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Qual racionalidade deve embasar as ações administrativas dos museus para que

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual

1.4. Arranjo Argumentativo 1 (A.A.1)

1.4.3. Qual racionalidade deve embasar as ações administrativas dos museus para que

Quando se fala em interesses sociais, ou interesses da sociedade, defendo a utilidade de, nesse momento, substituir o termo sociedade por coletivo. Dessa forma posso explicar e argumentar mais facilmente o quanto os interesses sociais, ou coletivos se opõem ao interesse individual ou privado, posto que os significados do que entendemos por coletivo são opostos aos significados do que entendemos por indivíduo. Assim, quando se fala, por exemplo, em revitalização das cidades (dos centros, portos ou outra parte) é preciso que esteja claro para quem esse processo será feito, já que os interesses privados não podem ser, por definição, os mesmos interesses coletivos.

Compartilho da crença de que seria importante para a gestão da cultura uma base teórica que privilegie uma racionalidade substantiva (RAMOS, 1983), compreendendo assim, maior possibilidade de desenvolvimento, entendido em seu sentido mais amplo. Também para Celso Furtado (1984) a cultura é caminho importante para o desenvolvimento do Brasil, mas de um desenvolvimento amplo, humano, pautado em uma racionalidade afastada das ideias do mercado. Furtado foi economista, teórico e atuante na gestão pública, sendo que na área da cultura, especificamente, foi Ministro da pasta do governo José Sarney, de 1986 a 1988, além de ter sido um dos 12 membros da Comissão Mundial para a Cultura e o Desenvolvimento da ONU/Unesco, de 1993 a 1995. Acredito que essa biografia, junto com a de Guerreiro Ramos ofereça mais peso a perspectiva que eu esposo de que a racionalidade que deve embasar o desenvolvimento humano é a substantiva.

Depreende-se daí também o motivo pelo qual não optei por outras linhas teóricas. Existe uma crítica crescente no meio acadêmico ao entendimento de cultura e desenvolvimento com o fim econômico e essas linhas de estudos representam melhor o pensamento hegemônico, que compreende a cultura a partir de uma racionalidade instrumental. Logo, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento que pode ser entendida em uma concepção neoliberal, percebe-se que a cultura torna-se mecanismo e instrumento de progresso dentro desse contexto, além de bem com valor de troca, como é o caso de exploração econômica da cultura como atrativo turístico ou na simples venda de um quadro.

Então, o desafio enfrentado por mim é analisar o processo de desenvolvimento de parte das cidades a partir da perspectiva do museu como âncora desse processo visando um modelo de desenvolvimento capaz de impulsionar uma transformação necessária a favor do ser humano e da sociedade, que seja centrado no ser humano, embasado na cultura, e adaptado à realidade brasileira.

Acredito que toda relação entre desenvolvimento e cultura deva privilegiar o caráter substantivo que está, para a linha adotada, implícito na leitura mais ampla dos dois conceitos. Sendo assim, a cultura não deveria ser utilizada como meio para fins majoritariamente econômicos. Por isso acredito que a ação do Estado torna-se primordial para que ocorra essa transformação. O que não se opõe ao que Porter (1999) escreveu, por exemplo, já que ele está focado no “desenvolvimento econômico” e então diz que o papel central deve ser da iniciativa privada. Nada mais lógico do que pensar que outro tipo de desenvolvimento, não econômico, seja liderado por outra instituição que deva pelo menos em tese priorizar outra racionalidade nas suas decisões.

Nas sociedades atuais enxergo no Estado e em suas instituições os principais agentes potencialmente capazes de motivar seus trabalhos em favor de um bem comum, mesmo que isso possa implicar em gastos que não trarão retornos econômicos, mas que são relevantes para o desenvolvimento da coletividade ou dos indivíduos que este Estado representa. Sobretudo no Brasil, acredito que o Estado deva tomar para si esse importante papel na coordenação e fomento de políticas de desenvolvimento cultural. Isso pode ser melhor justificado ao perceber-se as muitas disparidades e segmentações entre as classes sociais, e abismos que parecem tão difíceis de serem transpostos naturalmente, que não parece confortável pensar que a mão invisível do mercado, poderá liderar políticas de cultura e desenvolvimento. Ainda porque iremos cair em um impasse, onde, se não existirem mecanismos para tentar minimizar essas diferenças históricas, muitas manifestações culturais, que podem servir ao desenvolvimento entendido de forma mais ampla, podem não ter absolutamente nenhum interesse ou retorno financeiro, e, portanto, representar ao mercado e à lógica hegemônica um gasto desnecessário.

Ao passo que acredito, então, em desenvolvimento para além de crescimento econômico, desenha-se um panorama onde o cálculo utilitário das consequências apresenta-se como ferramenta insuficiente para balizar decisões importantes no campo da cultura brasileira. Da mesma forma, vejo no poder público um dos principais agentes e

interessados no fomento do desenvolvimento e da cultura de forma mais ampla. Além disso, suas instituições federadas parecem importantes para perceber e entender as desigualdades mais de perto, indicar caminhos e iniciar ações que possam minimizá-las.

Então, nessa primeira análise, a partir da etapa anterior, pude resumir as famílias de categorias entre as racionalidades instrumental e substantiva. A orientação econômica tem explicitamente uma racionalidade instrumental, considerando o cálculo utilitário das consequências. De acordo com a orientação política, ainda não acredito ser possível aventar, nem que parcialmente como estou fazendo até aqui, o tipo de racionalidade predominante, posto que as políticas públicas para o desenvolvimento falam simultaneamente de fomentar a economia e de aumentar a cidadania. A orientação sociológica também comporta por enquanto as duas racionalidades, já que dominar e libertar são categorias que aparecem. Na perspectiva dos gestores e museólogos as categorias não dizem nada que se possa deduzir uma das duas racionalidades, já que a gestão com foco no conteúdo nem faz o cálculo utilitário das consequências, nem prioriza ética ou relevância das ações.

Figura 3: resumo da análise do Arranjo Argumentativo 1, etapa 3 - Qual racionalidade deve embasar as ações administrativas dos museus para que sejam coerentes com sua razão de ser?

Fonte: elaboração própria.

Orientação econômica

Orientação política

Orientação sociológica

Perspectiva dos curadores

e gestores de museus

•Foco nas possibilidades de valorização econômica da região

• Racionalidade instrumental

•Foco nas possibilidades políticas do resultado do uso do conteúdo

• Racionalidade instrumental • Racionalidade substantiva

•Foco nas possibilidades sociais do resultado do uso do conteúdo

• Racionalidade instrumental • Racionalidade substantiva

• Foco no conteúdo

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