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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA COGNITIVA E DA

2.4.1 Conhecimentos implícitos e explícitos envolvidos na aprendizagem da

Uma questão importante com relação à aprendizagem da língua refere-se à diferença entre a aprendizagem da linguagem oral e a da linguagem escrita. Enquanto a linguagem oral é biologicamente determinada e desenvolve-se no contato da criança com os falantes de sua língua, a linguagem escrita necessita de aprendizagem intencional e controlada.

A aprendizagem da linguagem escrita requer alto nível de abstração, elaboração e controle. O mesmo não acontece com a aprendizagem da linguagem oral, que pode acontecer por meio de contato frequente e intenso com a oralidade. A linguagem escrita possui caráter arbitrário de representação dos sons em sinais, exigindo do aprendiz um considerável esforço cognitivo e exercitação de capacidades de autocontrole e atenção. (MALUF; GOMBERT, 2008, p. 127).

Nesse sentido, seria ótimo se a aprendizagem da leitura acontecesse de forma tão suave como a da linguagem oral, porém a quantidade de crianças que aprendem a falar perfeitamente, mas têm dificuldades com a leitura, mostra que a realidade é outra. As dificuldades se dão pelo fato de que a fala é contínua e, para aprender a linguagem escrita, a criança precisa segmentá-la, descobrindo os elementos da fala contínua correspondentes aos elementos discretos da escrita alfabética. (BYRNE, 1995, p. 40-41).

A criança não aprende sozinha esses elementos discretos. Ela precisa de outra pessoa que ensine a ela que os sons de nossa fala são representados pelas letras do alfabeto, incluindo combinações de letras que produzem sons. O princípio alfabético é complexo e exige que o aprendiz saiba que as palavras são

representadas por um número limitado de símbolos – as letras – que codificam os

fonemas. Compreender o princípio alfabético é uma das tarefas mais difíceis e complicadas que as crianças enfrentam no início da aprendizagem da leitura e da escrita. (SICCHERINO, 2013, p. 47).

Procurando a compreensão da origem dos automatismos, que garante a leitura fluente desde o início da aprendizagem, Gombert (1992) criou um modelo de desenvolvimento metalinguístico. Primeiramente, considerou que as habilidades linguísticas iniciais manifestadas pelas crianças eram de caráter epilinguístico (envolvem comportamentos linguísticos espontâneos) e que desapareceriam com o desenvolvimento de capacidades metalinguísticas (envolvem reflexão e autocontrole intencional dos tratamentos linguísticos). Revisitando seu modelo, Gombert (2006) considerou as habilidades epilinguísticas como conhecimentos implícitos que não desaparecem com o desenvolvimento das capacidades metalinguísticas, mas continuam a evoluir, sob a influência de um contexto de escrita. O autor observa que é a evolução dos conhecimentos implícitos que dá origem aos automatismos do leitor hábil. (MALUF; GOMBERT, 2008, p. 125).

No modelo de Gombert (1992), as capacidades epilinguísticas correspondem aos primeiros comportamentos linguísticos da criança, que possuem caráter espontâneo (conhecimentos implícitos). Iniciam aproximadamente na idade de dois anos e não têm caráter intencional, isto é, a criança é capaz de perceber uma frase mal construída, por exemplo, mas não possui elementos para refletir sobre ela e corrigi-la. Já as capacidades metalinguísticas surgem na idade escolar, sob a influência de incitações externas e demonstram um nível de reflexão sobre as estruturas linguísticas. As capacidades metalinguísticas pedem um tratamento atencional acerca da linguagem, diferindo de comportamentos espontâneos para comportamentos autocontrolados. “Trata-se aqui de uma tarefa linguística formal, que exige, por parte do aprendiz, o desenvolvimento de uma consciência explícita das estruturas linguísticas a serem intencionalmente manipuladas”. (MALUF;

GOMBERT, 2008, p. 126). Dessa forma, “a aprendizagem implícita é um processo

pelo qual os comportamentos se adaptam progressivamente às características do meio com o qual o indivíduo interage, sem que exista um conhecimento explícito dessas características” (p. 128). A criança vai progressivamente desenvolvendo conhecimentos possibilitados pelo convívio com o meio em que vive. Esses conhecimentos implícitos podem ser favorecidos pelo meio, envolvendo características estruturais da escrita – quando a criança começa a prestar atenção repetidamente às formas escritas.

As capacidades implícitas se apoiam em capacidades funcionais, como as relacionadas à oralidade e à categorização visual. Esse equipamento funcional pode ser mobilizado para analisar o material linguístico percebido visualmente. As capacidades iniciais vão possibilitar a captação de regularidades essenciais:

configurações visuais – regularidades da ortografia de palavras escritas; palavras

orais associadas a essas configurações – dimensões fonológica e semântico-lexical

da escrita; significações associadas a essa configuração - dimensões morfológica e semântico-lexical da escrita. Quando a criança começa a manipular o material escrito, no início do ensino fundamental, ocorre o ensino formal da linguagem escrita. “Esse ensino não substitui as aprendizagens implícitas. Muito ao contrário, ele multiplicará os efeitos já presentes das aprendizagens implícitas, potencializando-os”. (MALUF; GOMBERT, 2008, p. 129-130).

Paula e Leme (2010, p. 20) concordam com Gombert (2003) quando ele diz que a aquisição da língua escrita envolve mecanismos de aprendizagem implícita e

explícita, que contribuem de diferentes maneiras. As aprendizagens se iniciam pela via implícita, de acordo com conhecimentos elaborados no plano da linguagem oral, que são transferidos posteriormente para o plano da linguagem escrita. As autoras

citam Soares (1998) para lembrar que as práticas de letramento envolvendo o

contato informal do aprendiz com a escrita no seu contexto de vida oportunizam aprendizagens implícitas e favorecem a familiaridade, expansão e diversificação do conhecimento linguístico. Para Paula e Leme (2010), quando a criança está inserida em um mundo permeado pela escrita, ao encontrar a mesma palavra repetidas vezes, extrai intuitivamente regularidades em termos de padrões sonoros, ortográficos, semânticos e pragmáticos, mobilizando seu potencial para a aprendizagem da linguagem.

Desse modo, tanto a grafia como a pronúncia de palavras inteiras, relacionadas a seu valor semântico, bem como a elementos sublexicais, como os morfemas, sílabas, sequências de letras/sons com os quais se depara frequentemente podem ser aprendidos dessa maneira. O mesmo pode-se dizer para os elementos supralexicais, como a capacidade de distinguir padrões de organização do discurso típicos da fala e típicos da escrita. (PAULA; LEME, 2010, p. 20).

Paula (2007), no estudo intitulado “Conhecimento morfológico implícito e explícito na linguagem escrita”, verificou, entre outras questões, que crianças de 1.ª

série – que ainda não haviam recebido instrução explícita – apresentaram

conhecimento implícito acerca de morfologia derivacional. A pesquisadora utilizou tarefas específicas para a recuperação de conhecimentos implícitos em turmas de 1.ª, 3.ª, 5.ª e 7.ª séries (ex.: paradigma do intruso: Qual a palavra que combina

menos com casal – metal ou tambor?) e outras que envolviam a necessidade de

conhecimentos explícitos (ex.: paradigma do intruso com necessidade de utilização de regra: Qual a palavra que não vem de outra palavra, como “reconstruir”, “rever” ou “remar”?). A autora verificou que o conhecimento morfológico já estava presente desde a primeira série, de modo implícito, principalmente com relação a palavras derivadas por sufixação, havendo média de acerto na tarefa acima do nível de acaso na versão implícita da tarefa, mas não na versão explícita.

Para o ensino formal da linguagem escrita, há que considerar o conhecimento implícito que o aprendiz possui, entendendo que ele não é suficiente para que a aprendizagem se efetive. O conhecimento implícito acerca da linguagem escrita é facilitador para a compreensão, por exemplo, das relações entre grafemas

e fonemas, que exigem conhecimento explícito, oportunizado por meio de ensino sistemático. As aprendizagens implícitas precisam do complemento, substituição e atualização de aprendizagens explícitas para a aquisição de uma língua escrita. Com relação à língua portuguesa, na qual a ortografia não é totalmente transparente, regras e irregularidades da língua necessitam ser ensinadas e aprendidas conscientemente pelo aprendiz para que ele as utilize na escrita de maneira adequada. Por isso, nenhum dos dois tipos de aprendizagem deve ser

privilegiado, merecendo ser tomados em conta de modo situado, em relação aos

objetivos e condições que a cultura cria e sustenta para tornar a educação efetiva. (PAULA; LEME, 2010, p. 20). O posicionamento das autoras está de acordo com Maluf e Gombert (2008, p. 133) quando afirmam que os conhecimentos implícitos e explícitos são complementares e auxiliam no enfrentamento da problemática relacionada à aprendizagem da linguagem escrita.

Os trabalhos aqui apresentados podem contribuir para a formação dos professores, ampliando a visão acerca dos conhecimentos que os estudantes adquirem na convivência com seu meio. Acredita-se que esses conhecimentos podem ser analisados em termos de conhecimentos implícitos e explícitos e que, ao entender as especificidades de cada um deles, os professores podem atuar visando ao avanço da aprendizagem – no caso específico deste trabalho, a aprendizagem da leitura e da escrita.

2.4.2 Desenvolvimento da linguagem: vocabulário receptivo, vocabulário expressivo