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Marketing de cidades e cidadãos Etapa 2 (A.A.2)

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual

1.5 Arranjo Argumentativo 2 (A.A.2)

1.5.2. Marketing de cidades e cidadãos Etapa 2 (A.A.2)

Com base nas contradições encontradas na análise imediatamente anterior, qual

seria então a razão de ser do museu hoje? A primeira razão que parece sobressair é a

de promover o marketing das cidades, ou de promover o crescimento econômico de partes dessas cidades. A segunda razão está ligada à sua função social. Nessa etapa da análise vou discutir como essas razões podem funcionar a partir de uma visão administrativa.

Os projetos de revitalização de espaços urbanos envolvem a intenção e a estratégia de transformar a cidade não somente em termos físicos, mas também de aumentar seu potencial econômico transmitindo uma imagem de inovação visando atrair novos investimentos. Alguns desses projetos são majoritariamente financiados pelo poder

público, como no caso de Niterói (Caminho Niemeyer) e do Ceará (entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura), porém a maioria dos esforços é feito através de

parcerias público-privadas, as chamadas PPPs, como aconteceu, por exemplo, em São

Paulo, Buenos Aires (Puerto Madero) e Barcelona (Port Vell). No caso do Rio de Janeiro (Porto Maravilha) a parceria se estabelece por meio das Cepacs, que são uma espécie de outorga onerosa que o poder público concede a quem pagar pelo uso desses direitos, normalmente por meio de leilões. Assim, tem se tornado mais comum observar na prática exemplos de ações conjuntas entre os setores público e privado, seja na gestão, seja no financiamento nos projetos de recuperação de áreas urbanas.

As estratégias de desenvolvimento urbano parecem ser menos exploradas tanto na esfera teórica quanto prática aos olhos da administração contemporânea, a despeito dos problemas urbanos decorrentes da decadência de algumas zonas das cidades. Essas áreas mostram um problema estratégico, e ao mesmo tempo, podem ser traduzidos em uma

vantagem econômica para o desenvolvimento das cidades.

A literatura acerca da estratégia para esses casos oferece suporte a dois grandes pontos de vista. O primeiro está baseado no desenvolvimento do mercado, e para tanto, acadêmicos partidários a esta visão defendem que o desenvolvimento econômico deve ser priorizado e que o mercado e a iniciativa privada devem liderar esse processo. Nesse caso, caberia ao Estado apenas ajudar o mercado a “fazer seu trabalho”, que é auferir lucros e através desse processo, promover o desenvolvimento (PORTER, 1999). A segunda visão está baseada no desenvolvimento social, e, portanto, deve ser liderado

pelo governo (HENRY, 1995).

Estratégia significa criar competitividade entre as atividades da empresa, então é preciso tornar as atividades compatíveis para que haja um conjunto coeso e para que haja sustentabilidade do negócio, segundo Porter (1999). Isso implica em fazer escolhas, e, claro, significa excluir tantas outras possibilidades (PORTER, 1999). Essa tomada de decisão ser feita por meio de uma análise competitiva da situação. Assim, escolher investir em revitalização de partes das cidades só tem sentido se isso potencialmente oferecer vantagens econômicas para algumas firmas. Ainda para o autor, a estratégia implica em criar uma posição exclusiva e valiosa, agregando diferentes atividades em comparação aos concorrentes.

Para o ponto de vista economicista, o papel do governo é bastante restrito:

manter a economia estável. Dessa forma, ele fomenta a microeconomia por meio da

competição. Há também outro papel que deve ser desempenhado pelo poder público que é facilitar a criação de clusters, de acordo com Porter (1999). Para o autor, os clusters são a melhor forma de desenvolver partes da cidade e gerar vantagem competitiva para as firmas, baseados nas vantagens da localização. Portanto, a partir dessa perspectiva, investimentos do poder público são percebidos como caridade fadada ao fracasso:

É possível criar uma base econômica sustentável nos centros das cidades, mas apenas da maneira como foi desenvolvida em outros lugares: através de iniciativas e de investimentos privados visando o lucro, com base no auto-interesse econômico e na genuína vantagem competitiva – e não através de incentivos artificiais, da caridade ou de injunções governamentais. (PORTER, 1999, p. 399).

Mais especificamente, Porter (1999) afirma ser preciso acabar com essas “tentativas frustradas” de resolver os problemas das cidades por meio de investimentos sociais feitos pelo poder público, desejando ingenuamente que o desenvolvimento econômico irá suceder ao desenvolvimento social. Para ele, o que deve acontecer é justamente o oposto: o desenvolvimento econômico deve ser priorizado porque é o primeiro e o único desenvolvimento sustentável.

A partir ainda da perspectiva econômica, os centros das cidades oferecem vantagens competitivas aos investidores, tais como: a localização estratégica; a grande concentração populacional que gera uma demanda de mercado; a possibilidade de integração com outros clusters regionais; e a oferta de recursos humanos. Por localização estratégica, Porter explica:

Eles se situam nas proximidades de áreas congestionadas, com elevados aluguéis, grandes centros empresariais e enlaces de transporte e comunicação. Em conseqüência, são capazes de oferecer os benefícios da proximidade com o centro financeiro e comercial, com a infra- estrutura logística, com os centros de turismo e entretenimento e com as concentrações de empresas” (PORTER, 1999, p. 403).

Dentre as desvantagens dessas zonas, Porter destaca: a situação política dos prédios, já que embora essas zonas tenham muitos terrenos vagos, por causa de diversos fatores eles tornam-se não utilizáveis; os custos de construção são altos por causa da logística e das negociações com o poder público face a políticas de planejamento urbano; demais custos representam os serviços urbanos, impostos e garantias para a comunidade; segurança é uma desvantagem porque as zonas mais abandonadas tendem a ser mais

perigosas; infraestrutura pode ser um problema no tocante à qualificação dos empregados disponíveis, a qualificações gerenciais e a capital disponível; e, por fim, o autor levanta a atitude antiempreendedora da comunidade e do governo como um entrave para o desenvolvimento econômico nesses espaços.

Assim, as vantagens e desvantagens do desenvolvimento de zonas das cidades a partir de uma visão economicista pode ser resumida no quadro abaixo:

Quadro 4: referencial para desenvolvimento econômico em centros urbanos

Vantagens Desvantagens

 Localização estratégica;  Situação política das construções

 Demanda local (concentração

populacional)  Custos de construção

 Integração com clusters

regionais  Outros custos

 Recursos humanos  Segurança

 Infraestrutura

 Atitude antiempreendedora Fonte: adaptado de Porter (1999).

Em suma, para superar as desvantagens e aproveitar as vantagens oferecidas por essas zonas, Porter afirma ser necessário o comprometimento de empresas, governos e mesmo organizações não-lucrativas, no entanto, em um paradigma específico, onde “Cada um precisará aceitar um novo modelo para os centros das cidades, baseado numa

perspectiva econômica em vez de social. O setor privado, e não o governo ou as

organizações de serviços sociais, deve ser o foco do novo modelo” (PORTER, 1999, p. 418).

No modelo do Porto Maravilha, o foco talvez esteja, contrariando essas indicações, na intervenção direta, já que é o governo que reinvestirá o dinheiro auferido com a venda das Cepacs. Da mesma forma contrariando o modelo de Porter, aparentemente o projeto Porto Maravilha prevê a transferência do fornecimento de infraestrutura para a iniciativa privada. Parece que o modelo de desenvolvimento Porto Maravilha é híbrido, ao mesmo tempo em que foca a literatura mais liberal, repassando muitas responsabilidades para a iniciativa privada, não está calcado em seus alicerces básicos que é o de melhorar o ambiente competitivo para gerar mais lucros.

O novo papel dos governos deve focar, de acordo com Porter (1999), 4 objetivos: direcionamento dos recursos para áreas de maior necessidade econômica; aumento do valor econômico dos centros das cidades como base para as empresas; execução dos programas e serviços de desenvolvimento econômico através dos principais instituições do setor privado; alinhamento dos incentivos embutidos nos programas governamentais com o verdadeiro desempenho econômico.

A partir de uma perspectiva oposta, baseada no desenvolvimento social,

humano, na cidadania, na redução das desigualdades, a cidade já não pode ser mais

entendida simplesmente como um espaço que se opõe ao campo, e sim como um produto

de conflitos humanos que interagem e criam uma cartografia mental e emocional

(CANCLINI, 2009), na qual os museus podem ou não estar inseridos. Para Canclini (2009), nas grandes cidades a questão emergente é uma oposição entre a capacidade dos cidadãos em perceber a cidade como totalizante ou destotalizante, ou seja, como um conjunto coeso, ou como fragmentada e incompleta. Nesse espaço, a “nova cidadania irá se construir justamente nas relações complexas entre conhecimento e

reconhecimento do outro e na reapropriação da cidade por seus cidadãos” (CANCLINI, 2009, p. 21, grifo meu).

Reconhecer a cidade como totalizante ainda parece uma utopia. No entanto, para Mészáros (2008), fazendo crítica ao capitalismo, a única chance de minimizar o apartheid

social que destotaliza nossos espaços é uma educação que transborde os limites da

pedagogia, e os espaços ditos educacionais, e que rompa definitivamente com a lógica

do capital. Ao mesmo tempo em que a cidade não tem cidadãos se eles não forem

educados propriamente, se não forem conscientes, se não estiverem em processo de

emancipação15.

A única força capaz de contribuir positivamente para o novo processo de transformação é a própria educação, cumprindo com isso seu papel de órgão social [...] pelo qual a reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos e a sua sociedade se torna real (MÉSZÁROS, 2008, p. 102-103).

Acredito que o caminho para entender melhor a distinção entre desenvolvimento econômico e humano dentro das cidades passa pela discussão do conceito de cidadania. A palavra cidadania ou os termos “cidadania organizacional” e “civismo nas

15 Conforme iremos pormenorizar no capítulo 4, compreendemos a emancipação como um processo e não

organizações" têm sido usada com frequência crescente na administração privada (BATEMAN e ORGAN, 1983; ORGAN, 1990; MOORMAN, 1991; MUNENE, 1995; PODSAKOFF, AHEARNE E MACKENZIE, 1997; LAMBERT, 2000; SIQUEIRA, 2003; PORTO E TAMAYO, 2005; entre outros), sobretudo a partir dos anos 80. Nessa perspectiva, se defende que o melhor desempenho das organizações depende de fatores não formais emanados do comportamento voluntário de seus funcionários. A esse comportamento, usou-se denominar comportamento de cidadania organizacional.

No entanto, o significado da palavra cidadania está intimamente ligado aos Estados e indivíduos e não às organizações. Na origem, a palavra começa a ser usada para referir-se àquele que mora nas cidades, que começam a se constituir com um formato democrático de poder e organização social. Embora “idéias de cidadania floresceram em diversos períodos históricos – na Grécia e na Roma antigas, nos burgos da Europa medieval, nas cidades do Renascimento” (OUTHWAITE e BOTTOMORE, 1996, p. 73), o termo na atualidade sofreu algumas evoluções em seu significado. Hoje se subdivide entre a cidadania formal e a substantiva, onde a cidadania formal é usada para designar o membro de um estado-nação (OUTHWAITE e BOTTOMORE, 1996). É comum, porém, encontrar referências na literatura social ao termo referenciado como cidadania substantiva16, que é entendida como a faculdade de usufruir de direitos civis, políticos e, mais modernamente, sociais (OUTHWAITE e BOTTOMORE, 1996).

Ao mesmo tempo em que a cidadania está associada ao local de nascimento, ela “não implica necessidade de causa, por exemplo, nascer em um Estado é ter nacionalidade, mas não necessariamente cidadania” (FGV, 1986, p. 177). Ainda, o termo

cidadão se aplica somente à pessoa natural, com direitos políticos e civis dentro de seu Estado, logo, “uma associação, por exemplo, tem nacionalidade, mas não cidadania”

(FGV, 1986, p.177).

[Cidadão] é o natural ou morador de uma cidade, o habitante das cidades antigas ou Estados modernos, que é sujeito de direitos políticos e que ao exercê-lo intervém no governo do país. O fato de ser cidadão propicia a cidadania, que é a condição jurídica que podem ostentar as

16 “O desenvolvimento da cidadania substantiva foi analisado em um estudo clássico de T.H.Marshall, em

1950 (republicado em Marshall, 1992), que descrevia um desenrolar da extensão de direitos civis, políticos e sociais para toda a população de uma nação” (OUTHWAITE, W. e BOTTOMORE, T, 1996, p. 73). A criação do Estado de Bem-Estar pós 1945 introduz princípios mais igualitários contrabalançando a tendência capitalista, enquanto que na Europa Ocidental, ao mesmo tempo que percebe-se a diminuição dos direitos políticos e civis, há uma evolução importante nos direitos sociais. (OUTHWAITE, W. e BOTTOMORE, T, 1996, p. 73).

pessoas físicas e morais, e que por expressar o vínculo entre o Estado e seus membros implica de um lado, submissão à autoridade, e de outro, o exercício do direito (FGV, 1986, p. 177).

Assim como parece claro que o termo “empresa cidadã” não é adequado, já que empresas podem ter nacionalidade, mas não cidadania, por não serem pessoas físicas. Da mesma forma, depreende-se do conceito que o cidadão só pode o ser em relação ao seu Estado e não em relação à empresa que trabalha, pois não emana dela o seu contrato social, e sim o profissional, sempre subjugado às leis que regem e configuram o Estado, ficado a ideia de “funcionário cidadão” inadequadamente utilizada. Esse descuido parece cair na mesma armadilha que Ramos (1981) já identificara no uso do conceito “autenticidade”, deslocado para “autenticidade corporativa” e sanidade para “sanidade organizacional”, que dentre outros problemas de semântica, tal como aqui, lá há um deslocamento de um atributo que é “intrínseco ao indivíduo”, ou “pertinente à vida individual” (RAMOS, 1981, p. 72 e 76), para a esfera organizacional. Da mesma forma que “autenticidade corporativa é, em seus próprios termos, uma contradição” (RAMOS, 1981, p. 72), cidadania organizacional é uma contradição nos seus termos. Mas no caso da cidadania há um agravante que não havia na análise de Ramos, que é a da fruição dos

direitos pelos agentes.

O cidadão é membro ativo de uma sociedade política independente. A cidadania se diferencia da nacionalidade porque esta supõe a mera qualidade de pertencer a uma nação, enquanto que o conceito de cidadania pressupõe a condição de ser membro ativo do estado para

tomar parte em suas funções. A nacionalidade é um fato natural e a

cidadania obedece a uma espécie de contrato (FGV, 1986, p. 177-178, grifo meu).

Então, o funcionário não pode ser cidadão também porque na empresa ele não toma parte na mesma proporção, não tem poder decisório da mesma forma. Tampouco uma empresa pode ser comparada a um Estado, dentre muitos motivos, também porque no primeiro caso há uma personificação ainda que pulverizada, no caso de sociedades anônimas, da sua propriedade, enquanto que no Estado há a despersonificação da propriedade. Os Estados modernos e democráticos são supostamente o espaço social delimitado para que o poder seja exercido a favor do bem comum, e em favor disso os cidadãos fazem um “contrato” tácito abrindo mão de parte de seus potenciais direitos

individuais.

Mesmo em sentido lato, refere-se à faculdade de nativos do Estado, opondo-se a

significado original, como demonstra sua etimologia (civis, o habitante livre da cidade)” (FGV, 1986, p.177, grifo meu). O verbete adverte que cidadania não deve ser confundida com domicílio, claro, uma vez que está ligada à fruição dos direitos e submissão aos deveres socialmente acordados. Ainda que em ciência política já tenha sido aceito um uso mais amplo do termo, onde a ideia de cidadania é igualmente ligada à nacionalidade e fruição de direitos e obediência a deveres, todos subjugados a uma soberania impessoal que seria a lei. No mesmo sentido, Marshall (1950 in FGV, 1986, p. 177) entende cidadania “à luz de mudanças na concepção dos direitos e deveres da Inglaterra no séc. XIX”, com a evolução dos direitos legais, políticos e sociais, nessa ordem. Brogan (1960 in FGV, 1986, p. 177) argumenta o duplo aspecto da cidadania, onde o

primeiro (...) é a pressuposição de que todo cidadão tem o direito de

ser consultado sobre a direção da sociedade política e o dever de contribuir com algo para essa consulta geral. O segundo aspecto é o

inverso do primeiro. O cidadão que tem o direito de ser consultado está adstrito aos resultados da consulta.

Na teoria organizacional, o termo começa a ser usado quando Smith, Organ e Near (1983) “denominam de comportamentos de Cidadania Organizacional os comportamentos inovadores e espontâneos descritos por Katz e Kahn (1974, apud PORTO e TAMAYO, 2005). Paradoxalmente, os próprios Katz e Kahn alertaram para as dificuldades e enganos de transposição de conceitos de sua esfera de atuação (psicologia) para as organizações.

Então, a razão de ser dos museus face a essas provocações parece estar dividida dicotomicamente. De um lado temos a predominância de ações e interesses econômicos, e de outro, a predominância de ações e interesses sociais. Por um lado as iniciativas estão embasadas na propriedade privada, nas garantias dos direitos individuais e no patrimônio privado. De outro, temos a cidade como bem público, embasada na ideia política de bem comum e na legislação no tocante à cidadania. Os museus podem aparecer como objetos transformadores na sociedade de forma direta, por meio de suas iniciativas, como já foi argumentado, tanto optando por uma perspectiva quanto por outra.

A visão de museu que guarda o saber, a cultura, que precisa ser apreendida (e não aprendida no sentido de educação que adotamos) está relacionada com a própria história dessas organizações. De acordo com ela, museus seriam lugares preferencialmente de colecionadores, deixando a educação em segundo plano e estrita à “transmisión de la

Impressiona-me como a “voz” é metáfora recorrente na literatura consultada (tanto nos livros e documentos que abordam a emancipação, quanto nos que falam de museus e nos que se referem à cultura). Nesse caso as autoras, Alderoqui e Pedersoli (2011) estão simplesmente narrando sua leitura a respeito da história dessas instituições, mostrando que a interpretação estava tão somente restrita aos especialistas e que a cultura não era coisa de gente como a gente, mas coisa de gente especializada, que estudou muito, e que a deposita em lugares aos quais é preciso frequentar para se adquirir.

Essa visão do que seria a educação nos museus, que parte de uma tradução, ou de tornar inteligível aqueles objetos que a priori estariam além do entendimento do público em geral, e teriam que ser, assim, traduzidos e explicados por especialistas ainda permanece em alguns museus, e não posso contra-argumentar que em casos muito especiais essa visão ainda faça sentido. Infelizmente, a educação no sentido mais amplo, que envolve a educação em casa e na sociedade no Brasil e em muitos países terceiromundistas privilegia questões mais fundamentais de sobrevivência ou até de lazer e não considera o questionamento, a postura crítica e a erudição como valor forte. Daí provavelmente, o estranhamento que muitas vezes as pessoas sentem ao se depararem como esses espaços, que não são familiares nem parecidos com locais de uso habitual, como casas e shoppings centers. Daí também o estranhamento do museu. Como entender objetos históricos sem uma noção mínima de história? Não direi aqui que os objetos não podem falar por si próprios, mas também não se pode negar que um conhecimento prévio ou adicional pode aumentar o valor, o nível de compreensão e de encanto do objeto.

Por outro lado, se a história do museu precisa de explicação é porque ela não conta o que se passa com as pessoas que vão ali à procura de compreenderem-se. Ele não serve, portanto, para compreender-se, mas para compreender o outro ou a imagem que se constrói do outro. Ou poderia servir para iludir e forjar uma imagem de nação ou de organização, tal qual os primeiros museus de acordo com a função do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro de 1838, que deveria “construir uma história da nação” (MACHADO, 2005, p.140).

Mas a “tradução” ou “explicação” não é a única postura adotada quando se pensa em educação nos museus. Eles estão, em muitos casos, adotando posturas mais lúdicas e interativas. Sem ainda constituírem-se nos locais que defendo que possam ser de conscientização e de crítica, fomentadores de libertação. Há também uma visão mais

próxima à econômica, onde os museus precisam preocupar em falar o que o público quer ouvir, para manterem-se economicamente viáveis ou afirmarem sua razão de ser na sociedade (uma lógica evidentemente ligada ao conceito de efetividade), mais ou menos como uma loja deve vender o que as pessoas querem comprar, e se parecer com o que as pessoas julgam que deva. Nessa linha, surge a ideia do “Museu Novo”, considerado o aporte anglo-saxão da museologia contemporânea, apoiada nos escritos de John Cotton Dana, que compartilhava da ideia de educação progressiva de John Dewey, para o qual “lo más importante de los museos era el público al que estaba dirigido”17 (ALDEROQUI e PEDERSOLI, 2011, p.20) e diferenciava os papéis da educação formal das escolas e livros aos do museu, mas ainda assim, apesar de objetivar a felicidade dos membros da comunidade a qual o museu serve como um serviço público qualquer, não coloca nele um fator importante de crítica, denúncia e transformação social.

Outra reflexão na qual insisto é que, se o museu contasse a história ou a cultura da sociedade onde ele está localizado, o problema da necessidade de explicação estaria resolvido, porque todos autóctones seriam capazes de compreender sua própria

realidade. Aí porque acredito que mesmo a ideia do Novo Museu tendo afinidades com

a proposta que fazemos de um museu emancipatório, ela distancia-se frontalmente quando não se posiciona a respeito do conteúdo crítico das temáticas desenvolvidas