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Algumas colocações de fechamento e modelo teórico proposto para o

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual

1.6 Algumas colocações de fechamento e modelo teórico proposto para o

cidades com museus

Em minha recente dissertação, procurei desenvolver uma teoria que explicasse como a emancipação humana, ou o processo de desenvolvimento humano poderia se dar dentro dos museus. Revisitando o campo, ouvindo museólogos e pessoas mais ligadas aos museus provenientes de diferentes países, fui impelida a refazer minhas análises. Nessa primeira etapa do trabalho, construí uma linha argumentativa com base na teoria e nessas observações, pretendendo, no entanto, expandir essa pesquisa coletando mais dados primários.

Orientação econômica

Orientação política

Orientação sociológica

Perspectiva dos curadores e gestores de museus • Racionalidade Instrumental • Racionalidade Instrumental • Racionalidade Substantiva • Racionalidade Substantiva • Racionalidade Instrumental • Racionalidade Substantiva

A partir dessas primeiras observações, acrescidas de visitas ao recém-inaugurado MAR, pude perceber, ao confrontar minha visão de estudante organizacional com a dos museólogos (ambos apaixonados pelos seus temas e talvez por isso “dentro de suas caixas”) que talvez o caminho para a emancipação não esteja propriamente dentro dessas organizações, mas que o lugar pode estar momentaneamente deslocado para o seu entorno. Ou seja, que o lócus onde esse desenvolvimento ocorre esteja no pátio, no fora (entorno, no muro e contorno) e não no conteúdo. Traduzindo para os Estudos Organizacionais, o potencial de desenvolvimento humano que os museus podem desenvolver estaria na relação dessa organização com seu público, e o lugar de encontro desses “dois mundos” está se evidenciando em um espaço híbrido que não é nem fora nem dentro. Eu chamaria isso de uma zona de contorno, que se, por um lado separa o “resto” da cidade, por outro, não é o conteúdo principal dessas organizações.

Mas a “razão de ser” dos museus, apesar de ter mudado, ainda não despreza o seu conteúdo, seja ele um patrimônio material ou imaterial. Por mais efêmero que seja, os organizadores e administradores dos museus parecem se incomodar com usos que não envolvam esse patrimônio a tal ponto que eles chegam a ignorar ou considerar alienado outros usos (por exemplo, namorar ou descansar à sombra de um museu). Eles acham que as “pessoas” são alienadas porque não “olham” para os “seus” objetos. Os visitantes, por sua vez, provavelmente achem que gestores e artistas não sabem o que é bom e são arrogantes. Mas fato é que gestores e visitantes em algum momento se encontram nessa “zona de contorno”. Assim, resumi um modelo teórico proposto para o desenvolvimento humano a partir dos projetos de desenvolvimento de partes das cidades com museus, conforme desenho a seguir:

Figura 6: Zona de Contorno - Modelo Teórico Proposto para o Desenvolvimento Humano a partir dos Projetos de Desenvolvimento com Museus

Fonte: elaboração própria.

O termo Zona de Contorno se refere a ser um contorno para o conteúdo (patrimônio) do museu (ou exposto temporariamente no museu). Não quer dizer uma membrana rígida, mas ela é delineada, representada simbolicamente. O museu tem seu espaço, assim como a organização formal tem delimitado seu terreno. É nele que se constroem os muros, as grades, os portões, os jardins e as praças. É dentro dele que deve ficar o que é exposto, ou o conteúdo disponível para a visitação do público. A organização formal do museu dificilmente se realiza estrategicamente apenas dentro desses muros. Por exemplo, a criação do MAC e do MAR foram fruto de vontades políticas e também de situações postas.

No caso do MAC houve a doação em comodato de um acervo pré-existente, aliado a um desejo estratégico e político de revitalização de uma área de Niterói e também de um desejo igualmente estratégico e político de mudança de imagem da cidade de uma significação de dependência com o Rio de Janeiro para uma relação de independência, ou “desprovincialização”, ou “negação do sentimento de subúrbio” ou de “cidade-

dormitório”. Depois da criação, o MAC continua a influenciar a cidade, quer na criação de uma imagem, quer na valorização imobiliária da área. Sua direção continua obedecendo uma vontade política e seu financiamento também é subordinado à prefeitura de Niterói. O que interessa mostrar ou não, quais serão os novos acervos ou exposições, e como mostrar continua sendo uma questão de influências externas.

O Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro também foi um prédio erguido em prol da cultura, e do desenvolvimento da cultura. Tem dentro dele um patrimônio enorme e representativo da arte brasileira. Tem fora dele murais igualmente importantes. Mas é justamente o desenho de seu jardim (terraço-jardin de Roberto Burle Marx, suspenso e restrito a um pequeno público) o eleito para inspirar a marca Brasil, ou seja, o maior símbolo iconográfico da cultura brasileira, e também o símbolo de “venda” ou marketing do que seja brasilidade. Aqui percebo novamente o uso de “espaços híbridos”20, nem dentro, nem fora, nem contexto pura e simples, nem conteúdo protocolar.

Esses “espaços híbridos” ou “lugares de contorno” podem ser lugares de encontro. O encontro que me interessa é o da organização com seu público, e buscar aí potencialidade ou não para um desenvolvimento humano. Existe uma relação de dentro-

fora que não é necessariamente uma relação de pátio ou jardim do prédio e prédio. Apesar de jardins, terraços e praças serem ícones de museus e casas de cultura, alguns museus não tem espaços não construídos, mas todos podem ter (ou os visitantes podem criar) espaços dedicados a outras atividades que não a fruição, observação ou admiração do acervo. São lojas de conveniências, bares, corredores, estacionamentos, e até banheiros que subvertem o uso “sacralizado” às obras, objetos e memórias. São espaços híbridos também entre o “eu” e o “outro”, o “público” e a “organização”, o explícito e o implícito, o oficial e o oficioso. É um espaço de produção de sentido e ao mesmo tempo um espaço sem sentido (pré- determinado, ou pré-definido). É um espaço que se institucionaliza (ou não) por burlar a suposta instituição. É um espaço de encontro e de conflito.

20 O termo “espaços híbridos” têm sido usado ultimamente para designar uma espécie de ciberespaço, ou

uma junção entre o espaço “real” e “virtual” mediado por novas tecnologias de comunicação. Esse não é, obviamente, o meu interesse no presente trabalho.

A zona de contorno é o espaço onde a organização encontra o público leigo e é onde a organização conflita ele, impondo limites, modos de caminhar, circuitos, modos de olhar, se comportar (manter silêncio/falar; não tirar fotos/tirar fotos; não comer/comer...). É na zona de contorno que a organização pode perceber a incongruência entre sua suposta razão de ser e a razão de ser que está sendo realizada e percebida pelo “resto” das pessoas. É para onde creio que a organização deveria olhar se quiser descobrir qual realmente é sua razão de ser e seu papel para o desenvolvimento.

Então, a partir dos arranjos argumentativos dessa fase ensaística posso organizar a percepção (parcial) do museu de dentro para fora ou de fora para dentro. De dentro para fora, como sendo a visão a partir de seu conteúdo, ou do patrimônio, ou de parte da memória conservada ou da própria estrutura da organização. De fora para dentro como sendo a percepção do museu a partir de teorias museais ou organizacionais e das circunstâncias e interesses sociais, políticos e econômicos.

Parece-me, no entanto, que não é nem de dentro para fora, nem de fora para dentro que os museus devem se rever e reavaliar, mas sim a partir do que estou chamando de “zona de contorno”. Acredito ser importante olhar para essa zona desvelando os conflitos subjacentes aí, entendendo o que já não é mais conflito, mas é uso real e aprendizado tácito. A seguir, compreendendo o que está implícito nessa realidade e o que está sendo transformado e recriado nela para que o museu enquanto organização pode se reconceituar e reformular.

Portanto, a zona de contorno parece, de acordo com essa primeira análise argumentativa e conceitual, um local onde o planejamento e a gestão de forma mais ampla (de todos os interessados) deva focar como lócus possível onde o processo emancipatório pode acontecer, já que, ao menos nessa primeira análise, o foco no conteúdo do museu não parece oferecer possibilidade de desenvolvimento humano por não promover inclusão social necessariamente, tampouco o foco no entorno pode promovê-lo porque é pautado por uma lógica comercial e de crescimento econômico apenas.