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2. Os museus do Porto Maravilha como objeto de estudo

2.2. Os museus do estudo

2.2.1. O MAR

O Museu de Arte do Rio (MAR) foi inaugurado em 2013 e é considerado “uma das âncoras culturais do Porto Maravilha, é um espaço dedicado à arte e à cultura visual” (PORTO Maravilha, 2014, s/p.). Já no sítio oficial do museu, ele é apresentado como “um dos marcos do Porto Maravilha”, destacando que é um projeto da prefeitura “de revitalização da zona portuária do Rio” e que conta com investimentos também da iniciativa privada (Museu MAR, 2014, s/p.). A construção engloba dois prédios, em um está sediado o museu e no outro, a Escola do Olhar.

“O Museu de Arte do Rio promove uma leitura transversal da história da cidade, seu tecido social, sua vida simbólica, conflitos,

contradições, desafios e expectativas sociais. Suas exposições unem

dimensões históricas e contemporâneas da arte por meio de mostras de longa e curta duração, de âmbito nacional e internacional. O museu surge também com a missão de inscrever a arte no ensino público, por meio da Escola do Olhar” (MUSEU MAR, 2014, s/p. grifo meu).

As contradições e conflitos aparecem já na apresentação do Museu, bem como a missão ligando a arte ao ensino público. Um dos focos da Escola do Olhar é a formação de educadores da rede pública de ensino, e isso é feito com parcerias com outras organizações, incluindo universidades (MUSEU MAR, 2014). Seguindo a lógica de parceria público-privada que norteia todo o projeto do porto, o projeto desse museu é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Fundação Roberto Marinho (tal como o Museu do Amanhã), e tem como patrocinadores máster a Vale, o Grupo Globo e o banco Itaú. Conta com o apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e do Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (MUSEU MAR, 2014).

A gestão do Museu de Arte do Rio (MAR) é realizada hoje pela organização social (OS) Instituto Odeon em parceria com a prefeitura municipal, desde 2012 (MAR, 2014). O Instituto Odeon “é uma associação privada de caráter cultural, sem fins lucrativos, que tem a missão de promover a cidadania e o desenvolvimento socioeducacional por meio da realização de projetos culturais” (MAR, 2014, s/p.) De acordo com o texto divulgado

no seu sítio eletrônico oficial (MAR, 2014), o MAR trouxe à cidade transformações culturais e a gestão prima por assegurar essas transformações.

O modelo de gestão dito que foi escolhido por eles para tal prima pela “agilidade nos processos, transparência e eficiência” (MAR, 2014, s/p.). Nada fala de transformações contínuas, pelo contrário, fala em assegurar a transformação que já foi feita, ou seja, em manter o status quo. Também não é, segundo esse pequeno texto, objetivo da gestão desempenho no tocante à relevância social da organização.

O MAR é considerado “um dos equipamentos mais importantes na revitalização da área portuária da cidade” (MAR, 2014, s/p.), de acordo com o sítio oficial e também conforme entrevistas já feitas. Essa fonte oficial igualmente ressaltado o papel cultural e de promoção do desenvolvimento social e econômico da região que o MAR tem, juntamente com o Museu do Amanhã:

O Porto Maravilha também realizará ações para a valorização do patrimônio histórico da região, bem como a promoção do

desenvolvimento social e econômico para a população. Além do

MAR, a região irá ganhar outro projeto de grande impacto cultural: o Museu do Amanhã, no Píer Mauá, com previsão de inauguração para 2014. (MUSEU MAR, 2014, s/p.).

O papel cultural e educacional do MAR, no entanto, é relatado nesses pequenos discursos como unilateral, onde cabe à organização a “proatividade” de desenvolver trabalhos “acadêmicos” (salientando uma visão de “alta” cultura) para discutir a cultura (de forma acadêmica, aparentemente, excluindo o restante da população):

(...) funciona como um espaço proativo de apoio à educação e trabalha em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e outras secretarias de Educação. A Escola do Olhar desenvolve um programa acadêmico, construído em colaboração com universidades, para discutir arte, cultura da imagem, educação e práticas curatoriais. (MUSEU MAR, 2014, s/p.).

O desenvolvimento humano, a cidadania e a emancipação estão presentes como missão dessa organização. Além disso, as entrevistas mostraram que o fato de o museu incluir a Escola do Olhar em seu projeto faz com que as ações de educação tenham maior relevância e peso decisório dentro da organização.

2.2.2. O Museu do Amanhã

O Museu do Amanhã é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro (e Cdurp) junto à Fundação Roberto Marinho e o patrocinador máster é o Banco Santander (MUSEU do Amanhã, 2014, s/p.). A “Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), instituída pela Lei complementar nº 102 , é a gestora da prefeitura na Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha” (PORTO Maravilha, 2014, s/p.) e é o órgão que repassa o financiamento para o funcionamento do Museu do Amanhã e também do Museu de Arte do Rio. Percebo no sítio oficial do Museu do Amanhã (2014) o discurso alinhado das três organizações, justificando sua participação na criação e gestão do museu com um discurso uníssono englobando educação, cultura e sustentabilidade. Dos três discursos também destaco a visão de utopia (freireana) de projetar e construir o futuro de modo transformador. A seguir, os trechos retirados do sítio eletrônico com grifos meus:

“A Prefeitura do Rio de Janeiro tem orgulho de estar à frente deste novo

ícone de arquitetura, lazer e educação na Zona Portuária que reforça

a vocação de criatividade e inovação da nossa cidade. Com a sua proposta única de conteúdo, o Museu do Amanhã nos convida a pensar nas questões de sustentabilidade, convivência e em como as nossas

escolhas podem influenciar o futuro do Rio e do mundo” (MUSEU do Amanhã, 2014, s/p.).

“Há mais de 35 anos, a Fundação Roberto Marinho trabalha na criação e implementação de projetos nas áreas ambiental, educacional e

cultural, por meio de parcerias com agentes públicos e privados.

Acreditamos que preservar a memória e o patrimônio é uma forma de educação, e que cada descoberta científica pode mudar a nossa forma

de viver no planeta. Para nós, estimular projetos como o do Museu do

Amanhã é fundamental” (MUSEU do Amanhã, 2014, s/p.).

“Em atividade desde 1982, o Santander Brasil é o terceiro maior banco do País e a maior unidade do Grupo Santander no mundo. O Banco acredita que a educação e a cultura são premissas do desenvolvimento

sustentável, e por isso investe forte em iniciativas que gerem

conhecimento e ajudem a impulsionar a sociedade. É nesse contexto que apoiamos o Museu do Amanhã, iniciativa que une passado e presente para construir um futuro melhor para todos” (MUSEU do Amanhã, 2014, s/p.).

Especificamente do trecho da prefeitura do Rio de Janeiro, destaco que a cultura não está explicitada. Além disso, fica destacado da única organização (das três) que é pública, um discurso mais voltado ao mercado, como ícone e arquitetura. Também depreendo dessa pequena assertiva que o caráter transformador está mais eufemizado ou

atenuado, no sentido de que “nossas escolhas podem influenciar o futuro”, enquanto a Fundação Roberto Marinho (privada sem fins lucrativos) se mostra comprometida com colaborar com a ação do museu (preservar a memória e educar) para “mudar a nossa forma de viver”, e o banco Santander (privado) finalmente mostra que apoia a iniciativa para “construir um futuro melhor”. Nesse sentido, organizei esses pequenos discursos em escala de gradação da menor para a maior entre uma postura mais “conservadora” (da prefeitura) até uma postura mais “revolucionária” ou transformadora (do banco).

Esse outro fragmento retirado do sítio oficial do MAR reforça essa visão mais “conservadora” e unilateral do papel e do poder do museu: “Como recomenda a UNESCO, o MAR tem atividades que envolvem coleta, registro, pesquisa, preservação e devolução à comunidade de bens culturais – sob a forma de exposições, catálogos, programas em multimeios e educacionais” (MUSEU MAR, 2014, s/p.).

Com abertura prevista para 2015 (a previsão antiga era 2014), o museu já busca estabelecer parcerias com diversas instituições de ciência, cultura e humanidades (os três grandes temas do museu) em relação ao seu conteúdo, incluindo a UNESCO. A curadoria foi entregue ao físico Luiz Alberto Oliveira, e tem apoio de “personalidades como o climatologista Carlos Nobre; o físico Jorge Wagensberg; o arquiteto Paulo Mendes da Rocha e o economista Sergio Besserman, além do físico e escritor americano Michio Kaku” (MUSEU do Amanhã, 2014, s/p.).

O projeto do Museu do Amanhã ainda conta com o apoio da Secretaria do Ambiente do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Finep (Inovação e Pesquisa) e da Secretaria Especial de Portos do governo federal (MUSEU do Amanhã, 2014).

Destaco ainda a importância política que a inauguração dos museus teve para a cidade. No sítio do Porto Maravilha (2014, s/p.) lê-se que o “Museu de Arte do Rio, uma das âncoras culturais do Porto Maravilha” foi inaugurado “na comemoração dos 448 anos do Rio de Janeiro, dia 1º de março de 2013”, e em entrevista à jornalista Selma Schmidt o então prefeito Eduardo Paes declara que quer oferecer o Museu do Amanhã entre os presentes de aniversário de 450 anos de fundação da cidade: “O meu desejo é entregar o museu no dia 1º de março. Pedi que persigam essa meta. Queria cantar o parabéns para você para o Rio ali” (O GLOBO, 2014, s/p.). O título e lead do artigo também ressaltam essa significação: “Com 70% das obras prontas, Museu do Amanhã deve ser entregue a

tempo do aniversário do Rio” e “Futuro espaço dedicado às ciências com 15 mil metros quadrados de área construída é símbolo da revitalização do Porto”. Portanto, o ato simbólico de oferecer à cidade os museus de presente de aniversário parece ter sentido de enaltecer não a “aniversariante”, mas o “convidado” (na qualidade de anfitrião da festa) que oferece o presente de acordo com esse pequeno trecho de discurso. Noto que nessas palavras, os presentes são ofertados à cidade, e não propriamente aos seus cidadãos.

A inauguração do Museu do Amanhã estava prevista para 2014, e, conforme notícias dessa matéria jornalística, as obras foram aceleradas, funcionando 24 horas por dia para que a nova meta seja cumprida (O GLOBO, 2014, s/p.). No entanto, a inauguração foi realizada dia 17 de dezembro de 2015, após o término da pesquisa de campo. Por esse motivo o museu foi incluído como objeto apenas a partir da percepção dos vizinhos, dos gestores da organização social que o gere (IDG) e dos trabalhadores do MAR.

2.2.3. O Centro Cultural Municipal José Bonifácio

O Centro Cultural Municipal José Bonifácio é um dos 11 centros culturais da prefeitura do Rio. Define-se por ser um “centro de estudos da cultura afrobrasileira, questões ligadas à negritude como a inclusão, desigualdade racial e econômica. Destaque para a contribuição negra para a cultura brasileira” (PREFEITURA do Rio de Janeiro, 2014, s/p.). Já de acordo com o sítio do Porto Maravilha (2014, s/p.) a coordenação do CCJB (incluindo a mesma prefeitura) “mantém o compromisso de preservar e valorizar a cultura Afro-Brasileira e da Região Portuária”.

Tal como aconteceu com o MAR, a abertura do Centro Cultural José Bonifácio foi marcada pelo prefeito Eduardo Paes em data comemorativa: “O prefeito Eduardo Paes reinaugurou nesta quarta-feira (20), dia da Consciência Negra, o Centro Cultural José Bonifácio (CCJB). Fundado em 1877 por Dom Pedro II, o palacete faz parte do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana e foi restaurado pelo programa Porto Maravilha Cultural” (G1, 2014, s/p.).

Diferente do MAR e do Museu do Amanhã, o CCJB não tem patrocínio nem gestão declaradamente privada. Está “sob a coordenação da Companhia de Desenvolvimento Urbano

da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade” (PORTO Maravilha, 2014,s/p.).

Durante a pesquisa de campo, o Centro Cultural Municipal José Bonifácio esteve praticamente fechado, o que inviabilizou a pesquisa planejada nesse local. Os relatos dos vizinhos revelam por um lado o orgulho de ter uma instituição tão importante historicamente no local, e, por outro, o desapontamento com o seu parco funcionamento. Existem diversos grupos que já trabalhavam com manifestações culturais na região, e que ocupavam locais em litígio como o prédio da antiga fábrica Bhering e que ficaram desalojados, com tantos prédios públicos vazios na região, inclusive com esse recentemente reformado.

O Instituto Pretos Novos (IPN) costumava usar bastante uma sala do Centro Cultural Municipal José Bonifácio (prédios aliás, bem próximos) para a realização de uma agenda de palestras e minicursos ligados sobretudo a questões da região e da história de origem afrodescendente. Eu inclusive participei de uma dessas palestras e conheci o prédio depois da reforma.