa de intervenção baseado no ensino explícito de regras morfológicas (“-esa”, “-eza” – morfologia derivacional; “-ão”, “-am” – morfologia flexional e “-iu”, “-il” – morfologia flexional e derivacional). A pesquisa foi realizada com 111 estudantes do 4.º ano (faixa etária de 9 a 10 anos) da rede pública do Município de Curitiba. Os participantes foram separados em grupos, sendo três experimentais e um de controle. Os alunos foram submetidos a um pré-teste antes da intervenção e a dois pós-testes (imediato e diferido). Os resultados mostraram que a intervenção teve um efeito específico, ou seja, cada grupo experimental apresentou um aumento de desempenho estatisticamente significativo no que se refere à escrita de palavras que apresentavam os mesmos morfemas sobre os quais receberam instruções explícitas na intervenção. A conclusão do estudo é que a intervenção realizada possibilitou a

aprendizagem dos elementos mórficos trabalhados de forma duradoura, e o ensino

explícito de regras morfológicas que favorecem a reflexão acerca desses elementos linguísticos é imprescindível para o desenvolvimento das aprendizagens e o domínio pleno da escrita no que se refere à ortografia. (BARBOSA, 2013, p. 180).

Enfim, apesar de as pesquisas relacionadas à consciência morfológica não serem tão frequentes como as relacionadas à consciência fonológica, podemos acessar dados empíricos que comprovam que o desenvolvimento da consciência morfológica contribui efetivamente para o desenvolvimento da escrita.